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terça-feira, 15 de outubro de 2024
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Luiz Dias Guimarães

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O fascínio de Ícaro

Céu, que todos um dia querem alcançar, é em vida objeto de plena ousadia. Pós morte, que seja relicário da alma. Mas por ora, a bênção da liberdade para voar como os pássaros ainda que no rigor do vento. Há um fascínio em descobrir e desafiar os limites do céu que enxergamos. Contam que os astronautas, depois que retornam, não conseguem ser mais quem eram. O céu que viram, onde estava a Terra, mostrou-lhes a pequenez da existência e sua infinitude. Daqui, sonhamos com um céu onde as bordas inexistem. E o desafio é encontrar seus limites.

O ímpeto do desbravamento às vezes revela a busca da liberdade, e a luz traça seu caminho. Sim, há um fascínio na luz do Sol. A mitologia grega conta a epopéia de Ícaro, jovem preso com Dédalo, seu pai, no labirinto do Minotauro, que este criara na Ilha de Creta. Fugiram voando com asas de penas de gaivota e cera de abelha, feitas por Dédalo que aconselhou Ícaro a não voar muito baixo, mas também não tão alto. Então Ícaro bateu asas em direção ao Sol e tal foi o fascínio que, à medida que se aproximou do planeta, o calor derreteu a cera e Ícaro despencou para a morte no oceano.

A mitologia grega é pródiga em, por metáforas, nos aconselhar ainda hoje. Há um limite para tudo neste plano, enquanto não nos convencemos de que nada termina um dia. O desejo das alturas desafia a sabedoria com ingredientes de arrogância.

Não nos contentamos com aviões e foguetes. A adrenalina alimenta o sonho de conquistar cada vez mais o céu, até queremos nele morar, e da janela ironicamente mirar planar entre nuvens que encobrem nossas mazelas. Dubai, Malásia, Xangai e outras plagas futuristas constroem cada vez mais edifícios que vão às alturas. Burj Khalifa, a maior edificação do mundo, com seus 828 metros de altura, é símbolo hoje da ostentação humana. É um complexo de atividades empresariais e turísticas.

Nem todo mundo consegue ocupar essas obras que espetam o céu. Muitas possuem mirantes, aperitivos para breve contemplação. Por R$ 191 de ingresso pode-se embarcar em suave elevador que leva ao 62º andar do Sky Costanera, em Santiago do Chile, que parece querer competir com a Cordilheira dos Andes à sua frente.

É o maior edifício da América do Sul. Nem as duas torres recém-construídas em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, lhe tiram a primazia da proximidade do céu. Agora 300 metros de altura são poucos.  Conheci Camboriú há mais de 50 anos, quando somente um prédio de alguns andares sombreava a serena e ensolarada praia. Hoje Camboriú integra o Top 10 da ousadia e foi preciso engordar a faixa de areia para franquear a luz do Sol.

O espírito desafiador de Ayrton Senna inspira a engenharia com o lançamento do que promete ser em poucos anos o mais alto edifício residencial do mundo, no catarinense balneário.

Será mesmo o céu o limite? Haverá teto para a ousadia? O Senna Tower, com mais de 500 metros de altura, de tão amplo e majestoso, prevê até mansões! É o mercado da ostentação, exclusividade e prazer de se estar mais próximo do céu, sem considerar as mudanças climáticas cada vez mais agressivas e fatais.

Não há limites para o fascínio do desafio, mas há para a liberdade que pode um dia derreter feito cera na perseguição desmedida da ambição de Ícaros contemporâneos. A rigor, a luz do Sol a todos ilumina, independente da altura dos nossos sonhos.

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