O fascínio dos mares
Por mais que o sol nos anime, por mais que a colina nos inspire, nada atrai mais que o oceano. Somos filhos do mar, foi a água que nos deu a vida e isso por si explica porque temos tanto fascínio e tanto querer.
Foram atraídas pelo mar que nossas espécies ancestrais se expandiram por todos os continentes. Foi por ele que muitos desbravadores partiram. Foi inspirado por ele que Camões eternizou a saga do além-mar.
Foi o mar que inspirou sonhos nas crianças, criou sereias para fantasia e monstros para pesadelos. Nenhum elemento da natureza inspira tanta poesia e celebra tanto o amor.
O mar, brotado de moléculas alienígenas que invadiram este planeta, nos deu a existência. Berço que atavicamente buscamos muitas vezes sem saber o por quê. Mesmo se prestando, muitas vezes, a nos sentenciar a morte, ou acolher corpos em desvario, é o mar que nos dá colo e inspira.
Quem trabalha com o mar, seja em terra ou no convés, tem com ele profunda identidade. E quem dele vive distante, está sempre por desejá-lo. Talvez nunca a indústria naval tenha fabricado e entregue tantos navios para sonhos. Anunciam-se grandiosas embarcações compatíveis com os desejos de quem irá neles embarcar, nem que por poucos dias seja.
Não há tufão que contenha essas cidades navegantes do oceano, não há ondas que as impeçam de singrar desafiadoramente os vagalhões, ainda que prenunciados. As últimas barcas da fantasia, como podem se chamar, trazem todo o deleite a satisfazer e encantar a espera. Tão imensas que são, algumas até ostentam a geografia de bairros. Há vida latente entre seus costados. Territórios cosmopolitas pulsantes com todas as comodidades.
Não importa o El Niño, não importam eventuais dissabores como a poeira das florestas queimadas a bloquear o Canal do Panamá ou o de Suez. É sempre o mesmo mar, ainda que por vezes traga o tsunami ou sofra tanta agressão de nós, humanos, que, sem nos darmos conta, criamos ilhas artificiais de plásticos, como a imensa surgida entre a Califórnia e o Havaí.
Foram-se as épocas das bravatas que descobriram continentes e terras longínquas. Ficou por séculos o usufruto do convívio com os mares. De lá nos alimentamos com paellas e sashimis , de lá tiramos muitos de nós o sustento ao viabilizarmos o transporte de tantas mercadorias. É no mar que surfamos contra o estresse e velejamos em nossos devaneios.
Esquecemos da ficção de Ariel, por vezes até desrespeitamos seu pai Tritão, o rei dos mares, e desafiamos Úrsula, que na forma de polvo gigante já deglutiu muitas embarcações.
Não importa. O mar é sempre o mar que nos atrai e nos encanta. É ele que nos mantém e nos faz buscar algo mais em nossas vidas. O mesmo mar que, às vezes, precisamos perdoar por não trazer de volta quem tanto esperamos.
Como Penélope, esposa do indomável Ulisses, que por muito tempo houve por consolar as esposas que aguardavam há anos o retorno de seus maridos. E para tanto, punha-se a ocupá-las tecendo um tapete imenso que, de madrugada, tratava de desfiar para que o tapete não terminasse nunca. Como a esperança.