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segunda, 15 de julho de 2024
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Luiz Dias Guimarães

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O furor das águas

“A natureza é inclemente e não aceita desaforo. Prova é que volta e meia descobrem-se civilizações submergidas nas águas ou escondidas em matas como a Amazônia. Mais cedo ou mais tarde a natureza nos descarta e o desastre que se prenuncia é anunciado”

Se sobrevivermos a tempo, viraremos peixes. Mas pouco tempo haverá, ao menos para muita gente que habita o Pacífico e não terá a sorte (ou necessidade) de adaptação genética como aconteceu ao longo de incontável tempo com o povo bajau. Essa etnia com cerca de 1,1 milhão de pessoas habitantes no sudeste da Ásia, consegue permanecer até 13 minutos debaixo da água.

São quase homens-peixe, eu diria, mas essa façanha o inclemente tempo não permitirá a 216 milhões de migrantes vítimas do clima e que em 3 décadas devem se transformar em refugiados climáticos.

A verdade é que o mundo que habitamos está afundando e com ele muitos sonhos. Cientistas prevêem que até 2030 o planeta estará livre de gelo, a não ser o que fazemos nos refrigeradores. É conhecida a maior placa glacial que se descolou da Antártica e vem derretendo. Agora são as geleiras do Alasca que se desfazem duas vezes mais rápido do que antes de 2010. A cada segundo geram 50 mil galões de água em forma líquida.

Por isso tudo as águas dos oceanos são cada vezes mais volumosas. E parte de muitas costas, inclusive dos 7 mil quilômetros do Brasil, tende a submergir em poucas décadas. No Pacífico o drama é mais imediato.

As paradisíacas ilhas do arquipélago das Maldivas, que alimentam tantos desejos, podem ser o primeiro país a desaparecer. Maldiva tenta construir uma ilha imensa mais acima do nível do mar, que abrigue cerca de 555 mil pessoas.

O risco é iminente, por menos que nossos olhos alcancem. E nem sempre a criação de ilhas artificiais garante o futuro. The World, o conjunto de 300 ilhas artificiais de Dubai, em formato de gigantestas palmeiras, está afundando. Ironia de um país que ostenta riqueza e inovação urbana, achou que podia recriar a natureza com torres espelhadas e agora corre para plantar mais de 1 milhão de árvores em suas largas avenidas onde frequentemente circulam caros folheados a ouro.

A natureza é inclemente e não aceita desaforo. Prova é que volta e meia descobrem-se civilizações submergidas nas águas ou escondidas em matas como a Amazônia. Mais cedo ou mais tarde a natureza nos descarta e o desastre que se prenuncia é anunciado.

Tuvalu, ilha de 12 mil habitantes no meio do Pacífico, chocou os que deveriam conter a sanha do aquecimento global e pouco fazem. Em vídeo exibido na COP26, seu ministro aparece de terno e gravata, dentro do mar, com água pelos joelhos, para declarar: “Estamos afundando, mas o mesmo está acontecendo com todos”. Ironia de uma região que menos produz o famigerado carbono é a que mais sofre a ameaça, num mundo que não terá tempo para nos transformar em homens e mulheres-peixe, como o povo bajau.

Com certeza os sonhos dessa gente é só de conseguir mais peixes e frutos do mar, mergulhando cinco horas por dia, para sobreviver. Nós, ocidentais, vivemos para alimentar outros sonhos que tristemente afundam junto com as ilhas e costas.

Por isso, ao contrário da Nasa, não me preocupo com Bennu, o asteróide com potência de 22 bombas atômicas que o órgão norte-americano tenta preventivamente afastar. Afinal, pelos cálculos astronômicos, Bennu se chocará com a Terra no dia 24 de setembro de 2182. Não sei o que ainda haverá sobre esta crosta terrestre onde, pelas estimativas, já pesam mais coisas criadas pelo homem do que os 8,11 bilhões de humanos. A maioria, nesse tempo, possivelmente tragada junto com nossos sonhos pela fúria do mar.

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