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O futuro da navegação de cabotagem no Brasil

Por Pedro Calmon Neto
Advogado e professor de pós-graduação


Nos últimos anos, o Brasil tem caminhado para aprimorar sua infraestrutura logística, com foco em otimizar a circulação de mercadorias pelo país e estes passos são imprescindíveis para o desenvolvimento econômico de nosso país. A navegação de cabotagem, que é o transporte marítimo ao longo da costa, feito entre portos nacionais, tem ganhado destaque como alternativa eficiente ao transporte rodoviário, tradicionalmente sobrecarregado e caro e ao transporte aéreo, extremamente caro, ambientalmente agressivo, embora muito eficiente.

O fomento para o desenvolvimento de soluções logísticas é necessário e entidades têm desempenhado papel de destaque. Um grande e positivo exemplo é o BRASIL EXPORT, um fórum permanente e agregador que tem percorrido todas as regiões do País discutindo soluções para a logística, infraestrutura e transportes, consolidado como o mais abrangente e positivo movimento do Brasil neste segmento. 

Uma iniciativa que tem se mostrado central nesse cenário é a BR do Mar e as alterações legislativas trazidas com a Lei 14.301/2022 que, além de criar um programa para incentivar e modernizar a cabotagem no país, com reflexos diretos sobre a logística, a infraestrutura portuária e a economia como um todo, também possibilitou o ingresso de novos players no mercado de cabotagem estimulando o desenvolvimento sustentável, necessidade de investimentos para modernização, eficiência, modicidade com o aumento concorrencial.

A Importância da Navegação de Cabotagem

O Brasil possui um litoral extenso e uma malha hidroviária que, sem dúvida, pode e merece ser melhor aproveitada – a chamada Amazônia Azul. Historicamente, no entanto, o transporte de cargas tem sido majoritariamente rodoviário, gerando altos custos logísticos, maior impacto ambiental e sobrecarga das estradas. A navegação de cabotagem surge como uma alternativa eficiente e sustentável, capaz de melhorar a circulação de produtos e impulsionar o desenvolvimento econômico das regiões litorâneas.

Segundo estudos da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 80% das mercadorias comercializadas no mundo são transportadas em navios, com uma estimativa de crescimento médio de 2% por ano, destacando que, segundo a útlima publicação sobre o mercado marítimo da Confêrencia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), com dados de 2023, a frota mundial é composta das seguintes porcentagens (com base na arqueação bruta das embarcações): 42.8% dos navios são de cargas granel (bulk carriers), 28.7% de óleo (oil tankers), 13.4% de conteirenes (container ships), 6.2% de químicos e gases (chemical tankers and gas carriers), entre outros. 

A cabotagem traz inúmeras vantagens: o custo por tonelada transportada é menor, há menor emissão de poluentes e o trânsito nas estradas é reduzido, gerando menos desgaste das vias. Além disso, essa modalidade de transporte apresenta maior capacidade de carga e previsibilidade de entregas, fatores que ajudam na competitividade das empresas que dependem de logística, além da segurança no transporte e geração de emprego de alta desempenho.

Os Avanços da BR do Mar

Lançado em 2020, o programa BR do Mar busca expandir e modernizar a cabotagem no Brasil. Entre seus objetivos, está o estímulo à concorrência, a ampliação da frota disponível e a simplificação dos processos burocráticos, para tornar essa modalidade de transporte cada vez mais atrativa. Um ponto chave é a flexibilização das regras para afretamento de embarcações estrangeiras, permitindo uma maior oferta de navios para atender a crescente demanda por cabotagem.

Além disso, a BR do Mar prevê o fortalecimento da indústria naval brasileira, por meio de incentivos à construção de novas embarcações e ao desenvolvimento de tecnologia voltada à navegação costeira. A ideia é criar um ambiente de negócios mais dinâmico, capaz de atrair investimentos e oferecer um transporte de cargas mais eficiente e integrado.

Em que pese ainda pendente de regulamentação grande parte da BR do Mar, o art. 18 da Lei 14.301/2022 alterou o art. 10, incluindo o §1º no inciso IV da Lei 9.432/1997, autorizando, para a navegação de cabotagem, o afretamento de embarcação estrangeira a casco nu, com suspensão de bandeira, independentemente de contrato de construção em eficácia ou de propriedade de embarcação brasileira, o que antes não era possível.

Está acertada alteração somada a algumas outras já possibilitam ver resultados expressivos da iniciativa, não só tornando o afretamento de embarcações mais acessível pelas Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs) já existentes, aumentando a capacidade de carga a ser transportada, mas também possibilitando o surgimento de novas EBNs, devidamente outorgadas pela ANTAQ, tais como a Norcoast (contêiner), Braskem (químicos e gases) e Alcoa (granel).

Esse cenário representa um avanço significativo para o setor de logística, mas ainda há desafios a serem superados.

Desafios e Perspectivas Futuras

Apesar dos progressos, ainda há obstáculos para que a cabotagem atinja seu pleno potencial no Brasil. Um dos desafios está na modernização da infraestrutura portuária. Embora o país tenha uma extensa costa, muitos portos ainda carecem de investimentos em equipamentos e tecnologia, o que impacta a eficiência das operações. Investir na modernização e na expansão dos portos é fundamental para viabilizar um crescimento sustentável da cabotagem.

Além disso, é necessário um ambiente regulatório estável e previsível para estimular investimentos de longo prazo. A legislação atual já deu passos importantes nesse sentido, mas ainda há espaço para simplificações e ajustes que promovam uma maior competitividade no setor.

O futuro da navegação de cabotagem no Brasil parece promissor. A BR do Mar representa um avanço importante para a logística nacional, mas é fundamental que governo e setor privado trabalhem juntos para superar os desafios ainda existentes. Um ambiente portuário mais moderno, uma regulação clara e incentivos ao desenvolvimento da indústria naval são passos essenciais para consolidar a cabotagem como um dos pilares da logística no Brasil.

A Transição para Combustíveis de Baixo Carbono e Corredores Verdes no Transporte Marítimo

Outro ponto de destaque é a necessidade de transição visando uma maior defesa do meio ambiente. A mudança para combustíveis de baixo ou zero carbono é hoje vista como a principal forma de descarbonização no setor marítimo, superando outras medidas como digitalização e captura de carbono. 

Embora a transição energética esteja apenas começando, segundo o estudo da UNCTAD de 2023, já existem avanços, com cerca de um terço das embarcações encomendadas em 2022 sendo projetadas para usar combustíveis alternativos.

Essa transição requer uma transformação nas cadeias de produção e distribuição de combustíveis, envolvendo stakeholders dos setores de transporte marítimo, portos, energia e finanças. Para atingir uma descarbonização completa até 2050, segundo o supracitado estudo da UNCTAD, serão necessários investimentos substanciais, estimados entre US$ 8 e 28 bilhões por ano, além de investimentos na produção e distribuição de combustíveis, que podem chegar a US$ 90 bilhões anuais. Mas além do investimento é necessário o comprometimento de setores governamentais como a ANTAQ e ANP. Hoje a ANTAQ já têm em sua agenda o desenvolvimento de excelentes iniciativas neste sentido, tais como o estudo sobre a descarbonização, de relatoria do Diretor Caio Farias, como a implementação do “Selo Verde” de relatoria da diretora Flavia Takafashi.

Uma abordagem colaborativa é necessária para alcançar a descarbonização, envolvendo todos os elos da cadeia de valor marítima, tais como as supracitadas iniciativas da ANTAQ, bem como a criação dos “corredores verdes”, iniciativa consolidada oficialmente durante a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021) por meuo da Declaração de Clydebank, que estabelece o compromisso de criar rotas colaborativas entre portos que incentivam o uso de combustíveis limpos e o desenvolvimento de tecnologias verdes. Em que pese o Brasil não estar entre os 22 (vinte e dois) países que assinaram a Declaração, vemos diversas empresas brasileiras já se envolvendo e adotando práticas relacionadas aos “corredores verdes”, especialmente considerando o potencial da cabotagem e do setor de apoio portuário e a relevância do transporte marítimo na economia brasileira. 

Conclusão

A navegação de cabotagem é uma alternativa estratégica para o transporte de cargas no Brasil, oferecendo vantagens econômicas, ambientais e logísticas. Com a implantação da BR do Mar, o país deu um passo significativo rumo à modernização e expansão desse modal, mas ainda há muito a ser feito. Com infraestrutura adequada, regulação clara e incentivo à indústria naval, a cabotagem pode se tornar uma das principais forças da logística brasileira, contribuindo para o desenvolvimento econômico e a integração do país.

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