O futuro dos portos brasileiros: formação profissional e desenvolvimento tecnológico
Por Caio Teissiere Moretti da Silva
Diretor-presidente da Fundação Cenep, do Porto de Santos
No atual cenário de discussão sobre um novo marco regulatório para o setor portuário, é importante que o desenvolvimento deste segmento seja pensado com base em modelos que priorizem o ensino e a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação (P, D&I). Desde a modernização dos portos brasileiros, a partir da Lei nº 8.630/1993, já se vislumbrava a necessidade de investir não apenas na infraestrutura física, mas também no capital humano. O artigo 32 dessa lei, por exemplo, determinou a criação de Centros de Treinamento Profissional nos portos do País, como parte integrante do esforço de modernização.
A Fundação Centro de Excelência Portuária de Santos (Cenep) foi a única instituição implementada em atendimento a essa determinação legal. Criada em 2008, a Cenep tem desempenhado um papel estratégico na capacitação de profissionais do setor portuário. Inicialmente focada em competências técnicas, a Fundação expandiu suas atividades para acompanhar a crescente complexidade das operações portuárias, especialmente no Porto de Santos. Em 17 anos de atuação, mais de 30.000 profissionais foram capacitados pela instituição, o que evidencia a eficácia dessa política pública.
A atual Lei dos Portos, Lei n° 12.815/2013, prevê, de forma tímida, um “fórum permanente” para a qualificação dos trabalhadores portuários, porém com pouco efeito prático e pouco condizente com a real necessidade de desenvolvimento profissional no setor. Além disso, essa legislação limita-se aos trabalhadores listados no artigo 40, como estivadores, conferentes, consertadores etc, ignorando a diversidade de funções, inclusive as mais tecnológicas, que hoje compõem o cenário portuário. Assim, uma revisão nesse item e a ampliação do escopo dessa legislação são necessárias para refletir as transformações do setor e integrar melhor as novas demandas do mercado de trabalho portuário.
Vale lembrar que, com a crescente sofisticação das operações portuárias, novas abordagens no desenvolvimento profissional tornaram-se essenciais. As chamadas soft skills — competências genéricas e transversais como gestão da informação, uso eficiente de tecnologias, planejamento e organização —, antes vistas como competências do futuro, são agora fundamentais para a empregabilidade no presente. Instituições de ensino profissionalizante e técnico e universidades precisam incorporar essas habilidades em suas práticas pedagógicas para preparar os profissionais que atuarão em um ambiente portuário cada vez mais dinâmico e exigente.
O setor portuário brasileiro ainda enfrenta desafios em termos de produção de pesquisa científica e sua aplicação prática. A baixa oferta de programas de pós-graduação, sobretudo stricto sensu, focados em gestão portuária e logística, bem como a escassez de publicações acadêmicas, reflete uma lacuna que impede o Brasil de explorar todo o seu potencial tecnológico e de inovação. Sem graduações e pós-graduações, não há pesquisa. Com uma costa de mais de 8.000 km e uma economia fortemente atrelada ao comércio marítimo, o país deveria ter um número maior de iniciativas relacionadas ao ensino e P, D&I no setor.
Uma das respostas a essa demanda é a criação de modelos que busquem o fortalecimento da conexão entre academia e setor produtivo. Nesse sentido, a concepção de novos centros portuários em parceria com universidades poderá passar a ter papel fundamental no desenvolvimento tecnológico e na inovação para os portos. A Fundação Cenep, por exemplo, integra essas esferas ao fomentar a pesquisa aplicada por meio de parcerias estratégicas, como o Programa de Pesquisa Aplicada em colaboração com a Autoridade Portuária de Santos. Esse programa apoia de diversas formas, inclusive financeiramente, projetos universitários voltados ao Porto de Santos, criando soluções para o desenvolvimento do setor e promovendo a empregabilidade de estudantes.
Outros portos, como o do Itaqui e o do Açu, também desenvolvem iniciativas relevantes nesse sentido, utilizando-se das universidades locais. Esse esforço é fundamental para que os portos nacionais comecem a desenvolver soluções próprias, promovendo ações de responsabilidade social.
Para mudar esse cenário, é indispensável que se estabeleçam programas contínuos de P,D&I nos portos. Políticas públicas como a Lei nº 11.196/2005, a chamada “Lei do Bem”, oferecem incentivos fiscais para empresas que investem em inovação, mas sua aplicação no setor portuário ainda é tímida. Programas como os da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que destina 1% da receita tributária do estado à pesquisa científica e tecnológica, são essenciais para garantir que o Brasil continue competitivo em nível global. Outro bom exemplo é o da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que mantém permanente programa de P, D&I para o setor de energia brasileiro, com diversas oportunidades de chamadas de projetos.
Para debater essas questões e propor soluções que promovam o avanço do setor portuário brasileiro, a Fundação Cenep, em parceria com a Autoridade Portuária de Santos, realizará o Congresso Nacional Integra Portos 2024. O evento, que ocorrerá entre os dias 27 e 29 de novembro, em Santos-SP, terá como tema o “Desenvolvimento tecnológico no setor portuário: a pesquisa aplicada como base para a inovação” e reunirá especialistas, pesquisadores, alunos e profissionais do setor para discutir caminhos para o fortalecimento da pesquisa, da inovação e da competitividade do Brasil no cenário global portuário. A expectativa é que o evento traga novos insights e quem sabe, contribua com boas propostas para a formulação do novo marco regulatório.