O ponto sem retorno
“Segundo os pesquisadores, já foram mesmo identificados sinais precoces de colapso, ainda que não seja possível prever quando isso poderá acontecer. Em algumas regiões da Europa as temperaturas médias poderão cair até 30 graus ao longo de um século, levando a um clima totalmente diferente em apenas 10 ou 20 anos”.
Nenhuma geração, desde que começamos a contar os anos, viveu tantas inovações como a minha. Não é exagero dizer que o homem criou asas. Sua imaginação levou às alturas a revolução tecnológica, o prazer de consumir luxo e conforto. Permitiu que desbravássemos o mundo além do que nossos olhos alcançam. Mas vivemos – ainda agora – guerras atrozes e insanas. Minha geração corroeu o bom-senso, derrocou os limites seguros da sensatez universal, o equilíbrio perfeito que permitiu às espécies aflorar para os benefícios do sol e da lua.
Agora vejo que minha geração nos conduz à ruptura da harmonia dos elementos naturais e da lógica da vida. Minha geração nos colocou em contato irrestrito com quem habita encantadores continentes, mas com as telas está nos levando à solidão, ao embotamento do pensamento. Caminhamos para a loucura e quem sabe à morte coletiva.
Apocalíptico eu? Impossível não me assustar com tudo que vejo à frente. Começamos falando de poluição e acabamos antevendo catástrofes. Só nos últimos dias, para repetir o cardápio semanal do que para alguns possa parecer alarmismo, surgiram dois artigos especializados que não me deixam dormir esperançoso com o futuro.
A revista Science publicou um estudo sobre o sistema de correntes oceânicas que cumpre papel crucial na regulação do clima global, e alertou que esse sistema está próximo de um “ponto sem retorno”, o “tipping point”, com consequências alarmantes para todo o planeta.
A Circulação Meridional do Atlântico (AMOC, na sigla inglesa), um sistema de correntes oceânicas da qual faz parte a Corrente do Golfo, está dando sinais de colapso, o que terá consequências devastadoras com a subida do nível médio do mar e da regulação do clima global, podendo despencar a temperatura em algumas regiões e tenha aumentar acentuadamente em outras.
Segundo os pesquisadores, já foram mesmo identificados sinais precoces de colapso, ainda que não seja possível prever quando isso poderá acontecer.
Em algumas regiões da Europa as temperaturas médias poderão cair até 30 graus ao longo de um século, levando a um clima totalmente diferente em apenas 10 ou 20 anos.
Já os países do Hemisfério Sul poderão sofrer um aumento acentuado da temperatura e alterações graves nas estações de seca e chuvosas da Amazônia. E esse foi tema também da prestigiada revista Nature. Estudiosos brasileiros estão temendo a chegada do “tipping point” na resiliência da natureza amazônica, a se prever falência no processo de realimentação da vida desse pulmão que repercute no mundo. As chuvas, cada vez mais escassas, não permitirão que as florestas respirem, se renovem e retribuam as águas por meio de verdadeiros “rios voadores” que se espalham para outras regiões do planeta.
Nestes milhões ou bilhões de anos a Terra sobreviveu graças à harmonia, beneficiada pela exatidão de sua distância perante o sol, permitindo que surgisse a vida que conhecemos sem que esta congelasse ou esturricasse.
Alertas não faltam, e o mercado tenta se adaptar e tirar proveito. Não é por outro motivo – ou talvez por prenunciar uma guerra global – que os supermercados norte-americanos estão dispondo gôndolas repletas de produtos, especialmente alimentos processados, que podem durar 30 anos. E suspeita-se que os mais antenados e abastados estejam construindo bunkers. O que eles sabem que eu não sei?
Essas notícias correm nas redes sociais como rastilho de pólvora e incendeiam o espírito de muita gente surgida num mundo que minha geração deixou de ponta cabeça.