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Adilson Luiz Gonçalves

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O Porto de Santos precisa parar?

Logo após a promulgação da Lei nº 12.815/2013, que tirou o caráter deliberativo dos conselhos de Autoridade Portuária (CAP), durante um evento, resolvi fazer uma pergunta ao então presidente da Codesp. Iniciei comentando que a nova lei havia frustrado a expectativa de descentralização da administração do Porto de Santos, decorrente de sua notória demonstração de pujança e eficiência durante a vigência da legislação anterior. Ao invés de atender essa expectativa, o Governo Federal havia estabelecido a centralização em Brasília. Concluindo, perguntei o motivo dessa decisão.

A resposta dele foi que Santos estava indo muito bem, mas os demais não estavam seguindo seu ritmo. Daí, foi necessário criar um “freio de arrumação”…

Pois é… Isso confirma a tese de que o Brasil historicamente tem mais freios do que acelerações.

Desde então, venho humildemente estudando e propondo alternativas para o Porto de Santos.

Então, em 06/01/2025, fiquei surpreso ao ler o título do artigo: Santos “precisa parar”! Mais que surpreso, fiquei apreensivo, considerando a relevância do autor no contexto nacional.

Imediatamente, lembrei-me da frase proferida por Figueiredo Ferraz, mencionada pelo autor do artigo, e em que contexto foi dita.

Concordo que o Brasil pode ter mais de um porto concentrador (hub port), mas se o Porto de Santos tem essa condição é por seguir a premissa de que um complexo portuário deve estar pronto para atender à demanda, seja aquaviária ou terrestre. Se as cargas buscam esse complexo portuário, é por ser a melhor opção, por bons ou maus motivos.

Houve um tempo em que, me corrijam se estiver enganado, o Porto de Santos era o único que arrecadava o Adicional de Tarifa Portuária (ATP), criado pela Lei nº 7.700/1988, recurso utilizado pelo então Governo Federal para financiar porto público que se tornou seu concorrente.

Essa cobrança foi um freio ao Porto de Santos, pois, além de deixar de investir no atendimento de suas próprias demandas, ainda teve que aceitar o que não deu certo em outros portos, caso do “Belo Antônio” (os portuários mais antigos devem se lembrar daquela tranqueira).

Esses freios e barreiras criados com a justificativa de promover equilíbrio, desprezando o mérito, ou apenas tirando proveito dele, geralmente provocam atrasos no desenvolvimento do que se quer fomentar. Nesse caso, recuar um passo não assegura o impulso necessário.

Embora entenda a análise feita pelo articulista, creio que Santos não disputa cargas com outros portos. Os operadores portuários são privados e, em muitos casos, verticalizados, ao menos parcialmente. Santos tem terminais arrendados a empresas que o escolheram para promover suas exportações e importações. Isto ocorre porque consideraram o Porto de Santos mais atrativo no cenário atual e futuro.

O desvio de cargas para portos do sul do País é por dificuldades de acesso ao Porto de Santos.

Já existe concorrência dos portos do Arco Norte para a produção do agronegócio acima do paralelo 16° Sul. Também haverá brevemente a opção de corredores bioceânicos, com a China vivamente interessada. Serão opções para o agronegócio que, apesar de sua representatividade para a economia nacional, exporta commodities de baixo valor agregado, com o Brasil tendo, no geral, pouco representatividade no comércio internacional, normalmente em torno de 1%, menos importante, ainda, quando se trata de produtos industrializados de alto valor agregado.

Por isso, concordo com o articulista quando afirma que Santos precisa focar na operação de contêineres. Isso já vem ocorrendo, mas também há commodities sendo exportadas nos cofres, com intensas reclamações sobretudo dos exportadores de café.

Os governos Federal e Estadual fomentam a reindustrialização/neoindustrialização do Brasil, com foco em exportações, o que é necessário, urgente e tardio. Porém, para que tal ocorra, é necessário que a infraestrutura e a logística comportem essa mudança de paradigma, o que implica investir na matriz de transportes e na criação de polos industriais sustentáveis, preferencialmente próximos a portos e aeroportos.

Nesse sentido, uma nova ligação terrestre específica para carga destinada/oriunda do Porto de Santos não é uma novidade. Em verdade, ela vem com um atraso mínimo de 20 anos!

A criação da Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS) e os compromissos de investimento incluídos nas renovações de concessões ferroviárias tornarão a matriz de transporte do complexo portuário local de melhor eficiência energética, mas não impedirão o crescimento da participação de caminhões, nem solucionarão o problema dos “bactérias” ou da falta de silagem na origem.

As iniciativas de inserção do modo hidroviário de transporte de cargas no escopo do Porto de Santos têm sido frustradas por questões ambientais, ignorando que, por sua eficiência energética, os impactos negativos que causaria seriam largamente compensados pela redução de emissões de poluentes geradas e ocupação de rodovias por caminhões.

A pista descendente da Via Anchieta, uma estrada construída em meados do século XX, é o único acesso de cargas ao Porto de Santos, também compartilhado com outros veículos, o que agrega riscos de acidentes. É notório o caos existente em épocas de férias e feriados prolongados.

Para complicar um pouco mais, por suas características geométricas, certos veículos sofrem restrições de tráfego. Veículos longos têm horários de circulação restritos, isso depois de muitas negociações entre a concessionária e os transportadores. Cargas de projeto oriundas do interior do Estado, além de circularem em horários específicos, transitam em veículos lentos, demorando dias para chegar ao Porto.

Um novo acesso ferroviário também é necessário, pois os dois atualmente existentes também têm limitações de expansão de capacidade. A linha de simples aderência operada pela Rumo, por exemplo, possui túneis tombados pelo patrimônio histórico, o que impede sua adaptação para a operação de contêineres remontados (double deck).

A acessibilidade terrestre, salvo engano, é o principal motivo pelo qual as cargas precisam ser desviadas para outros destinos.

Porém, ainda concordando com o autor, é preciso agregar valor às cargas exportadas pelo Porto de Santos. Não à toa propus ao MPor e à Infra S.A., em 2024, que o PNL 2050 também inclua estudo da vocação industrial próxima a portos e aeroportos brasileiros, com ênfase na criação de Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), tema que estudo desde 2017. Esse estudo, encaminhado ao MDIC, via Conselho Nacional de Zonas de Processamento de Exportação (CZPE), permitiria a elaboração de Chamamentos Públicos, agilizando e otimizando processos. É um absurdo termos tão poucas ZPEs no Brasil, quando a China tem mais de 2.500 Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), a maioria próximas a portos. Isso reduzirá custos logísticos para produtos de exportação, embora não prescinda de acessos terrestres para escoar importações e produtos destinados ao mercado interno, nos termos do regime específico.

A cidade de Santos está apta a sediar uma ZPE desde 2017, tendo sua área continental como local ideal, que pode ser ampliado para outros municípios da região, considerando a distância máxima de 30 km entre áreas.

A revisão do PDZ do Porto de Santos considerará esse potencial.

Quando à expansão do Porto de Santos, há espaço, sim, o que é demonstrado pela proposta de sua nova poligonal.

E quanto à acessibilidade aquaviária?

Bem, já está prevista a ampliação da profundidade do canal de navegação do Porto de Santos para -17 m, mas há possibilidade de chegar a -20 m. A questão é técnica e econômica, dependente da análise de cenários.

Em tese, isso permitirá o acesso de navios de até 400 m de LOA (lenth overall). No entanto, a conformação do canal de navegação, com sua largura e curvas, exige navegação assistida mais elaborada. Os práticos de Santos já afirmaram que são capazes de exercer suas funções mesmo em condições extremas.

É fato que houve dois acidentes de monta recentemente, mas ambos ocorreram em situações que poderiam gerar danos em qualquer outro porto: pane de motor e rajadas de vento em navio de elevada superfície veélica.

Todo porto tem suas especificidades operacionais, e Santos está muito bem instrumentado para prevenir ou mitigar ocorrências. Considerando a quantidade de operações de atracação/desatracação realizadas nesse complexo, ele apresenta menos ocorrências do que outros portos brasileiros.

Não há como negar que os danos causados pelos dois acidentes afetaram o sistema de balsas, serviço atualmente imprescindível no âmbito da mobilidade interurbana.

A construção do túnel subaquático que ligará Santos a Guarujá, cuja licitação ocorrerá em 2025, reduzirá a demanda pelo serviço de balsas, melhorando a segurança no canal de navegação. Vale lembrar que essa obra é esperada há quase 100 anos!

Acessibilidade terrestre… Acessibilidade aquaviária… ZPE… Expansão portuária…

Há projetos e planos em todos esses âmbitos para o Porto de Santos, que tem potencial para muito mais, haja vista os recordes superados a cada ano. As soluções são urgentes, pois de nada adianta ampliar a capacidade operacional do complexo se os acessos não corresponderem e os investimentos não forem estimulados.

Criar novos portos, públicos ou privados, ou tornar concentradores alguns dos existentes são alternativas válidas. No entanto, qual seria o custo para sua viabilização, inclusive quanto aos acessos terrestres necessários? Considerando o histórico recente, isso levaria anos, talvez décadas. E se é para investir neles, por que não fazê-lo para otimizar os que já apresentam essa demanda, com a certeza da atratividade de cargas?

Em planejamento estratégico, o investimento sempre deve estar adiante da demanda. É assim nas principais economias do mundo, lembrando que cerca de 90% do comércio internacional ocorre por meios aquaviários.

Aí entra o principal “freio” ao desenvolvimento efetivamente sustentado do Brasil: seu arcabouço legal!

As legislações ambiental e de licitações têm prejudicado, por vezes inviabilizado, a implantação de empreendimentos que gerariam milhares de empregos e tributos, diretos e indiretos.

Expressões como “litigância predatória” tornaram-se corriqueiras, e a interpretação de leis traz incertezas e judicializações.

De nada adiantará fazer planos, prever verbas e atrair investidores internos e externos enquanto houver tal instabilidade jurídica. Isso pode ser do interesse de alguns, mas não é do País!

É preciso revisar nosso arcabouço legal, para torná-lo mais objetivo e ágil, de maneira a criar efetivas condições para o pleno desenvolvimento sustentado do Brasil. Para tanto, é fundamental que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário atuem em nome dos interesses estratégicos do País. Que ao menos haja um pacto pelo desenvolvimento sustentado, como já sugeri em textos anteriores.

Santos “precisa parar”?

Sei que a intenção do articulista não foi radical, tanto que colocou o precisa parar entre aspas, e suas considerações propuseram alternativas para que tal não ocorra.

De fato, também concordo que mais importante do que ampliar a tonelagem movimentada – o que não deixa de ser um indicador relevante – é aumentar o valor por tonelada. Isso implica na criação de ZPEs próximas a portos e aeroportos, associadas a iniciativas de P & D, com ênfase na formação de quadros, produção científica e de patentes. Esse é um bom exemplo que podemos copiar da experiência bem-sucedida dos chineses.

Além disso, operações com contêineres são bem menos afetadas por questões climáticas do que os granéis do agronegócio. Considerando as características do Estado de São Paulo, a necessidade de redução da dependência de importação de produtos industrializados, que ficou patente durante a pandemia do Covid-19; e os cenários de mudança do clima para as próximas décadas, essa diversificação da carteira de exportação dos portos brasileiros é vital!

Agora, imaginem se algum nativo de outros países dissesse: Rotterdam precisa parar! Antuérpia precisa parar! Hamburgo precisa parar! Xangai precisa parar! Los Angeles precisa parar!

Parar não é uma opção, pois muitos portos que pararam hoje nem mais existem, e as cidades e regiões que os sediavam entraram em decadência. Muitos dos que são contra a presença de portos, propondo até sua expulsão, substituindo seus empregos por atividades que consideram ambientalmente mais adequadas, ignoram o impacto dramático que isso terá na sustentabilidade social e econômica das cidades. Não é uma percepção pessoal, mas uma manifestação ocorrida durante a 19ª Conferência Internacional da AIVP, ocorrida em novembro de 2024, em Lisboa.

Assim, não se trata de buscar progresso de forma desenfreada, mas tampouco é racional discursar em nome do desenvolvimento sustentado quando se vive eternamente com “o freio de mão puxado”. Soluções extremadas sempre resultaram em novos problemas, às vezes piores; e boas intenções podem gerar tensões sociais de difícil controle.

No caso dos portos, vale muito a expressão “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, pois é preciso pensar em equilíbrio.

O importante é assegurar que cada porto desenvolva plenamente seus potenciais, sendo público ou privado, o que implica no arcabouço legal garantir que isso ocorra de forma ambiental, social e econômica equilibrada, sem radicalismos proselitismos ideológicos inconsequentes, ou interesses corporativos predatórios.

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