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Adilson Luiz Gonçalves

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O que é bom para o Brasil?

Essa dependência crônica foi se arraigando ao ponto de se tornar conformismo, ao se achar que tudo o que é bom vinha de fora. Nelson Rodrigues traduziu esse sentimento por ocasião da partida final Copa do Mundo de 1950, ao cunhar a expressão “complexo de vira-lata”, equivalente ao complexo de inferioridade. Na época, ela se referia à derrota de nossa seleção de futebol para a do Uruguai, em pleno Maracanã, por 2×1. Imaginem o que ele teria dito se o placar fosse 7×1…

Infelizmente, o Brasil nunca foi efetivamente independente, a não ser por alguns espasmos futebolísticos, quando nossos craques não precisavam jogar na Europa para sermos campeões mundiais.

Lembro de uma música do grupo “Premeditando o Breque”, ou simplesmente “Premê”, que integrava talvez seu único LP que obteve relativo sucesso, “O melhor dos iguais”, cuja capa tinha dezenas de palitos de fósforo. Era um samba-enredo: “Bem Brasil”.

Os integrantes do Premê eram ótimos instrumentistas, sendo que alguns ficaram bem mais famosos em propagandas comerciais. Suas composições sempre tinham um toque do que se poderia definir como “humor paulistano” – talvez por isso não tenham alcançado repercussão nacional. Mas a crítica social e política também está presente em suas composições.

No caso específico de “Bem Brasil”, merecem destaque dois trechos: “Mais do que um país, é um continente. Mais do que um continente, é um quintal” e “Aqui não tem terremoto. Aqui não tem revolução. É um país abençoado, onde todo mundo mete a mão”.

O interessante é que ela inicia com a leitura de um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, interpretada como canto gregoriano, com ênfase no trecho: “Porém o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”.

Parece que mesmo hoje, com uma população difusa, ainda é preciso salvar esta gente de influências deletérias internas e externas, para que o Brasil assuma sua grandeza territorial e esteja à altura da imensa maioria de sua população, que é honesta, trabalhadora e tem um enorme potencial de desenvolvimento pessoal e coletivo, se tiver oportunidade.

Ao conhecer aspectos do livro “Amazônia – A Maldição de Tordesilhas”, recém-lançado por Aldo Rebelo, vieram reflexões sobre como o Brasil, quinto país em extensão territorial, sexto mais populoso e dotado de tantas riquezas naturais, não consegue se desvencilhar de interferências externas.

Embora haja uma tendência atual de demonizar os bandeirantes – é certo que, no contexto histórico, foram cometidas algumas atrocidades -, foram eles os responsáveis por ampliar os territórios do Brasil Colônia nos tempos da União Ibérica (1580-1640).

Deve ter sido muito difícil conter incursões de ingleses, franceses e holandeses e, em alguns casos, expulsá-los da colônia. Também não deve ter sido fácil manter o território unificado, enquanto a “América Espanhola” se fragmentava em vários países, alguns guerreando entre si.

As ações dos bandeirantes foram posteriormente ampliadas e consolidadas, agora de forma diplomática, por José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco.

Ficamos e somos grandes, de fato, mas nem perto de outros gigantes territoriais, como EUA, Rússia e China, quando se fala de autonomia e autodeterminação, ao menos atualmente. Os EUA seriam um exemplo mais adequado, enquanto também foi colônia. Considerando as independências formais deles e nossa, o Brasil era muito maior do que os treze estados iniciais dos EUA, que só posteriormente incorporaram territórios ocupados por franceses, espanhóis e russos.

Mas nossa independência de Portugal não nos livrou da dependência econômica da antiga Metrópole em relação à Inglaterra. Ela ainda perdurou por décadas, só trocando de mãos.

Além da dependência econômica, havia – como ainda há – dependência tecnológica. Foi assim principalmente com Inglaterra, França e Alemanha até o início da Segunda Guerra Mundial, quando os EUA consolidaram, ou melhor, aplicaram de forma mais efetiva o “Doutrina Monroe”, de 1823, que tinha como lema “A América para os americanos”. Essa doutrina deu origem, ao que consta, à expressão “quintal dos EUA”.

Não era muito diferente antes, pois as potências europeias colonialistas já dividiam o resto do mundo em suas esferas de influência. Isso valia para Ásia, Américas, África e Oceania. Não à toa, os domínios ingleses eram conhecidos como “o império onde o sol nunca se põe”.

Onde não possuíam domínio territorial, esses países brigavam pelo domínio econômico, tentando impor seus produtos industrializados e empresas de infraestrutura, também induzindo ao endividamento, sem falar de outros expedientes infelizmente ainda comuns.

Durante algum tempo, a “briga” entre a polegada e o metro implicava na dependência tecnológica de uma ou outra potência europeia.

Em outro artigo, comentei sobre o boicote sofrido pelo Visconde de Mauá. Tempos depois, foi a vez do empresário Delmiro Gouveia, outro empreendedor que também “incomodou” os ingleses, só que teve um final trágico. O pior é que esses “freios”, quando não eram explicitamente externos, sempre encontravam um aliado interno disposto a se locupletar ou assegurar o “status quo”. Assim, toda vez que o Brasil tentava acelerar, alguém “pisava no freio”. 

É diferente hoje?

Essa dependência crônica foi se arraigando ao ponto de se tornar conformismo, ao se achar que tudo o que é bom vinha de fora. Nelson Rodrigues traduziu esse sentimento por ocasião da partida final Copa do Mundo de 1950, ao cunhar a expressão “complexo de vira-lata”, equivalente ao complexo de inferioridade. Na época, ela se referia à derrota de nossa seleção de futebol para a do Uruguai, em pleno Maracanã, por 2×1. Imaginem o que ele teria dito se o placar fosse 7×1…

O remédio para essa doença não é o ufanismo patriótico ou radicalismos ideológicos. A cura depende de sermos capazes de superar não apenas as adversidades do cotidiano – nisso, o brasileiro é craque, capaz de dar nó em pingo d’água usando luvas de boxe -, mas também a condição de estarmos sempre décadas atrasados e submissos aos países desenvolvidos, e sermos um país sério, interna e externamente.

Somos um país grande, mas ainda estamos engatinhando para sermos considerados um grande país pelos poderosos da vez, e nos sentirmos como tal, acima de qualquer discurso populista.

Mais uma vez, temos parte da responsabilidade por essa condição, na medida em que alguns preferem se alinhar com interesses políticos e ideológicos externos.

“O que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”, teria afirmado Juracy Magalhães, quando embaixador do Brasil nos EUA, entre 1964 e 1965. Eram tempos de Regime Militar e os EUA atuavam firmemente para conter a escalada comunista nos países latino-americanos, seu “quintal”, pós-crise dos mísseis de Cuba (1962).

Isso já havia ocorrido antes da Segunda Guerra Mundial, mas a necessidade de criar um “front” oriental durante esse conflito tornou a União Soviética um aliado imprescindível. Com isso, o expansionismo comunista só foi efetivamente retomado nos tempos da Guerra Fria, e descontinuado com o esfacelamento da URSS, quando os recursos para financiamento de seus satélites foram prejudicados e estes passaram a buscar outras formas de sustentabilidade.

Era errado afirmar que o que era bom para os EUA era bom para o Brasil? Era certo afirmar que o que era bom para a URSS e seu satélite caribenho, Cuba, também era bom para nós?

Bem, tem gente que continua afirmando uma e outra coisa, como se os anos de 1960 nunca tivessem passado, e como o que nunca deu certo, mas se sustentou como ditadura, aqui será feito do “jeito correto”.

Ditadura é ditadura, seja de direita, esquerda ou religiosa!

Uma característica das grandes potências é merecerem respeito, seja por sua pujança econômica, seja por seu poderio militar. O ideal é que, a essas características, também seja agregada a estabilidade social, desde que não seja imposta pela força do monopólio do poder de governos de ideologias radicais ou elitistas.

Onde o Brasil está nesse contexto? No que o Brasil é bom para esses países?

Quanto ao primeiro questionamento, creio que o Brasil ainda está procurando se encontrar no labirinto do concerto das nações, querendo ser o que não é e deixando de buscar o que tem potencial para ser além do tradicional.

Sobre o segundo, há muitas coisas: jogadores de futebol, “commodities” (com protecionismos internos e exigências draconianas), profissionais (há vários brasileiros atuando com destaque em empresas multinacionais), cientistas de ponta (desenvolvendo lá o que não têm condições de desenvolver aqui), legislação ambiental (que permite que eles compensem aqui o que não fazem em seu território) e alguns políticos proselitistas (cujo discurso atende a seus interesses). Isso é bom para eles porque lucram e mantém seu poder e noção de superioridade. Mas raramente é bom para o Brasil, ao menos não na mesma proporção.

Como alguém já disse, eles não têm amigos, têm interesses! Mas isso é perfeitamente compreensível e poderia ser replicado por aqui. Isso seria mais do que bom!

Paradoxalmente, mas nem tanto, nesse sentido, o que é bom para esses países pode ser muito bom para o Brasil: a forma como se entendem e se valorizam como nações, e como atuam para desenvolver e consolidar essa condição!

Isso nunca ocorrerá se a estratégia de governo for, internamente, a definida por Júlio César: dividir para conquistar; por Publius Flavius Renatus: se queres a paz, prepara-te para a guerra; ou por Machiavelli (Maquiavel): os fins justificam os meios. Elas foram cunhadas principalmente em relação a inimigos externos ou propósitos expansionistas, também bastante utilizadas no âmbito empresarial de uns tempos para cá.

Um país nunca será próspero e socialmente estável se disputas internas de poder ou ditaduras prevalecerem. Aliás, é assim que países são dominados por interesses externos ou radicalismos internos.

Não precisamos seguir integralmente modelos alheios, ou sermos “laboratório” de experiências de intenções e resultados duvidosos. Precisamos aprimorar nossas virtudes e potenciais e mitigar nossos defeitos e mazelas. Isso para superar o complexo de inferioridade, fanatismos ideológicos em geral e o nefasto histórico de incompetência, corrupção e impunidade, onde “até o passado é incerto”, que infelizmente têm confirmado a “profecia” sarcástica atribuída a Roberto Campos: “Fiquem tranquilos, o Brasil não tem a menor chance de dar certo”.

Para subverter essa sina “severina”, duas das premissas atribuídas a Sun Tzu merecem destaque: “Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas” e “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”.

Afinal, para que o Brasil efetivamente esteja à altura de sua extensão territorial e seus recursos humanos e naturais, é preciso travar uma “guerra” cujas armas incluem investimentos em educação, saúde, segurança, infraestrutura, capacidade produtiva, pesquisa e desenvolvimento. Quem sabe assim o “sonho” de alguns brasileiros deixe de ser contar sempiternamente com modelos assistencialistas, para subsistir; optar pela política, como meio de se locupletar; ou partir para países desenvolvidos, às vezes clandestinamente, na tentativa de prosperar.

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