O setor portuário brasileiro: desafios, regulação e a necessidade de modernização
Por Fábio Silveira
Advogado, sócio-diretor da Gallotti Advogados Associados e consultor jurídico da Associação Brasileira de Entidades Portuárias e Hidroviárias (Abeph)
O setor portuário é um dos principais motores da economia brasileira, sendo responsável pela movimentação de cerca de 95% das exportações do País, segundo dados do Banco Mundial. Com uma costa extensa e estratégica, o Brasil possui portos de grande relevância, como Santos, Paranaguá e Suape, que conectam o País às principais cadeias globais de logística e comércio. No entanto, a eficiência e o pleno potencial do segmento de infraestrutura portuária esbarram em desafios complexos, que envolvem desde a regulação e governança até questões judiciais e trabalhistas. Com a crescente modernização da logística mundial, a revisão da legislação portuária e o aprimoramento da regulação setorial, tornaram-se essenciais para garantir a competitividade do Brasil no cenário internacional.
A Importância e Particularidade do Setor Portuário:
O setor portuário brasileiro, além de ser crucial para a economia, tem características bastante particulares. Os portos brasileiros movimentam produtos como grãos, minérios, combustíveis e produtos industrializados, sendo pontos de ligação fundamentais para o comércio exterior. No entanto, a infraestrutura portuária no Brasil enfrenta gargalos que afetam a eficiência logística, como a burocracia nos processos alfandegários, a falta de investimentos em modernização e a baixa integração entre os diferentes modais de transporte.
A legislação que regula o setor, embora robusta, precisa ser constantemente revisada para acompanhar o ritmo das transformações tecnológicas e econômicas. A Lei nº 12.815/2013, conhecida como Lei dos Portos, e o Decreto nº 8.033/2013 são os principais marcos que regulam a exploração dos portos organizados e os terminais de uso privado, estabelecendo normas para concessões, arrendamentos, autorizações e prestação de serviços. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) é o órgão responsável por fiscalizar o setor, garantindo que os serviços sejam adequados e em conformidade com a legislação vigente.
No entanto, o arcabouço regulatório atual enfrenta desafios que vão além da infraestrutura física. As novas demandas impostas pelo avanço tecnológico, a automação e a digitalização dos processos logísticos, a introdução de novas formas de trabalho e a necessidade de uma governança mais eficiente, são questões que exigem mudanças e modernizações constantes no marco regulatório.
Desafios para a Modernização da Legislação Portuária:
Com o avanço tecnológico transformando rapidamente o setor logístico global, a legislação portuária precisa ser atualizada para acompanhar as inovações. A automação de terminais, o uso de big data para gerenciamento de cargas e a digitalização de processos, são algumas das mudanças que vêm sendo implementadas em portos ao redor do mundo. No Brasil, a adoção de novas tecnologias ainda enfrenta barreiras regulatórias, que tornam o ambiente menos atrativo para investidores e operadores.
Outro fator relevante é a relação de trabalho nas instalações portuárias, em especial nos portos públicos. O setor portuário historicamente tem um vínculo forte com os sindicatos de trabalhadores, e a modernização tecnológica pode gerar tensões nas relações laborais. A adoção de sistemas automatizados em terminais pode ser vista como uma ameaça aos empregos tradicionais, exigindo um diálogo constante entre empresas, sindicatos e governo, para equilibrar a necessidade de modernização, sem perder de vista a proteção dos direitos laborais.
Além disso, o Brasil ainda precisa avançar na integração de seus portos com outros modais de transporte, como rodovias, ferrovias e hidrovias, para garantir uma maior eficiência logística. Essa integração é crucial para reduzir custos operacionais, aumentar a competitividade das exportações e melhorar a conexão do Brasil com as cadeias globais de suprimentos.
Dificuldades do Poder Judiciário e a Necessidade de Soluções Consensuais:
Outro obstáculo relevante para o desenvolvimento do setor portuário é a judicialização de questões que envolvem autorizações, arrendamentos e regulação de tarifas. Disputas entre operadores e o poder público são frequentes, e essas questões chegam ao Judiciário, que enfrenta dificuldades para lidar com matérias altamente técnicas. De acordo com o Conselho da Justiça Federal (CJF), a falta de especialização dos magistrados em temas como regulação de infraestrutura e outorgas portuárias, dificulta a celeridade dos processos, gerando insegurança jurídica para as empresas e investidores.
A Advocacia-Geral da União (AGU), que atua na defesa dos interesses da União nessas questões, tem buscado soluções para reduzir os conflitos judiciais, mas o volume de litígios no setor é um problema crônico. Para lidar com essa situação, o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, tem incentivado o uso de métodos alternativos de resolução de disputas, como a mediação e a arbitragem.
O presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, tem destacado a importância do consensualismo na resolução de conflitos no setor de infraestrutura, incluindo o portuário. A mediação e a arbitragem permitem que as partes encontrem soluções mais ágeis e menos onerosas do que os processos judiciais tradicionais, promovendo maior segurança jurídica e previsibilidade para os investimentos. Esses métodos são especialmente relevantes em disputas envolvendo grandes contratos de concessão e arrendamento de áreas portuárias, onde os interesses públicos e privados se entrelaçam de maneira complexa.
A Comissão de Juristas para a Revisão do Marco Legal Portuário:
Diante da necessidade de modernização do marco regulatório portuário, o Congresso Nacional instituiu, em 2024, uma Comissão de Juristas com o objetivo de revisar a legislação portuária brasileira. A comissão tem como missão aperfeiçoar o marco regulatório portuário às novas demandas tecnológicas, laborais, econômicas e ambientais que o setor enfrenta.
Entre os principais desafios da comissão está a simplificação dos processos de concessão e arrendamento, que ainda são vistos como excessivamente burocráticos e pouco atrativos para o investimento privado. A revisão da legislação atual precisa também contemplar questões como a digitalização dos processos portuários, o uso de novas tecnologias para aumentar a eficiência e a criação de mecanismos que incentivem a integração entre os modais de transporte, a nova realidade na relação de trabalho nos portos organizados, dentre outros temas de grande relevância.
O futuro processo legislativo, contudo, enfrentará seus próprios desafios. A conciliação de interesses entre os diversos atores do setor — Governo, operadores privados, concessionários, sindicatos e sociedade civil — é uma tarefa complexa, e a comissão terá que lidar com pressões de todos os lados. Ainda assim, a modernização da legislação portuária é essencial para garantir que o Brasil não fique para trás em um setor que está em constante transformação global.
O Programa “Navegue Simples” e o Caminho para a Simplificação:
No contexto de desburocratização e modernização, o Ministério de Portos e Aeroportos lançou o programa “Navegue Simples”, uma iniciativa que busca simplificar os processos regulatórios no setor aquaviário e portuário. O objetivo do programa é reduzir a burocracia que afeta os operadores, agilizando a emissão de licenças e a tramitação de processos relacionados à navegação e às operações portuárias.
A digitalização de documentos e processos é uma das principais metas do “Navegue Simples”, que visa aumentar a eficiência administrativa e diminuir os custos operacionais para empresas que atuam no setor. Além disso, o programa também tem como objetivo melhorar a integração entre os diversos órgãos que regulam as atividades portuárias, como a Antaq, a Receita Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Conclusão:
O setor portuário brasileiro é de extrema importância para a economia nacional e sua integração com o comércio global. No entanto, para que o Brasil consiga manter sua competitividade nesse setor, é fundamental superar uma série de desafios que envolvem desde a modernização da infraestrutura e a simplificação dos processos, até a revisão do marco regulatório e a adoção de métodos consensuais para a resolução de conflitos.
A Comissão de Juristas para a revisão do Marco Legal Portuário representa um passo importante nesse sentido, pois busca adequar a legislação às novas demandas tecnológicas e econômicas. Paralelamente, o programa “Navegue Simples” é uma iniciativa promissora para desburocratizar e simplificar os processos no setor, promovendo maior eficiência administrativa.
O fortalecimento de métodos de resolução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem, é outra peça chave para garantir a segurança jurídica e atrair mais investimentos para o setor. Com essas medidas, o Brasil poderá consolidar seu setor portuário como um dos mais eficientes e integrados do mundo, contribuindo de forma decisiva para o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável do País.