O valor do fracasso
Baillod é um caçador de naufrágios na região dos Grandes Lagos, nos Estados Unidos. Recentemente, junto com outros companheiros, encontrou os restos da escuna Muir, que, em 1893, bravamente resistiu aos ventos por duas horas mas sucumbiu carregada de sal nas proximidades de Michigan. Muir é apenas uma das centenas de embarcações que o grupo de caçadores busca obstinadamente. “Usamos esses naufrágios para contar essas histórias”, explicou Baillod.
Mais do que barcos, eles caçam histórias de fracasso, convictos de seus ensinamentos. A História costuma narrar os sucessos, poucas vezes os fracassos. Chama-me a atenção essa dura realidade. A narrativa da humanidade invariavelmente exalta as conquistas e seus protagonistas. Reflete a hegemonia do poder, pessoal ou de uma nação. Muitas vezes satisfaz o ego de personagens que patrocinam a contação de seus feitos. Outras simplesmente camufla os defeitos.
A história do Brasil, colonizado por invasores portugueses, é apenas um exemplo. Ainda outro dia li sobre fatos não tão notáveis de D. Pedro I, exaltado aqui como também em Portugal como D.Pedro IV. Não critico nosso libertador, tampouco menosprezo com ingratidão o povo lusitano por ter-nos galgado à civilização. Fato é que a História é sempre a versão que predomina ou que se quer impor, subestimando a riqueza do fracasso, às vezes causado por erros ou defeitos.
Se o sucesso estimula a conquista, é o fracasso que me ensina a vencer e muitas vezes é chave que abre a porta da vitória. Sou ser composto de dupla realidade. A do sucesso, que pouco me guia para não iludir e enevoar meu caminho, e a do fracasso, que tal qual o luar ilumina meu destino. Os barcos não possuem farol, que ofuscaria enxergar no escuro das noites em alto-mar e atrairia quem não se quer por companhia.
Às vezes penso que o fracasso, que evito com obstinação, é boa parte da vida, e através dele aprendo a construí-la melhor. Entendo o sentido do que disse o velho caçador de naufrágios, que ao buscar os cacos no fundo dos lagos, tenta mostrar aos moradores da região que a existência não é apenas o que está no livro ou na versão do protagonista alheio. E minha história individual é, sim, um caminho repleto de buracos em que às vezes tropeço. Ou um lago onde meu barco teima em resistir ao furor dos ventos.