Onde está a felicidade
“Percebe como o sentimento de felicidade é tênue, relativo e fugaz? Se fosse uma questão exclusivamente de condições de vida, aquele menino carente desejaria comer e brincar. E eu iria viver debaixo da aurora boreal, apesar do frio finlandês. Ou me mudaria para Butão, na Ásia Meridional, que se autoproclama um país feliz, apesar da renda per capita anual de míseros 1.387 dólares”
Natal aflora os escombros. Ano Novo refaz a esperança. Sou feliz, mas não sei se estou. Ser não é estar na língua portuguesa. O balanço de perdas e ganhos, junto com os sonhos que trazemos, é que determina o sentimento. Perguntaram a um menino maltrajado, com cara de fome, qual o seu desejo de Natal. Ele respondeu: “Só queria conversar cinco minutos com meu pai que morreu”.
O sonho é particular a cada um, como também a felicidade, que depende do que desejamos para nossa existência. Finlândia é o país mais feliz do mundo, seguido da Dinamarca e Islândia, o que prova que o frio não entristece e o calor não gera felicidade. O Brasil está em 44º lugar no ranking de felicidade da ONU, entre 143 países.
Na América do Sul perdemos para Uruguai e Chile, países onde o tempo parece ter um ritmo mais lento, mesmo em capitais como Montevidéu e Santiago. O que mostra a importância de não ter pressa para ser feliz. Como senti também na Tunísia, que parece viver na velocidade do camelo, e na Costa Rica, onde não há exército e a preservação ambiental é cláusula pétrea. Os costarriquenhos proclamam seu mantra: “Pura vida”.
O ranking da ONU leva em consideração o PIB per capita, o apoio social, a expectativa de vida saudável, a liberdade, a generosidade, a percepção de corrupção e principalmente o que chamam de Escala de Cantril, uma nota que as pessoas atribuem ao seu particular sentimento.
Este item coloca o Brasil em melhor posição se consideradas só as pessoas com mais de 60 anos, enquanto entre os jovens com menos de 30 despencamos para o 60º lugar. Os velhos daqui se sentem mais felizes que os jovens. Talvez falte a estes a esperança – que paradoxalmente já não existe com tanto vigor entre quem começa a vislumbrar o fim do caminho.
Percebe como o sentimento de felicidade é tênue, relativo e fugaz? Se fosse uma questão exclusivamente de condições de vida, aquele menino carente desejaria comer e brincar. E eu iria viver debaixo da aurora boreal, apesar do frio finlandês. Ou me mudaria para Butão, na Ásia Meridional, que se autoproclama um país feliz, apesar da renda per capita anual de míseros 1.387 dólares.
Lá o rei criou o Índice de Felicidade Nacional Bruta, sistema destinado a cuidar do bem-estar dos cidadãos e do meio ambiente. São 800 mil pessoas, a maioria budista, respirando os ares do Himalaia. Ganha-se pouco mas a riqueza não é condição. O rei mora numa casa modesta e dá o exemplo. Há um ditado butanês que diz: Você faz o que o vizinho faz.
Agora aquela gente começa a ficar preocupada com a abertura do país ao mundo. Thimpu é a única capital do mundo que não possui semáforos. Mas com a chegada da tecnologia o povo sente mudanças. Um butanês disse que estão se desconectando da sua cultura milenar à medida que o Tiktok e outras redes proliferam. “Tendemos a ficar mais deprimidos e mais tristes”, disse.
No mundo do consumo a renda per capita individual é determinante. O desejo de possuir dita o sentimento de felicidade. Ouvi uma vez Frei Betto considerar que o erro do comunismo foi não permitir que as pessoas pudessem sonhar. Não alcançar sonhos dessa natureza faz muita gente se sentir infeliz. A falta de fé e de propósitos também.
Por isso, quando estou diante do Natal, penso na diversidade de significados para a felicidade. E tento me concentrar no fato de ser feliz, apesar de não estar me sentindo assim. A felicidade não está na aurora boreal à beira do Ártico, nem no Himalaia. Está onde e quando consigo sentir Pura Vida.