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Adilson Luiz Gonçalves

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Para botar o bloco na água

Onde a coisa complica de forma mais ampla, pessoal ou coletivamente, o que também vale para um país, é a oportunidade perdida. E o Brasil tem sido pródigo nesse “mister”. Um exemplo é a indústria naval. O Brasil já foi uma potência! No entanto, atualmente seria impossível superar China e Coreia do Sul.

Uma música do saudoso Sérgio Sampaio, tinha como refrão: “Eu quero é botar meu bloco na rua!”.

Numa interpretação livre da letra, o autor diz que há quem diga uma série de coisas negativas sobre ele, inclusive que ele dormia de touca e “dava bobeira”.

No caso da bobeira, há um ditado que afirma que há três coisas que não têm volta: pedra atirada, palavra dita e oportunidade perdida.

Duas delas são claras, mas a palavra… Bem, em tempo de edições e montagens, nem o que foi dito é comprovável. E se não é, as interpretações dependem de quem é aliado ou não, e da isenção de quem julga.

Onde a coisa complica de forma mais ampla, pessoal ou coletivamente, o que também vale para um país, é a oportunidade perdida. E o Brasil tem sido pródigo nesse “mister”.

Um exemplo é a indústria naval. O Brasil já foi uma potência! No entanto, atualmente seria impossível superar China e Coreia do Sul. Mas existem alguns nichos desse mercado que a indústria nacional poderia explorar um pouco mais, casos de embarcações de apoio “offshore” e militares, entre outras. As fragatas Classe Tamandaré estão sendo construídas em Santa Catarina; os submarinos Classe Riachuelo, no Rio de Janeiro, são exemplos que incluem transferência de tecnologia.

Certa vez, perguntei a um membro de alto escalão do governo estadual, porque não havia estaleiros de médio ou grande porte em São Paulo. 

A resposta lacônica me surpreendeu: “Não queremos indústrias poluentes em São Paulo!”.

Num outro evento, perguntei a um representante do Comitê Navipeças, do Sinaval, num evento realizado no Rio de Janeiro, se não seria interessante criar plantas industriais nas cercanias do Porto de Santos.

A resposta surpreendeu mais ainda: “Eu quero distância daquele inferno!”.

Essas manifestações ocorreram entre 2010 e 2012 e, em minha opinião, foram totalmente equivocadas, pois a indústria naval dispõe de tecnologias bem menos impactantes ao meio ambiente, e o problema do Porto de Santos está nos acessos, que impactam os custos logísticos associados. Esses custos seriam bem menores se a produção ocorresse próxima ao porto, e não a quilômetros de distância, serra acima. Isso sem falar nos grandes males que afetam nosso desenvolvimento: legislação e burocracia, sem falar em questões ambientais e ideológicas.

Enfim, preconceitos existem para serem questionados e superados, o que depende de argumentação, de um lado, e da capacidade de raciocinar, de outro.

Apesar dessas opiniões tão refratárias, continuei a pensar no assunto, sobretudo ao ter conhecimento de que ao Porto de Santos, para ser um complexo “classe mundial”, faltava um estaleiro de manutenção. Quem tem ganho com essa deficiência são os estaleiros do Rio de Janeiro e os operadores de rebocadores que os levam até lá.

Um projeto privado na Ilha dos Bagres, de 2011, previa um estaleiro e uma base de apoio “offshore”, entre outras atividades, mas que não evolui, por motivos outros.

Em 2014, retomei o tema, também pensando em industrialização como nova atividade econômica, associada ao complexo portuário. Nessa pesquisa, soube que um tradicional estaleiro existente do Centro Industrial Naval de Guarujá – CING, fabricava embarcações de apoio “offshore” utilizando “blanks” de aço produzidos pela Usiminas Mecânica.

Em consulta a essa unidade industrial da Usiminas, fui informado que havia estudos para construção de uma fábrica de blocos navais (conjuntos posteriormente combinados para criar os megablocos navais, grandes estruturas que compõem partes significativas de embarcações).

Imaginei a produção e manutenção de plataformas de exploração de petróleo e gás, que também são constituídas por blocos. Só fiquei preocupado com a proposta de construção de uma ponte sobre o Canal do Estuário, bastante discutida, na época.

Explico: as plataformas “offshore” são as estruturas navais mais altas atualmente existentes, algumas atingindo alturas superiores a 190 m. Porém, nada impediria que uma parte da estrutura fosse construída na Usiminas, depois rebocada até outro local, sem interferência com a ponte -, que poderia ser o Terminal da Saipem, no CING, por exemplo -, concluída e, em seguida, transportada e fundeada em área da Bacia de Santos.

Nota: Antes de prosseguir com o texto, é importante fazer um esclarecimento: o terreno da Usiminas fica parte no Município de Cubatão, parte na área continental de Santos, nas proximidades do Tiplam, da VLi. A divisa oficial entre esses municípios é definida por uma linha imaginária, traçada a partir do eixo do Canal de Piaçaguera. A porção santista do terreno da Usiminas inclui um dos píeres de sua área portuária. Essa informação fará sentido mais adiante.

A construção de blocos navais e a possibilidade de construir, ou fazer manutenção de plataformas de petróleo e gás, não pareceu ser interessante para a Usiminas Mecânica, talvez considerando a concorrência de produção já existente em outros estados brasileiros, sobretudo Rio de Janeiro. Assim, infelizmente, essa fábrica não foi implantada. Porém, consta que em 2923 a Usiminas Mecânica pretendia fazer investimentos da ordem de R$ 150 milhões, para implantar atividade similar no Nordeste.

A partir de 2017 passei a estudar o tema industrialização próxima a portos de uma maneira mais objetiva, tendo a legislação de Zonas de Processamento de Exportação – ZPEs como referência.

Nesse mesmo ano, orientei um TCC de alunos do curso de Engenharia Civil da Unisanta, que também propunha a criação de um estaleiro de manutenção no Canal do Estuário, a ser localizado na Ilha dos Bagres.

Igualmente em 2017, o Conselho Nacional de Zonas de Processamento de Exportação – CZPE, ligado ao MDIC, considerou a cidade de Santos apta a sediar uma ZPE pelo único critério disponível na legislação para as regiões Sul e Sudeste: municípios em que a participação do valor adicionado da indústria sobre valor adicionado total seja inferior à média nacional. Atualmente, essa razão corresponde a aproximadamente 10% para Santos, e 25% para o Brasil. Essa condição tem se mantido estável desde então.

Que não se confunda ZPE, que é um regime com critérios específicos, com industrialização, no conceito geral. Um parque industrial não precisa ser uma ZPE, enquanto uma ZPE tem foco específico em exportações, embora não haja mais restrição à comercialização de seus produtos no mercado interno, nesse caso estando sujeita ao regime geral de tributação, para não gerar concorrência predatória com as indústrias já existentes.

Então, em 06 de agosto de 2024, tive acesso a um vídeo do “podcast” “RJ Mais Negócios”, da Associação Comercial do Rio de Janeiro, cujo tema era Zonas de Processamento de Exportação.

Durante o programa, um especialista explicou o que são ZPEs e fez uma analogia com a Zonas Econômicas Especiais existentes aos milhares, mundo afora, sobretudo na China, mas que por aqui seriam apenas 14 autorizadas.

O entrevistador, entre surpreso e entusiasmado, entendeu as oportunidades que as ZPEs representavam para o Rio de Janeiro, destacando a construção de plataformas “offshore” e de embarcações para exportação.

Assistindo atentamente o desenrolar da entrevista, lembrei do potencial que a Usiminas teria para ingressar no mercado de embarcações e plataformas “offshore”.

Lembrei da música de Sérgio Sampaio (bobeira) e uma das três coisas que não tem volta (oportunidade). Mas não creio que isso seja irremediável.

Como mencionado, Santos está apta a sediar uma ZPE, por um dos critérios da legislação pertinente. Segundo o mesmo critério, Guarujá também estaria, o que não é o caso de Cubatão, que tem aproximadamente o dobro do percentual médio do Brasil. Faz sentido, pois as atividades industriais são protagonistas na economia daquele município desde a década de 1950.

Mas nem só de ZPEs vive a industrialização, nada impede que os benefícios sejam compartilhados.

A legislação de ZPE atual permite que terrenos distem entre si até 30 km. Desta forma, a porção santista da Usiminas poderia ser parte da ZPE de Santos, também compondo com áreas de Guarujá.

A produção de blocos navais para embarcações e plataformas “offshore” destinada a exportações poderia ser feita nas áreas de ZPE, enquanto que a sua manutenção ocorreria em Cubatão, gerando receitas, empregos e movimentação o setor de serviços em todos os municípios.

Como já mencionado, dificilmente o Brasil terá condições de competir com a produção naval da China e da Coreia do Sul. Nesse âmbito, o descaso com a indústria naval nacional nos fez perder o “navio” da história.

Mas há que se pensar como incrementar a indústria naval e seus fornecedores nesse contexto internacional, incluindo a produção de peças, equipamentos e motores, inclusive com tecnologias “multifuel”, com o etanol buscando encontrar seu espaço.

Os governos devem fomentar ativamente esse processo, também buscando juntos aos demais poderes institucionais fórmulas para racionalização de processos, acelerando licenciamentos e evitando judicializações.

É preciso ter uma visão holística de sustentabilidade, e estratégica, de desenvolvimento, para além de interesses corporativos, político-partidários e ingerências externas.

Os recursos para os investimentos necessárias poderiam vir no escopo da BR do Mar, e/ou do BNDES e de investidores privados, nacionais e internacionais.

Quem sabe até caiba um estaleiro nesse cenário, e a gente consiga colocar nossos blocos na água.

 

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