Para o bem e para o mal, eu e meus chefes
“Hail to the Chief” (em português, Salve o Chefe)
Título da Música conhecida como o hino pessoal do presidente dos Estados Unidos.
Estou entrando em terreno minado. Mas, animado, em fazer um “Road Show” sobre liderança, lançando um olhar pela minha carreira e a fileira de gestores que dirigiram meu trabalho ao longo dos anos, seus acertos, erros e o que aprendi com eles.
Seria fácil atribuir a cada um o rótulo de bom ou de mau. Não seria verdade. Alguns foram chefes mesmo, no sentido (ruim) da palavra. Outros foram líderes inspiradores de quem guardo exemplos os quais, não tenho vergonha de admitir, repito sempre que a situação permite. Chefes ou líderes eram no fundo, pessoas como você e eu, que acertam e erram todos os dias, por irônico que pareça, desejando acertar.
O que os diferenciou, e os diferencia até hoje (afinal, sócios e clientes são um tipo sofisticado de chefes) é a capacidade que cada um deles tem de identificar o quanto seu próprio comportamento, ações e julgamentos impactam os comportamentos, ações e julgamentos dos liderados. Lei da Ação e Reação.
Liderança é uma competência nata? Sim. Mas se aprende também. Sou testemunha disso, nas inúmeras turmas de formação que já conduzi. A diferença entre quem “nasceu pra isso” e os demais é o tempo que levam para aprender.
Ao ousar essa visita à galeria de ex-chefes, deixo minha própria porta aberta às dezenas de profissionais os quais liderei e lidero, desde 1996, para que também eles entrem e façam suas críticas. É justo.
Um alerta: liderança deve exercida conforme o Grau de Maturidade das Equipes e das Pessoas. Para Graus de Maturidade baixos, Comando e Controle. Para Graus altos, Delegação. Aos primeiros, determinamos o que e como fazer, quando entregar e verificamos, com frequência, se está sendo feito como definimos. Na segunda, discutimos o que deve ser entregue e quando. Perceba que discutir é diferente de determinar. E deixamos o profissional trabalhar. Quem delega, entrega poder, não só responsabilidade.
O desafio está em modular nossa ação como líderes a cada diferente grau de maturidade que encontramos pela frente. A relação líder-liderado é uma via de mão dupla, com responsabilidade maior do Líder, claro.
A percepção que tive dos diversos chefes com quem trabalhei, também foi afetada pela maturidade que eu tinha à época em que me relacionei com eles. Vamos lá!
Meu primeiro gestor foi um engenheiro nissei, Jorge Shimamoto. Jorge desconhecia graus de maturidade e delegava, embora eu fosse estagiário. Foi ótimo para o meu aprendizado. Foi sua paciência oriental que me permitiu aprender por tentativa e erro.
Para ele, hoje entendo, era arriscado delegar de forma intensa como fazia, pois também tinha um chefe, nosso gerente, o espanhol Felix Badajòz. Homem de poucas palavras. Implacável. Nunca o vi sem gravata, colete e paletó. Comigo era especialmente exigente, pois meu primeiro cargo, engenheiro de Lay-Out, era o que ele ocupava no início da carreira. Meu trabalho era radiografado todo o tempo e, dada a sua minúscula paciência, aprendi o valor de fazer certo da primeira vez.
Uma história deliciosa sobre o senõr Felix. Um dia, antes de começarmos nossa reunião semanal, cheguei mais cedo. Estando sozinhos, entrego a ele meu convite de casamento. Disse que isso só era possível graças a minha efetivação, para uma vaga que não existia e que ele criou “para não me perder”, segundo diziam. Agradeci. Ele mirou o convite por alguns segundos, tirou um lenço impecavelmente branco do bolso, enxugou uma lágrima no canto do olho e começamos nossa reunião. Ele tinha sentimentos. Só preferia não mostrá-los. Uma pena. Teria tirado muito mais daquela equipe se fosse mais próximo de nós.
Logo que pude, transferi-me para o Planejamento. Comprei máquinas importadas e implantei novas fábricas para a empresa que era, à época, a maior de autopeças do País. O diretor, meu chefe direto, Atsushi Gomi, outro japonês, orgulhoso da origem, embora tivesse “deslizes” de brasilidade. Gomi me ensinou o valor de pensar antes de agir e de pensar antes de falar. “Essa empresa depende de quanto acertamos”, dizia.
Meu passo seguinte foi na poderosa Engenharia da Qualidade. Lá cuidei de Pós Venda e da implantação do Sistema da Qualidade. ISO 9.000 era uma novidade. Foi lá que ocupei minha primeira gerência. O diretor, Agustin Delicado Munhoz, um homem que fazia jus ao nome. Tolerante, inspirava a equipe a ser melhor e fazer melhor. Aprendi o valor de resolver problemas sem conflitos, de alcançar resultados sem gerar um rastro de destruição no caminho da solução. Aprendi também que comunicação é (quase) tudo. Sua clareza e direcionamento eram impecáveis. Sua oratória, idem. Em português quase perfeito, embora fosse espanhol. Sua capacidade de comunicação tinha uma mácula: quando começava a conversa dizendo “serei breve”, podíamos esperar por uma conversa de horas. Eram ótimas, mas a agenda do dia, perdida.
Nessas reviravoltas organizacionais, que hoje conheço bem, saí da Engenharia para o RH, e lá me achei. Primeiro T&D, depois todos os subsistemas e uma desejada experiência internacional como gerente de Educação e Desenvolvimento para a América do Sul. Lá encontro Luiz Espada, primeiro executivo, C-Level, vindo de fora da companhia, em 40 anos de mercado. Veio para reorganizar processos de trabalho, cortar custos e gerar eficiência. Uma pós-graduação em gestão. Era um homem de resultados, doa a quem doer. E doeu a muitos.
Havia um lado nele que me incomodava. Explicarei usando uma frase que ele adorava: “Não me importa se o pato é macho. Eu quero os ovos.” Resultados a qualquer custo tem seu preço, em especial sobre os relacionamentos. Ele gostava de gerenciar pelo conflito. Essa tática tem prazo de validade curto e o poder de destruir as melhores equipes.
Poderia ir longe nessa lista. Ainda tive o prazer e a honra de trabalhar com pessoas excelentes e outras nem tanto, até que deixei a vida executiva e passei a cuidar da minha consultoria, mas resumindo, sem criar o constrangimento de usar nomes, havia um que entendia ser possível administrar a empresa só respondendo e-mails, empatia zero. Outro, folclórico quanto a chegar atrasado a todos os compromissos e um contumaz em dizer uma coisa agradável a fazer outra, desagradável. Liderança tem seu fardo, que precisamos aprender a carregar.
Todos me ensinaram algo de alguma forma, afinal, como dizia meu avô, “ninguém é tão ruim que não sirva, pelo menos, de mau exemplo.” Mas não foi só isso que vi. Tive mais bons exemplos e práticas, do que ruins. É o que nos torna quem somos.