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Luiz Dias Guimarães

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Porta dos sonhos do mundo

O porto é a porta do mundo. Leva sonhos, leva comida, leva o progresso. E traz. Sem o porto não tenho porta para entrar na esperança ou sair do meu restrito universo.

Muitas vezes não nos damos conta do porto, nem tampouco do mar, e passamos todo o tempo à sua revelia. Há quem pesque, quem surfe, quem navegue, jogue frescobol ou bronzeie o ego. Mas outros não fazem nada disso e, quando muito, saboreiam os produtos do mar.

Talvez não se deem conta de que somos seres d’água. O mundo foi habitado a partir do mar e dos rios. Basta ver as grandes cidades do mundo, a beirar o Sena, o Douro, o Moldava, o Tâmisa, o Potomac e tantos outros, quando não estão ao longo da costa, como nós. A imensa população da China está concentrada a Leste. A do nosso Nordeste, já está claro, não vive no sertão.

Foi em barcos que a humanidade se expandiu além-mar. Depois adentrou às terras levando progresso nos trens. Até que dominamos o espaço com tantos aviões. E agora partimos para o céu infinito.

Quando estou longe do mar me sinto perdido. É o fiel cenário a definir minha tênue existência. Quem vive longe sonha sempre em desbravar uma onda. Essa seja talvez uma das maiores poesias do imaginário humano.

Mas às vezes sinto que nós, que vivemos em cidade portuária, não nos damos conta do quanto o mar e seu porto são importantes em nossas vidas. Não falo, é claro, de quem trabalha no porto ou a ele relacionado. Falo das pessoas que passam seu tempo todo sem sequer pensar na importância do porto em sua própria vida, pois de uma maneira ou outra dele se beneficiam.

A distância dá mais valor do que a proximidade. Nós, caiçaras, às vezes de araque, até excomungamos esse vai-e-vem de navios. Há alguns anos a coluna de leitores do jornal local estampou alguns cidadãos reclamando do apito dos navios! Faltou reclamarem do sol e do oxigênio.

BE News publicou recentemente que a Autoridade Portuária de Recife iniciou um programa da visitas ao porto. Bela iniciativa! De fato a tão proclamada relação porto-cidade está longe de sair do papel, em todos os sentidos. 

Os novos tempos contribuem para o distanciamento, que não é de hoje. Até alguns anos atrás havia barreiras e avisos: ‘Área de Segurança Nacional”. Eu pensava: ‘E minha segurança emocional, e os meus sonhos?’

O trabalho frenético de uma redação às vezes permite digressões. Leopoldo lembrava que, quando repórter, adentrava ao cais, subia nos navios e colhia belas histórias. Bastava uma carteirinha e um cumprimento amigo ao guarda portuário. Agora não mais.

Entrar no cais não é tão difícil, basta seguir o protocolo. Mas embarcar, nem pensar. O ISPS Code veio para bloquear nossos sonhos.

São reais os motivos para tantas restrições. Mas triste um cidadão comum não conseguir subir a bordo com a satisfação de uma criança do Interior que se depara pela primeira vez com o mar.

Trago em minha mente a lembrança do dia em que, perambulando pelo entorno do cais do Sodré, em Lisboa, me vi cara a cara com um imenso casco de navio. Eu e ele, simples assim.

Os tempos são cada vez mais exigentes porquanto mais complexos. Não há semana em que os órgãos de segurança não façam apreensão de cargas ilícitas, para dizer assim. Seja uma trouxinha de maconha no cruzeiro, seja meia tonelada de cocaína no contêiner de café.

E isso tudo acaba contribuindo para o porto ficar apartado da cidade .Mas iniciativas como a de Recife, mesmo com restrições, são um começo. As crianças em especial precisam se apropriar do porto. Afinal, ele faz parte de suas vidas.

Quando ouço o apito de um navio, desperto meus sonhos e imagino que vidas estão a bordo levando a esperança de um país melhor e a comida para ajudar a alimentar o mundo. Além de trazer muito mais que iphones, mas a riqueza que me ajuda a ser feliz à beira deste canto de mar.

Sim, sou um ser do mar, assim me reconheço, é lá que a natureza limpa o ar que respiro e é lá que navegam os meus sonhos.

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