Quando a seca chegar
A mídia convencional e as redes sociais priorizam manchetes que atendem aos interesses do mercado financeiro em vez da sociedade em geral. Quando abordam segmentos sociais, focam apenas no sensacionalismo e não nas propostas complexas e nos desafios das soluções
O foco no negativo permeia as conversas nacionais, salvo raras exceções. Recentemente, o empresário Denis Minev, em um debate que dividimos sobre o potencial da bioeconomia na Amazônia, afirmou que vivemos em um país “sem ambição”. Concordando, adiciono: estamos em um país sem projetos nacionais e sem objetivos coletivos, com focos vagos para onde vamos, onde prevalecem os desejos individuais, dissociados do coletivo.
A mídia convencional e as redes sociais priorizam manchetes que atendem aos interesses do mercado financeiro em vez da sociedade em geral. Quando abordam segmentos sociais, focam apenas no sensacionalismo e não nas propostas complexas e nos desafios das soluções.
O diálogo mais horizontalizado do século XXI tem sido próspero na construção dos conflitos, mas difícil de construir saídas e soluções para as coletividades. Neste contexto, quando outubro chegar, virá junto uma seca mais severa na Amazônia? Será que isso afetará a navegabilidade dos rios? Certamente, mas em qual medida? Neste meio tempo, vivemos uma incerteza repleta de adivinhos e de foco no ganho particular.
Traçado o cenário, fica a pergunta: qual será o projeto coletivo associado com esta incerteza? Qual a ambição que temos? Qual o projeto que temos como sociedade? Recuperar uma rodovia? Fazer dragagem no rio? Será que a dragagem resolve? No ano passado ficou evidente que a dragagem foi inútil. Por que insistimos no mesmo método ineficaz para o mesmo problema potencial? São tantos projetos frustrados na Amazônia e no País que nos acostumamos a ver problemas e justificativas para não fazer, pois temos pouca história celebradas de construções coletivas.
Quando realizamos o crescimento do PIB, as manchetes recentes apontavam os problemas do crescimento, como destacou Flávia Boggio, em sua coluna da Folha de São Paulo, em 7 de março. Quando há encolhimento, as manchetes seguintes vendem o caos. Ou seja, nada nos agrada e nada objetivamos. Afinal, crescer ou encolher, tanto faz: encontraremos algo negativo para nos apegar. Assim, fica difícil encontrar a alegria e otimismo que são associados com a prosperidade e os projetos coletivos.
Tentando adotar postura alternativa, haverá um evento no início de abril onde perguntaremos aos principais armadores e às principais instituições que lidarão com o problema da seca em 2024: qual o plano de ação se a seca de 2024 for igual ou pior que em 2023? Afinal, não podemos desconhecer a sazonalidade deste evento nos rios da Amazônia, nem o risco de ele ser igual ou pior. É claro que cada um afirmará seus planos para a positividade almejada, mas a questão é: como enfrentaremos o assunto na nossa coletividade?
Se o Governo apostar na dragagem, sem ter certeza se ela pode funcionar, ficaremos muito desapontados. Se os armadores exigirem a dragagem – a mesma que nada resolveu – ficaremos decepcionados. Se as condições climáticas e as medidas deste ano repetirem o passado recente, teremos o mesmo resultado: ao menos R$ 1,4 bilhão de prejuízo para a sociedade e alguns poucos se beneficiando. Esperamos encontrar uma solução coletiva mais adequada nos dias 2 a 4 de abril.