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Adilson Luiz Gonçalves

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Santos Export 2023 – Outorga ou investimento?

No Brasil, desde 1998, é proibido soltar balões que possam causar incêndio. Mas  não há nada contra soltar balões meteorológicos, que têm por objetivo verificar as condições do tempo. 

Nesse sentido, o “balão de ensaio” solto pelo secretário nacional de Portos, Fabrizio Pierdomenico, no Santos Export 2023, sobre a possibilidade de cobrar outorga na renovação de contratos de arrendamento teve essa dualidade: tanto serviu para verificar o “clima” da proposta, perante empresários do setor portuário, como revelou certo potencial “incendiário”.

É comum os contratos de arrendamento incluírem uma cláusula de prorrogação. No entanto, o fato dela existir não implica obrigatoriedade de sua consumação, nem por parte do contratante, nem do contratado. Porém, o entendimento da maioria dos contratados é de que a renovação seria uma consequência “natural”. Daí, quando tal não ocorre, a judicialização e outras formas de pressão externa são utilizadas, na tentativa de obter a prorrogação.

Até recentemente, a alternativa adotada pelo Poder Concedente era vincular a prorrogação contratual a investimentos em melhoria e expansão da capacidade operacional dos terminais. No caso do Porto de Santos, a “clusterização” prevista no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) de 2020 alterou a “geografia” do complexo portuário.

Via de regra, contratos de arrendamento preveem investimentos, que são realizados ao longo de sua vigência, mas raramente nos últimos anos. Essa é uma opção que vale para negociar a renovação – quando contratualmente prevista -, ou para evitar Capex que não terá retorno do investimento.

O caso de terminais do “Corredor de Exportação”, na Ponta da Praia, é um exemplo notável. Esse tipo de operação, naquele local, próximo a áreas densamente habitadas, havia se tornado o principal conflito na relação porto-cidade. Emissões de material particulado, odores desagradáveis, proliferação de vetores de doenças (ratos e pombos), resíduos de granéis espalhados por vias públicas, congestionamentos e “buzinassos”, por conta de conflitos rodoferroviários no acesso ao porto, atormentavam a vida dos munícipes lindeiros.

Multas eram aplicadas com frequência, mas o problema persistia, em razão de múltiplos fatores: matriz de transportes, tipologia inadequado dos caminhões e vagões utilizados para o transporte de granéis, obsolescência dos equipamentos, manutenção das vias portuárias, agendamento deficiente e proximidade do término de prazo contratual.

O PDZ de 2006 previa a transferência da operação de granéis da Ponta da Praia para a Alemoa. Mas essa proposta foi descartada pelo “PDZ de 2012”, o que foi sem nunca ter sido, pois não foi avaliado pelo Conselho de Autoridade Portuária (CAP), cuja função deliberativa havia sido oportunamente suprimida pela MP 595, publicada no mesmo ano, depois transformada na Lei Federal nº 12.815, no ano seguinte.

A Prefeitura de Santos, em razão da inércia do Governo Federal em resolver o problema, alterou sua legislação de uso e ocupação, tornando desconforme a operação de granéis sólidos entre as regiões portuárias de Outeirinhos e Ponta da Praia. Foi uma solução extrema, que demonstrava o então distanciamento existente, no âmbito da relação porto-cidade.

A reação do Governo Federal foi imediata, acionando o Supremo Tribunal Federal (STF), alegando prerrogativa de definir a ocupação de áreas dentro da poligonal do porto organizado e riscos à economia nacional, em resumo. Essa argumentação foi acatada por aquele tribunal, que sustou os efeitos da legislação municipal.

Nesse interregno, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) aprovou a prorrogação do contrato de um dos terminais problemáticos, mas, com uma importante novidade: foi incluído um compromisso de atualização tecnológica, com vistas a colocar as operações no “estado da arte” do controle ambiental. Assim, surgiu o “Projeto Novos Ares”, que melhorou significativamente as condições ambientais na região, reduzindo os impactos negativos de até então.

Foi uma solução cuja intenção poderia ter sido comunicada previamente, evitando o imbróglio jurídico. Esse era mais um dos problemas da relação porto-cidade de então – comunicação deficiente -, agravado pela perda de poder deliberativo do CAP, que tinha, como ainda tem, representação municipal.

O fator positivo desse período foi que, a partir de então, o compromisso de atualização tecnológica nas operações e processos passou a constar em todos os contratos de arrendamento. Essa condição tende a ser mantida e aprimorada por outros compromissos, como o atendimento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e implantação do conceito de ESG. Mas o que isso tem a ver com o “balão de ensaio” do pagamento de outorga, no caso de renovações antecipadas?

Bem, aí entra a manifestação do secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Jorge Lima. Ele afirmou, à audiência, que o Governo do Estado assumiria a vanguarda na reforma tarifária, reduzindo impostos para incentivar investimentos e, assim, aumentar a arrecadação. O Governo Federal quer recursos para investir em programas sociais, o que é compreensível. Porém, somente uma economia forte e pujante garante esses recursos e, principalmente, reduz sua demanda, pela geração de empregos diretos e indiretos.

Assim, para atender “gregos e troianos”, o ideal seria, no caso de renovações antecipadas, em vez de cobrar valor de outorga – que não necessariamente seria destinado ao setor portuário -, exigir investimentos na melhoria e na expansão da capacidade operacional dos terminais. Desta forma, em vez de receber um valor, por mais alto que seja, sem consequências diretas na competitividade das operações portuárias, o Governo Federal receberia regularmente os valores relativos às pranchas e as receitas oriundas das operações de importação, exportação e cabotagem, num cenário de melhor produtividade e competitividade.

Essa foi a manifestação dos empresários que participaram do painel em que a ideia foi apresentada. Se foi apenas uma sondagem do Governo Federal, a resposta parece ter sido clara, para o bom entendedor.

Lembrete: os portos públicos não precisam de mais problemas para competir com os Terminais de Uso Privado (TUP). Além disso, como já mencionado, embora a renovação contratual não seja obrigatória, a oportunidade de renovar deve considerar o desempenho histórico do contratado, a tipologia da carga operada em função da demanda nacional e internacional, em médio e longo prazo, entre outras variáveis.

No caso da tipologia de carga, também é importante avaliar se a “clusterização”, em certos setores, não está “engessando” a possibilidade de atração de novas cargas, de maior valor agregado, considerando a intencionalidade dos governos Federal e Estadual na reindustrialização do país. O que falta, ao que parece, é avaliação de horizontes econômicos.

Também é importante reavaliar a burocracia que envolve as licitações de áreas portuárias. Recente artigo, de autoria de Luís Cláudio Montenegro, aponta que cerca de 56% das áreas dos portos públicos nacionais estão desocupadas!

Burocracia que envolve licenciamentos ambientais e judicializações, que, até certo ponto surpreendentemente, opôs o atual Presidente à sua Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, no que se refere à exploração de petróleo a mais de 500 km da foz do Rio Amazonas, vetada pelo Ibama. O curioso é que a Petrobras, caso não consiga reverter essa decisão, pretende efetuar essa operação no Suriname ou na Guiana Francesa. Curioso sobretudo no caso da Guiana Francesa, território ultramarino de um dos países que mais cobra compromissos ambientais do Brasil.

Misturei alhos com bugalhos, rimando boi com abóbora e açúcar com sal?

Isso só mostra a complexidade e a interação dos problemas que o Brasil precisa resolver, interna e externamente, para deixar de ser o país de um futuro constantemente adiado.

Talvez, mas, por falar em bovinos – que integram um dos setores do agronegócio, “carro-chefe” das exportações nacionais -, valem algumas analogias relativas:

Não adianta o Brasil ser como uma vaca holandesa, produzindo litros e mais litros de leite para, depois, dar um coice no balde, entendido como a burocracia estatal e a falta de investimentos em logística. Tampouco faz sentido querer leite e carne em abundância, sem ter pasto e ração para alimentar e expandir o rebanho, entendido como incentivos à produção e empregabilidade associada. Por fim, diz o ditado que é o olho do dono que engorda. Assim, o governo deve agir para que a economia prospere, o que não vai ocorrer se priorizar comer a “carne” até “roer o osso”.

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