quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
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São Paulo no escuro

Por Frederico Bussinger

 

Falta de energia elétrica torna-se rotina em São Paulo. Cada vez mais frequente, prolongada e abrangente. Esse aparente novo-normal vai até nos tornando insensíveis ao noticiário. Mas quando, por exemplo, apagões atingem a famosa esquina das avenidas Ipiranga x São João e a internacional Rua 25 de Março, os icônicos edifícios Copan e Itália e a Santa Casa fica mais de 24 horas precariamente funcionando com geradores; alarme!

Rádios e TVs divulgam dramas humanos perturbadores, clamores desesperados dos comerciantes e um “salve-se-quem-puder” na busca de alternativas. Prejuízos econômico-financeiros? Nem podem ainda ser contabilizados. A propósito: qual a estimativa de impacto desses apagões no PIB da metrópole nesse 2024? Se tomarmos as decisões corretas, quantos anos serão necessários para que São Paulo tenha um serviço “razoável”?

Tocado, resolvi dedicar um tempo para sistematizar o noticiário, ler notícias mais analíticas e comunicados e ouvir entrevistas de “especialistas”. E, principalmente, consultar colegas de trabalho remanescentes da antiga Light (onde comecei como estagiário no início dos anos 1970), da turma da eletricidade da Poli-USP/73 e da “comunidade de manutenção”, muitos dos quais também pioneiros da hoje pujante Abraman (Associação Brasileira de Manutenção e Gestão de Ativos).

Nas explicações, uma unanimidade: 1) Falta investimentos (contrastando com o lucro global de € 3,44 bilhões da italiana Enel – R$ 1,3 bilhão só em São Paulo). Também como causas primárias: 2) Os mais afeitos ao setor e à concessionária dizem que falta-lhe capacidade para atuação em situações de emergência (equipamentos, materiais e trabalhadores, insuficientes após sucessivos enxugamentos): a incidência de falhas e os elevados tempos para restabelecimento dos serviços não deixam margem a dúvidas. 3) E falta fiscalização: muito provavelmente!

Já como explicação para essas causas primárias, alguns cravam advir da própria opção pelo modelo desestatizado. Vale discutir, apesar de que apagões também existiram e existem sob empresas e gestões estatais. Outros, que “imensos subsídios (sociais e energias alternativas) embutidos nas tarifas e a centralização e padronização da regulação pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica)” tanto reduzem a flexibilidade e a autonomia da fiscalização local, como drenam recursos que poderiam ser usados na manutenção e expansão das redes. Aliás, também os drenariam os conhecidos “gatos” (ligações clandestinas) que, em algumas regiões do País, chegariam a 40%!

Como agravantes (ou álibis?), também são citados: o crescimento acelerado da demanda/consumo, resultante da proliferação de aparelhos de ar-condicionado e dos eletrônicos da vida moderna; a nojeira do emaranhado de fios de telefonia e fibra ótica nos postes, que dificultaria intervenções das turmas de manutenção, principalmente nas redes de baixa tensão; as árvores que, nesse caso, passam a vilãs; e as mudanças climáticas, explicação sempre no bolso do colete para problemas diversos.

Da parte da concessionária e das autoridades, chama atenção as pouco elucidativas explicações e a imprevisibilidade de soluções: há algumas de “cabo de esquadra”, como se dizia antigamente. Por muito menos, quando o álibi da falta de geração tornou-se insustentável com a chegada das grandes hidrelétricas, a partir de Furnas (1958) e Eletrobras (1962), técnicos e dirigentes da Light foram demitidos. E olha que a Light também visava lucro: e como!

Essas manifestações, porém, têm seu lado positivo: são reveladoras e subsídios importantes para estratégias de solução desse imbróglio.

Mostram, desde logo, que o tema é multifacetado e complexo: cada uma daquelas variáveis têm contribuições em maior ou menor grau. Mas revelam, também, uma lacuna nesse caleidoscópio analítico; sobre o que se fala pouco: falta de engenharia, particularmente de engenharia de manutenção. Faltaria engenharia na concessionária (deve faltar engenheiros também), na fiscalização e regulação, nos órgãos públicos e nos governos.

O silêncio das entidades e dos conselhos de engenharia é, pois, inexplicável!

Técnicas e uma cultura de manutenção sempre foram desafios no Brasil. Mas ao final do Século XX já se utilizava, nas análises de confiabilidade para identificação de tendências, médias móveis (popularizadas durante a recente pandemia de Covid). No lugar da “predativa”, ironia da época, a manutenção preventiva já era amplamente utilizada; da mesma forma como análises de “custo do ciclo de vida” (ao invés do mero custo de aquisição). Garantia de qualidade ampliava a abordagem de controle de qualidade, etc. Será que, depois de tantos avanços, estamos regredindo?

As dimensões econômico-financeira, jurídica, ambiental, de controle, etc., que progressivamente ganharam protagonismo nos processos decisórios dos últimos tempos, são, sim, muito importantes. Mas engenharia precisa voltar ao primeiro plano: os apagões paulistanos, mais frequentes, prolongados e abrangentes, o indicam… e levantam dúvidas se também já não atingem ideias, estratégias, regulação e governança.

 

Frederico Bussinger
Consultor, engenheiro e economista. Ex-diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codes), ex-presidente da Docas de São Sebastião e ex-secretário-executivo do Ministério dos Transportes.

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