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Luiz Dias Guimarães

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“Segredo da espera”

“Insisto, o desafio é nada esperar, para o bem ou para o mal. Na andança das decisões, seguros de que caminhamos certo com olho pregado à frente, é de flancos inesperados que surge a pedra lançada no ar. Às vezes implica só num tropeço, outras é arremesso mortal. O maior mistério da vida é o inusitado, o inesperado, a derrocada da paz”.

Da vida tudo se espera. O difícil é não esperar. No ventre já esperamos, daí o que aguardar? Passamos o tempo em agonia. A ansiedade da vida um dia há de parar, sem sabermos o que depois nos virá. É a sina da vida, esperar, entretidos que estamos diante da caixa de surpresas, confiantes de que tiraremos a sorte grande, até que salta um palhaço de mola.

O futuro é sempre incerto e não nos pertence além de nossos esforços e decisões. Ainda assim nunca saberemos o que vem por aí a não ser um vestígio fatal. Repartimos o tempo para digerir a única verdade: o presente à nossa frente, para esperar.

Podemos esperar um sucesso, a sorte, a boa surpresa. Mas pode vir um perigo também. E “o perigo nunca vem de onde esperamos”. Esta frase ouvi há muitos anos de um amigo e contém uma verdade lamentavelmente cruel. Não que não se espere um raio no temporal, ou um tiro certeiro da fuzilaria à frente do condenado. Mas é assustador o perigo que vem de onde menos se espera, como a traição.

Insisto, o desafio é nada esperar, para o bem ou para o mal. Na andança das decisões, seguros de que caminhamos certo com olho pregado à frente, é de flancos inesperados que surge a pedra lançada no ar. Às vezes implica só num tropeço, outras é arremesso mortal. O maior mistério da vida é o inusitado, o inesperado, a derrocada da paz.

Se não há como não esperar, resta na vida o sonho acompanhado do esforço com fé. O século passado me brindou com um dos poemas mais inebriantes, “Espera-me”, do poeta russo Konstantin Simonov, cuja vivência como correspondente de guerra na Mongólia o inspirou a conclamar a espera.

Simonov gritou: “Espera-me, até quando não sei, um dia voltarei”. Travestido de soldado, era na verdade a liberdade quem clamava a importância da espera, ainda que na noite fria, até que seus familiares, seu cachorro e seu jardim, já não esperem mais. E concluia que, se esperado, vencerá a morte, porque foi esperado além da esperança por quem, como nunca, ninguém o esperou.

“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer!”, bradou um dia Geraldo Vandré, durante uma noite fria e, tal qual Simonov, mirava a liberdade, às vezes fagulha de luz no horizonte sombrio.

A rigor, há poucas coisas a se esperar, independente da ansiedade que frequentemente vem a reboque da espera. Falo de momentos felizes, ainda que pontos perdidos no longo caminho. E falo de objetivos alcançados. Falo de uma corrida de competência e esforço, em que o único adversário é o tempo. Intriga-me por que tanto se disputa para ao final ser declarado o melhor. Campeão é quem corre e se supera, sem atropelar na pista da mágoa, da inveja e do rancor. Afinal, não se disputa com ninguém, apenas consigo mesmo contra o tempo, este sim inimigo real.

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