Seja fiel, mais do que tudo, a você mesmo

“Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos”

Friedrich Nietzsche

– “Você quer ser feliz?”

– “Então, não case!”, dizia rindo, meu amigo monsenhor Francisco Leite, o padre Chico. E continuava:

– “Se quer fazer o outro feliz, então você se casa!” E continuávamos rindo.

Chico, amigo íntimo, foi meu dirigente espiritual por mais de 30 anos. Meu e de muitos na Paróquia São Judas Tadeu, em Santos (SP), onde atuou por quase cinquenta anos.

Todos os anos lembro dessa conversa, em setembro, mês de aniversário de namoro que celebro há quarenta e um anos com minha mulher Silvia. Bastante, não? Seguimos, ambos, a receita do Xico.

O que essa história tem a ver com o tema dessa coluna, o mundo do trabalho? Fidelidade!

Tema intenso, que parece nos remeter só a quantidade de tempo que passamos ligados a algo ou alguém. Engano.

Refiro-me a quanto você consegue dedicar-se de corpo e alma a uma única organização, causa ou pessoa. É mais uma questão de intensidade do que de tempo.

Tratamos desse tema num cenário em que as conexões entre profissionais e empresas são voláteis. Os tempos em que alguém era admitido para trabalhar até a aposentadoria, em uma mesma empresa, não existem mais. Até as áreas de RH, conservadoras, que viam com maus olhos os currículos de candidatos que “pulam” de uma empresa para outra, já têm outra forma de ver esse tema.

Acho bom, desde que tenhamos inteligência para trilhar esse caminho. Enriquecer a carreira com novas experiências, adquiridas em diferentes setores, e interagir com novas pessoas e culturas organizacionais diversas são positivos.

É verdade que há um período mínimo em que se deve permanecer num mesmo posto para que se cumpra o ciclo de aprendizado.

Se surgirem, continuamente, novas e desafiadoras oportunidades nesse mesmo local de trabalho, tanto melhor. Se entendermos que não há mais espaço para crescimento profissional, procurar um novo local é um dever que cada um tem consigo mesmo. Com responsabilidade, mas sem medo.

A fidelidade, como referi acima, é testada pelo “como” e não pelo “quanto”. Seja a permanência grande ou pequena, deve-se ser absolutamente fiel enquanto vestir a camisa da organização.

Esse é o desafio das gerações Y (os Millennials) e Z, que começam a ocupar cargos de comando: identificar se o seu “prazo de validade”, no lugar atual, realmente terminou ou não. Perigoso, pois a perspectiva de assumir um primeiro cargo de liderança aumenta a tentação de ficar. É bom ter certeza de estarmos no lugar certo.

É um dilema que justifica a proliferação de coaches e mentores que vemos atualmente. A ironia é que a maioria desses orientadores tem a mesma idade e mesmas dúvidas de seus assessorados. Assustador.

As empresas estão em constante mudança de seus conceitos e valores. É bom e necessário que elas assim o façam, mas, convenhamos, não ajuda a criar um ambiente de estabilidade. Dureza!

Quem trabalha e quem oferece trabalho parecem estar vibrando em frequências diferentes, olhando para sentidos opostos. Em algum ponto, no meio do caminho, temos que nos encontrar. Precisamos encontrar soluções agora.

Cada vez que uma empresa perde um profissional, junto com ele vai-se todo o investimento feito para selecionar, capacitar e manter o profissional. Perde-se o histórico do que o profissional desenvolveu, além da sensação de instabilidade que é passada para a equipe, cada vez que alguém toma a decisão de sair.

Os profissionais, por sua vez, se errarem na avaliação sobre sair ou ficar, perdem a chance de crescer de forma consistente na carreira. Trocar de ambiente pode ser bom, mas tem-se que pagar o preço de começar novamente.

As lições de casa a serem cumpridas são distintas de lado a lado.

Empresas devem viver os valores que afirmam possuir. Não estou falando de revê-los. Não trocamos de valores como trocamos de roupa. Ao praticar de forma consistente, anunciamos de forma clara que tipo de organização somos e facilitamos a leitura de quem nos acessa em busca de trabalho. Quem vier até nós, saberá com quem está se envolvendo. Ao fazer isso, criamos alinhamento com algo que faz sentido para essas gerações: propósito.

Resumindo, a sensação que tenho é que a preocupação com qualidade de vida e saúde emocional é tão grande, que eles saem de casa para o trabalho se, e somente se, acharem que vale a pena de verdade. É mais do que a tarefa em si, ou quanto pagamos entre salários e benefícios.

Os jovens profissionais, por sua vez, precisam entender que as curvas de aprendizado devem ser respeitadas. Não dá para pular de estagiário para diretor num único movimento. Experiência vem do trabalho duro, de aprender com os erros mais do que com os acertos e acumula-se com o tempo. Queimar etapas pode inviabilizar uma carreira para sempre.

Mas há um ponto em que erram juntos, empresas e profissionais: promover alguém por ver nele uma ou duas competências bem desenvolvidas, na posição atual. Esquecem de avaliar se a pessoa em questão tem as competências necessárias para a próxima fase. Funciona agora, mas será um risco no futuro. Erra quem promove, erra quem aceita.

Como vimos, há muito o que aprender e muito o que ceder. Vamos acertar juntos?

Compartilhe:
TAGS