Ser feliz em 15 minutos
A felicidade do dia a dia deve estar a 15 minutos da sua casa. Você pode satisfazer plenamente suas necessidades essenciais sem ir longe. Em 2016 o urbanista Carlos Moreno lançou em Paris a ideia da Cidade dos 15 minutos, em que se pode morar, trabalhar, estudar, fazer compras, usar serviços e se divertir numa distância de até um quarto de hora, a pé, de bicicleta, patinete ou patins.
Essa concepção se espalha pelo mundo, a exemplo de Paris, e mesmo no Brasil. Urbanistas e gestores públicos começam a rever o sentido das grandes cidades zoneadas em pólos residenciais, industriais, de lazer ou serviços. Um desafio hoje de cidades médias a megalópoles, demandando maior infraestrutura de mobilidade, perda de tempo e gerando estresse e poluição.
A ideia de fazer tudo que precisa sem ir longe vem crescendo. A cidade do Porto realizou recentemente um congresso só sobre a relação urbana com o caminhar, aderindo à Rede Ibérica de Cidades que Caminham.
Claro que nem tudo pode caber no seu bairro ou no vizinho. Não dá para colocar aleatoriamente uma indústria ou um porto ao lado de sua casa. É um conceito, apenas, dentro do que é possível.
Gastar no máximo 15 minutos para ir à farmácia, padaria, boteco, parquinho, posto médico, escola, shopping ou escritório é uma ideia que me anima.
Andar faz bem todos os dias. E também há alternativas sustentáveis e individualizadas, como a bike, a bici e patinete elétricos. Ninguém nasceu dentro de um automóvel cheirando gasolina, a não ser em alguns casos na ambulância rumo à maternidade.
New York, Tóquio e tantas outras não me atraem. Nem megalópoles como Shenzhen, que, em 40 anos, juntou 17,5 milhões de chineses. Ou Lagos, na Nigéria, com 23 milhões e enfrentando tal desenvolvimento que já se prevê será a maior cidade do mundo com 90 milhões no final do século.
Meu mundo desejável é menor, perto de casa. É mais sustentável, mais acolhedor, mais prático, mais gostoso, enfim. Encantam-me especialmente lugares pequenos e médios que tenham história. Em 2011, participei como debatedor de um seminário internacional de cultura e transformação urbana, no Sesc Belém, em São Paulo. Lá estava eu dividindo a mesa com o notável urbanista Jorge Wilheim e especialistas da Espanha e Canadá.
Na hora lembrei-me de Brasília, quando, na década de 80, eu circulava por aqueles salões e se alguém pronunciasse a palavra ‘fome’ dava-me a sensação de ouvir um eco distante para algo mais distante ainda. Atravessar a Praça dos Três Poderes era um suplício debaixo do sol, quando nem as tradicionais flores do cerrado havia. Sombras então nem pensar. Aí sugeri no debate que os urbanistas ouvissem mais as crianças, os idosos, os passarinhos, a goiabeira, os poetas e os bêbados. A melhor palavra que encontro é ‘coloquial’. Sim, sonho com cidades coloquiais para viver e ser feliz.
Dia 22 de setembro comemorou-se o Dia Europeu Sem Carros. A revolução da sustentabilidade e energia limpa está gerando a oportunidade de revermos conceitos. O transporte público eletrificado como metrô e VLT; os veículos compartilhados; o carshare, aluguel de carro por assinatura mensal para uso quando necessário, e os meios individuais devem ser considerados em muitos casos, já que não dá para diminuir as cidades. Mas podemos repensá-las e encurtar os caminhos.
Mudar o hábito de mobilidade não é tarefa fácil. Envolve educação, mudança de comportamento e acima de tudo nova concepção do que nos faz feliz. Envolve também ir nos detalhes. Por isso Portugal, que produz perto de 3 milhões de bicicletas por ano para abastecer o mercado europeu, discute a necessidade de estimular e regulamentar o uso das bikes e do que lá chamam de ‘trotinetas’, os nossos patinetes elétricas.
Verdadeira febre mundial nos últimos anos, estas já começam a causar circulando a mais de 25 km/h. Anos atrás eu admirava a convivência na mesma calçada de pedestres e ciclistas em Barcelona. Hoje já não mais. O aumento de uso gera conflitos e insegurança. Ao contrário de Amsterdã, onde 60% da locomoção é por bicicleta, outras capitais europeias e mundo afora ainda não estão educadas nem implantaram adequados planos de mobilidade.
Há 42 anos elaborei capítulo sobre Educação do primeiro plano cicloviário de Santos, afinal não bastava criar pistas exclusivas e estimular o uso de bicicleta, pois em algum momento o ciclista cairia em uma avenida e não poderia se estatelar debaixo de um caminhão. Teriam todos que ser educados para compartilhar espaços.
Em Lisboa, a Bici Cultura, uma cooperativa, tenta lançar o ‘bichinho’ da bicicleta nas famílias e segue a experiência do Projeto Ciclo Expresso, comboios de crianças rumo à escola, que foi lançado em 2015 no Parque das Nações.
Essas são questões a considerar. E entender que a qualidade de vida pode estar em pequenos universos urbanos e podemos percorrê-los sem carro. Afinal – ouçamos as crianças, os poetas e os passarinhos – usufruir da majestosa diversidade urbana do mega mundo é fantástico, mas compreender que a felicidade está ao lado e pode-se dela usufruir em míseros 15 minutos é melhor ainda.