quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
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Luiz Dias Guimarães

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Sob o sol  da Provença

O sol majestoso se despede no palco do horizonte, como se despencasse na borda do Mediterrâneo o artista em reverência. Sua luz se esvai acentuando a Lua quarto minguante que surge na noite escura de Marselha.

No céu, as últimas gaivotas sobrevoam o navio como a se despedirem de mim. Em todos os portos que nesta semana estive, elas neles voavam em sinfonia. As maiores, mais alto, os filhotes exercitando o voo quase a lamber a face do mar.

Não havia só gaivotas, havia moles também, protegendo os barcos que adentravam e partiam na calmaria do tempo. Havia também, para mim, a curiosidade pelas novas silhuetas, castelos e igrejas nos outeiros, e fortificações nos rochedos. A costa de Marselha exibe 2.600 anos em seus muitos museus.

É uma miscelânea de tempos e história. Desde que os gregos da Ásia Menor ocuparam as encostas, fundando o maior porto do Mediterrâneo e a mais antiga cidade da França. A alegria dos turistas e pescadores de hoje não reflete a inclemência a que Marselha fora predestinada. Dos cavaleiros templários perseguidos pelo Rei Felipe aos nazistas que ergueram uma fortificação no hoje Vieux Port, para confinar desafetos e judeus, muitos encaminhados depois a Auschwitz.

Tantos museus cumprem a tentativa de reavivar a memória de terras cujo tempo foi impiedoso. Nem todos, porém, se dão conta dessa história. No convés do cruzeiro, observo a alegria de um garoto gordinho saltitando na piscina rasa para felicidade dos pais. A garota e sua mãe fazendo selfie com a clássica expressão de felicidade instagramável. E eu, dando adeus a mais um porto sem saber se lá um dia voltarei. A gente nunca sabe se retornaremos a onde fomos felizes.

Sim, estou feliz. Sorvo este momento como a jovem que lambe o sorvete de massa italiano encostada no beiral. Estou feliz como mais de três mil passageiros. Mas especialmente meu grupo que, ao contrário do menino gordinho, da garota da fotografia e da lambedora de sorvete, conciliou os breves prazeres da descoberta de novas terras ao compromisso de vivenciar experiências que renderão bons frutos ao seu trabalho. Alguns políticos e muitos executivos de corporações para os quais, tanto quanto os pescadores marselheses, têm nos portos e no mar seu sentido de vida profissional.

Despeço-me neste instante do mar que me acolheu por uma semana, desde Gênova até esta velha terra da Provença, onde há pouco saboreei um espaguete com os frutos desse mar imenso que, insisto, me parece o berço do mundo. Na mesa ao lado, um casal de nacionalidade qualquer saboreava um prato de ostras frescas que cumpriam seu derradeiro destino de alimentar, sem que o casal soubesse o quanto aqueles moluscos foram felizes.

Mas certamente as ostras desse mar foram felizes, sim. Pois não havia, nas tantas conchas, qualquer pérola. E como lembra Rubem Alves, ostras felizes não fazem pérolas. Tampouco eu nestas breves anotações. Afinal, estou feliz, inebriado pela despedida do Sol neste acolhedor mar onde o idioma é o menos importante. A mescla de culturas, histórias e gaivotas une três continentes, o que levarei eternamente na memória.

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