Startup da vingança
Procuro uma startup para me vingar. Não aguento mais. Já não bastassem os algoritmos a determinarem o que vou ver, é literalmente desumano conversar com máquinas ao telefone. Invariavelmente, elas não têm resposta a minhas perguntas ou contestações.
Daí planejei uma vingança. Já que é guerra, vamos guerrear. Busco uma startup que crie para mim um ‘eu virtual’. Ao receber ou efetuar uma ligação, quando surgisse aquela voz mecânica e inflexível, meu ‘eu virtual’ seria acionado. “Falo com Luiz?”, perguntaria o robô de lá. “Se acha que sou Luiz, digite 1. Se não, digite 2. Para não me encher o saco, digite 3 ou volte ao menu principal”, responderia minha máquina. Fico imaginando um diálogo divertido entre as duas. Guerra de falas que, um dia, um infeliz humano programou só para me irritar, achando que estava prevendo todas as situações.
Se estamos abdicando de sermos nós, então os nerds que sejam mais geniais, além de querer agradar as financeiras e serviços de cobrança.
A inteligência artificial não tem tanto do que o rótulo diz. Aliás, como bem lembrou outro dia o Leopoldo, chamar a IA de inteligência é uma ofensa a nós mortais. De qualquer maneira, se a pretensão é essa, que façam um programa que acabe com as mortes nas guerras.
É uma vergonha, nos tempos da IA, dois países matarem diariamente tanta gente. Criem um programa, tipo esses jogos viciantes que adoram criar, que seria baixado nos smartphones de Putin e Zelnsky. Os dois, tal qual num duelo, passariam a jogar usando todas as estratégias militares que dispusessem, além das criadas pela IA. Ao final, não haveria uma só morte a lamentar. E então o perdedor sairia para outras bandas com o rabo entre as pernas. O Conselho de Segurança poderia arbitrar, atuando como moderador nesse jogo. Que durasse anos, a eternidade até, afinal ninguém estaria se importando com os dois.
Não pense que sou inconformado com a modernidade da IA. Toda inovação muda paradigmas, sofre oposições e requer muita resiliência. Eu tento perceber as vantagens que certamente essa geringonça nos traz. De verdade.
A IA já faz parte positivamente de muitas coisas, facilitando nossas vidas. Agora esse tal chatGPT faz muito mais. Ele pode eliminar todo o trabalho burocrático e mecânico que temos no dia a dia, o que custará o emprego de muita gente feliz em bater inúmeras vezes um carimbo ou reproduzir artigos que estão na lei.
Lamento pelos que terão de se adaptar. Não é fácil. Toda mudança exige muito de nós. Meu amigo Oscar perdeu a vida quando, na redação, disseram que teria de substituir a velha Olivetti por um tal computador, e ele precisaria aprender a dominar o monstro. Tristemente, dias depois, fui testemunha de seu féretro.
Os gênios das startups, alguns dos quais ganham bilhões com suas obras, não se preocupem comigo. Sei que jamais se preocupariam. O chatGPT pode escrever com correção, em segundos, um texto que levaríamos horas para resumir pesquisando no Google. Azar dos burocratas da informação, dos especialistas acomodados, dos técnicos de prancheta, da turma do recorta e cola a lei. E de muitos mais.
Uma coisa que desafio o chat a fazer é imaginar, sentir, empatizar, se emocionar, rir e chorar. É pensar, ler nas entrelinhas e criar algo que nenhum algoritmo previu, tampouco nenhum nerd da IA teve talento para ler nos olhos de suas máquinas superpoderosas e transformar o sentimento em poesia.
O máximo que podem fazer é usar suas receitas para conquistar-me como cliente e vender-me um programa com o qual eu possa finalmente me livrar das ligações, dos SACs telemáticos e até, eventualmente, de um cobrador humano indesejado.