STS10 – Nova Temporada
É inegável que o Porto de Santos precisa ampliar sua capacidade de operação de contêineres. As projeções dos planos mestres e do PDZs do Porto de Santos indicam isso ao menos desde 2006.
Desde então, dois terminais de contêineres foram implantados: BTP e o TUP da DP World, um foi desativado, Libra; e um teve suas operações limitadas (Ecoporto), por questões concorrenciais.
É necessário diferenciar o que é capacidade dinâmica nominal (contratual) atual, que é de aproximadamente 5 milhões de TEUs/ano, da efetiva, que atualmente é de cerca de 6 milhões de TEUs/ano. Além disso, não entraram nessa conta as expansões programadas, com ênfase no terminal da Santos Brasil.
Ampliar a capacidade de operação de contêineres do Porto de Santos envolve aumentar as áreas disponíveis, mas também a produtividade dos terminais públicos e privados, que envolve a automação, com as vantagens técnicas e preocupações sociais decorrentes, que precisam ser adequadamente equacionadas. Também é importante melhorar a infraestrutura de acessos terrestres e aquaviários ao complexo portuário, o que demanda novas ligações rodoferroviárias e dutoviárias com a hinterlândia e aquaviárias (dragagem até a cota -17m e eventual incorporação do modo hidroviário à matriz de transportes do Porto de Santos, a qual está subordinada à implantação de produção local).
Tanto novos terminais como os imprescindíveis novos acessos terrestres e aquaviários dependem de licenciamentos ambientais e frequentes judicializações que tornam qualquer desses empreendimentos uma maratona de obstáculos de difícil percurso. Com isso, empreendimentos são desestimulados ou ocorrem quando novos já são necessários, prejudicando o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. O atraso tecnológico e a submissão a interesses internacionais decorrem das instabilidades jurídicas e regulatórias atuais. No entanto, parece que muitos dos que legislam e julgam não estão suficientemente atentos a isso.
Não faltam críticas à condição atual. Alguns falam em colapso do complexo portuário, outros em desvio de cargas para outros portos. Os exportadores de café têm reclamado insistentemente das dificuldades de exportar pelo Porto de Santos. Enfim, as “dores” são diversificadas e justificadas, porém nem sempre consideram que o porto é um elo da cadeia logística. As críticas deveriam ser ampliadas para quem é responsável pela implantação de acessos terrestres, inclusive seu processo de planejamento, licenciamento e implantação.
O arcabouço legal atual não é o que o País prementemente necessita, sendo preciso revisá-lo, o que não implica desconsiderar todos os aspectos que envolvem o conceito de sustentabilidade.
Estudos apontam, ao menos desde 2009, que a demanda prevista para o Porto de Santos, em 2040, é de 9 milhões de TEUs/ano.
Desde então, a Ilha dos Bagres entrou e saiu da Poligonal do Porto Organizado de Santos. Quando dentro, houve o Projeto Barnabé-Bagres, estatal, que previa a duplicação da área do Porto de Santos. Fora dela, dois pedidos de aforamento incluíram propostas de implantação de operações de contêineres, entre outras. Isso foi tema de meu artigo “Bagres Ensaboada”. Salvo engano, não houve nada de efetivo até o momento. E lá se vão quase 15 anos de indefinição sobre uma área estratégica para o Porto de Santos.
Uma das variáveis que também entram na equação da viabilidade de um novo terminal é sua condição locacional, que implica diretamente no custo de implantação: bluefield, greenfield, ou brownfield. Em tese, áreas brownfield são mais favoráveis, por já apresentarem antropização, entendida como infraestrutura portuária. Não à toa, a região da Alemoa (Alamoa, segundo a nomenclatura adotada pela Autoridade Portuária de Santos) foi avaliada para a implantação do STS10, em 2012.
A proposta incluía retificação de cais, totalizando aproximadamente 1,2 mil metros de cais linear, com capacidade para atracação e 3 (três) navios classe New Panamax, e operação dinâmica mínima estimada em 2,3 milhões de TEUs/ano.
A maré já subiu e desceu incontáveis vezes desde então, e soluções paliativas foram adotadas para manter operações na área, mediante contratos temporários.
Paralelamente, ocorriam tratativas entre o Município e a Autoridade Portuária de Santos relativas à destinação da área dos Armazéns 1 a 8, isso desde 2008, quando o então ministro da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República – SEP/PR, Pedro Brito, veio a Santos para assinar um convênio entre a Prefeitura e a, então, Codesp, visando a revitalização e integração urbana dessa área, desativada desde 1988 e já em deplorável estado de conservação. Oficializado em 2010, várias tratativas ocorreram, sempre prevendo a transferência do terminal de cruzeiros para a área do Valongo. E desde a elaboração de seu programa arquitetônico-urbanístico conceitual, a ideia era de um empreendimento bluefield, ou seja, sobre águas.
As tratativas foram interrompidas em 2012, porém, não o convênio, cujo término está condicionado à conclusão do processo de revitalização.
Em 2018, a Concessionária Rumo apresentou uma proposta de revitalização do trecho entre os Armazéns 1 e 4, cujo foco principal era viabilizar a implantação da terceira linha ferroviária ao longo da Avenida Perimetral (avenidas Antônio Prado e Xavier da Silveira). Ele não prosperou, o que não impediu a implantação dessa nova linha pela Portofer (sucedida pela FIPS), posteriormente.
A falta de solução e a desconsideração do convênio resultaram em um TAC firmado entre o MPE e a Autoridade Portuária de Santos, em 2019, que obrigava a então Codesp a providenciar a revitalização parcial da área, sem que a Prefeitura fosse acionada.
Esse TAC foi repactuado recentemente e, independentemente do convênio pré-existente e ainda vigente, mas coerente com suas premissas, foram retomadas tratativas entre a Autoridade Portuária de Santos e a Prefeitura de Santos, visando concretizar a tão almejada revitalização da região do Valongo.
A transferência do Terminal de Cruzeiros voltou a integrar o escopo da proposta, representando duplo interesse no âmbito da relação porto-cidade: para a Prefeitura, essa transferência representaria uma importante âncora no processo de revitalização do Centro Histórico de Santos, e um importante atrativo para os turistas de cruzeiros; para a Autoridade Portuária de Santos, a liberação de aproximadamente 500 m de cais na região de Outeirinhos para a operação de granéis. Associada a muita polêmica, uma das demandas para operação do terminal STS53 é que ela só ocorra após a transferência do terminal de cruzeiros.
As tratativas entabuladas passaram a buscar a solução dentro do possível, incluindo a participação de terminais arrendados na busca de alternativas que lhe dessem sustentabilidade econômica, pois a transferência do terminal de cruzeiros sempre esteve em pauta, parte integrante dos estudos em curso, inclusive com o compromisso de titulares do Ministério de Portos e Aeroportos com sua concretização.
A área anteriormente destinada ao STS10 passou a ser considerada. Simultaneamente, pedido de prorrogação de contrato de arrendamento de terminal existente no local foi integrado aos estudos.
A solução encontrada pode ser caracterizada como “salomônica”, na medida em que previu a revitalização dos Armazéns 1 a 6, incluindo as “casas de pedra”, considerou a transferência do terminal de cruzeiros para a área atualmente ocupada por terminal de carga e incorporou a área do Armazém 1 (externo). Diretamente interessada e partícipe do processo, a Prefeitura de Santos potencializou a disponibilização de área municipal para inclusão no projeto. Essa área integra a proposta de revisão da Poligonal do Porto Organizado de Santos em análise.
Essa solução conciliadora também previu a transferência do terminal de cargas existente para as proximidades, prevendo que a área remanescente da Alemoa fosse destinada à operação de contêineres.
Como resultado prático dessas tratativas, que envolveram a Autoridade Portuária de Santos, a Prefeitura de Santos e terminais arrendados, foi concretizado o Parque Valongo em 2024, equipamento que alcançou projeção nacional e internacional em curtíssimo prazo. E já existe compromisso de que a área dos armazéns 1 a 3 seja revitalizada em 2025, passando a integrar um conjunto arquitetônico-urbanístico sem similar no Brasil, ao qual o terminal de cruzeiros agregará ainda mais significância de amplo espectro.
Esse cenário talvez seja o mais emblemático no âmbito da relação porto-cidade, sublimação do definido pela Lei nº 12.815/2013, nesse aspecto.
No entanto, em 16 de outubro de 2024, foi anunciada a retomada da intenção de licitar o STS10 como inicialmente concebido, porém, ampliando sua capacidade para 4 (quatro) berços de atracação. O objetivo alegado é o de assegurar que a capacidade operacional do complexo portuário aumente para no mínimo 9 (nove) milhões de TEUs/ano. Considerando a diferença entre a capacidade nominal atual do Porto de Santos e a efetiva, somada aos investimentos em expansão dos terminais existentes em curso, esse objetivo deve ser em muito superado.
A transferência do terminal de cruzeiros não parece ter sido descartada, porém, os estudos desenvolvidos até o momento serão afetados de alguma forma. Consta que a solução bluefield será objeto de estudo pela Infra S.A., por solicitação do Ministério de Portos e Aeroportos.
É preciso assegurar a expansão da capacidade de operação de contêineres no Porto de Santos, até por ser menos suscetível às condições climáticas locais, atuais e decorrentes da mudança do clima. Em tese, ela também envolve cargas de maior valor agregado, que tenderão a compensar a concorrência de portos do Arco Norte, ou de futuras ligações bioceânicas no que se refere à exportação de produtos do agronegócio.
Há interessados nesse processo, alguns dos quais já se manifestaram em recentes audiências públicas promovidas pela Autoridade Portuária de Santos. Seguramente haverá outros. Se a China acha viável investir numa ligação terrestre entre os Oceanos Atlântico e Pacífico, extremamente complexa e cara, o que a impedirá de investir num terminal de contêineres no principal porto do Brasil? Nesse caso, ela poderá até trazer plantas industriais associadas ao terminal, como fez internamente e vem fazendo em outros países. Não seria a primeira participação chinesa no Porto de Santos, aliás.
No entanto, não se pode descartar a importância da relação porto-cidade em qualquer processo, lembrando que conforme determina a Lei nº 12.815/2013, as cidades devem se manifestar sobre projetos portuários, e que a cidade de Santos possui legislação de Estudo de Impacto de Vizinhança, concebida com base no Estatuto da Cidade. Nesse sentido, a Transferência do Terminal de Cruzeiros e a revitalização dos Armazéns 1 a 3 têm que fazer parte de qualquer processo, lembrando que o convênio assinado em 2008 e ratificado em 2010 ainda está em vigor, e não consta que tenha sido denunciado por nenhum de seus signatários.
O referido anúncio gerou múltiplas reações, algumas potencializando conflitos que podem e devem ser evitados por meio de diálogo e consenso. Questões econômicas são importantes, mas não são as únicas a serem consideradas, pois qualquer decisão que envolva cidades portuárias é complexa, exigindo análise prudente de impactos positivos e negativos.
É o que se espera nesse caso, mas também na solução de outros problemas associados, que incluem novos acessos entre o planalto e a Região Metropolitana da Baixada Santista, atração de produção de cargas de maior valor agregado e, influenciando diretamente tudo isso, a necessária e premente revisão do arcabouço legal brasileiro, que têm prejudicado o efetivo desenvolvimento sustentado do Brasil.
Além de novas ligações entre o planalto e o porto, também é necessário que os acessos locais sejam melhorados em tempo hábil, incluindo a construção do viaduto dos fundos do Bairro Alemoa, e o novo acesso à margem direita do Porto de Santos, de maneira a que a operação do STS10 não implique gargalos logísticos. Ambos encontram-se em estudo pelo Governo do Estado de São Paulo, com base em convênio firmado com a Autoridade Portuária de Santos.
No caso presente, a expectativa é que, para o bem de todos os envolvidos, no melhor interesse da relação porto-cidade, essa nova temporada tenha um final feliz, derivando séries que também o tenham.