Tempo do existir
Às vezes penso que o tempo não existe. Acabo de escrever esta frase e já vira passado. O futuro é incerto e, se existir, será presente. A rigor, o presente é uma mistura do passado com o que penso do futuro que espero. A exceção do presente são sensações, pequenos sabores. Rubem Alves cita um banho quente no chuveiro. Eu acrescento uma coçada de ouvido, além de saciar a fome, a sede e o hormônio do prazer.
O que alimenta meu espírito são as lembranças e minhas expectativas. O que faço agora é reflexo do que vivi, motivado pelo que viverei um dia. De resto, pequenos prazeres que nem sempre sei saborear. Olhar o céu, acompanhar o voo do passarinho, sentir a fragrância da flor, respirar no vento a primavera. Ou me abrigar da chuva e cobrir a pele arrepiada de frio.
O passado é uma caixa de más lembranças e de saudade de momentos felizes com companhias que já não mais existem. Poucas vezes me senti amplamente feliz e quando me lembro delas torno-as presentes em mim. Os meus sonhos? Ah, se referem ao porvir, mas são hoje presentes e não sei se vão se materializar, tal a precariedade do existir.
Dias atrás me declarei feliz percorrendo o Mediterrâneo. Agora sinto dor e me preparo para exames médicos. É a ironia implacável do tempo, que sempre nos ilude e às vezes nos surpreende feito temporal. Por isso viver é a arte de não contar os minutos em que respiro, nem tampouco pensar quando o ar me faltará um dia.
Sou a herança do passado e minhas expectativas. Sou o que penso e o que sinto, na fagulha de uma realidade de tantas incertezas. Sou o que penso ser, para o bem e para o mal. Sou, enfim, alguém que não é dono de si, mero protagonista de um mundo de aparência real mas realidade fugaz. Sou a sensação de que existo, num universo que desconheço.
É irônico viver tão intensamente diante de tantas incertezas desde que nasci e do que me é predestinado. Um mundo que às vezes me assusta, um mundo que o clima ameaça, um mundo tão frágil e perene na grandeza do Universo.
Mas tenho a sensação de que existo, ao menos num plano que consigo enxergar. E por isso sigo meu caminho, carregando às costas o que passou e sonhando com o destino desejado.
Posso ter muitas dúvidas, mas viver é meu desígnio, célula de um organismo imensamente maior que é a Humanidade. Um organismo que me acolheu e no qual busco usufruir os prazeres possíveis, em um presente efêmero, compartilhando da maneira que posso com os que, assim como eu, brotaram para serem felizes, disseminarem o amor e existirem da melhor maneira na fagulha de um tempo tão imensamente relativo e provisório.