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Luiz Dias Guimarães

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Tempos frios

Logo sentirei saudade do frio. Um frio inclemente que não me recordo ter vivido há tanto tempo. O inverno, que conto os dias para passar, castigou meu corpo e meu espírito. Não porque passei uns dias no gélido Chile. A rigor o vento que lá vivi me perseguiu ao voltar e se juntou com a umidade da minha terra. Talvez seja meu inverno de vida, que me faz mais sensível e com pouca memória.

Conto os dias para chegar a primavera, mas sei que me fará sentir saudade. Torturam-me as más notícias, presságios do calor que está por vir. Viverei meses de tórrido calor e sentirei falta dos agasalhos que me confortam nestes dias. Pior, o suor vai dilacerar minha esperança de uma vida equilibrada ao menos na temperatura do ar que respiro.

Esta semana, no estertor do inverno, o secretário-geral da ONU, António Guterres, em mais uma fala de mau agouro, previu uma catástrofe mundial no clima. Cientistas avisam que o novo normal poderá superar 40 graus.

Pitonisas do apocalipse, são vozes que pouco reverberam. A grande maioria da humanidade está mais preocupada com retalhos de suas inconsequentes vidas. Importante é pagar as contas do mês, produzir uma dancinha no Tik Tok, xingar os governantes, pedir a cabeça do técnico de futebol e fazer juras de amor, um amor que poderá não se perpetuar num tempo talvez fortuito.

Porém, alguns se preocupam com o clima e a sobrevivência, como eu. Há dias 53 líderes empresariais brasileiros divulgaram um manifesto em defesa do imediato e efetivo combate à emissão de carbono, que traz o calor causticante e o furor das águas.

Os polos glaciais estão derretendo avassaladoramente, polos que alguns cogitam estarem se invertendo. Os mares avançam cada vez mais, lambendo praias, costas e ilhas. O caudaloso Pacífico, que sempre me dá sensação de mistérios, é só o primeiro a sentir, mas não estamos livres aqui. O Atlântico faz seus estragos também.

A natureza é cheia de ironia. A água que ocupa três quartos do planeta é igualmente parte de nós. Por isso, na semana em que completo mais um derradeiro ano de vida, me aquieto enquanto a Lua traz ressaca à minha praia e faz pressão à água que vive dentro de mim. Nítida simbiose da água e os humanos.

As águas que provocamos com o desequilíbrio da natureza são as águas que se vingarão um dia. São também as águas que ao menos podem me acolher, agora que começam a esquentar. Ao menos é a teoria do biólogo marinho Wallace Nichols, que formulou a teoria da ‘mente azul’. Quando estamos dentro dela aquietamos o espírito, pois a água absorve os sentimentos de fuga, de medo e de luto, e reequilibra nossa alma.

Assim que o frio que me traumatizou nos deixar, vou mergulhar de cabeça para me refrescar e atenuar a saudade de um tempo em que, à beira de uma pneumonia, buscava nesgas de sol e de esperança para acreditar que vamos nos salvar.

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