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Luiz Dias Guimarães

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Terceira via sem lombo de cavalo

Repetir a saga de D. Pedro num Scania T113 com TEU de 40 pés lotado pode ser um desespero Serra do Mar acima. Abaixo, então, só Deus e os freios ajudam.

Acho que Pedro iria preferir o lombo de seu cavalo, mesmo se contorcendo após a fausta refeição na casa dos Andradas em Santos, naquele fim de inverno de 1822. Essa é a história de um país que começou economicamente à beira do que viria a ser o maior porto do Hemisfério Sul, quando só havia trapiches.

Pedro desceu a serra no dia 5 de setembro, pelo caminho conhecido pelos indígenas e mamelucos desde o século XVI. A trilha da Serra de Paranapiacaba fora melhorada pelos jesuítas, mas era extremamente difícil, íngreme, estreita e cheia de precipícios, o que garantia proteção aos paulistanos contra ataques vindos do litoral. E foi por essa mesma trilha que Pedro voltou ao Planalto naquele 7 de setembro, só descansando após horas, às margens do Ipiranga.

Assim como Pedro, muitos bandeirantes aventuraram-se naquela inclemente serra, para desbravar o ouro de Minas, e muitos imigrantes plantaram, planalto adentro, as sementes do celeiro do mundo.

Da trilha imperial veio o Caminho do Lorena e, depois, o Caminho do Mar. Imagine superar quase mil metros acima em paralelepípedos. Até que surgiu a Via Anchieta, depois promovida a Rodovia. Um feito nacional que, ao longo dos tempos, rendeu, com suas curvas, música para Roberto Carlos e inspirou os Mamonas Assassinas. Até que surgiu a primeira pista da Imigrantes em 1976, duplicada 26 anos depois com seus 58,5 quilômetros, 44 viadutos, sete pontes e 14 túneis. Um feito da engenharia nacional!

É certo que por esse porto chegaram levas de escravos, tão certo quanto foi a luta pioneira dessa terra por libertá-los. Foi nesse porto que chegou o italiano Ermelino Matarazzo com sua volúpia de construir fábricas e riqueza. Por Santos, chegaram os japoneses, ávidos por embrenhar as mãos na terra, e tantos outros povos, que vieram transformar a outrora colônia num país multicultural. Por Santos começou a economia do Brasil.

O Sistema Anchieta-Imigrantes foi sem dúvida um avanço, mas pouco resolveu. Ao menos para os milhares de caminhoneiros.

As pistas descendentes da Imigrantes não servem aos caminhões e ônibus. E a Anchieta é a crônica do acidente anunciado. Porque aquele Scania T113 e outros 10 mil caminhões continuam tendo que descer diariamente por cima de indefesos carros e para a sofreguidão de seus freios pelas curvas da estrada de Santos.

A América do Sul, no auge do sonhado Mercosul, idealizou ligar os oceanos. Atlântico e Pacífico poderão em breve se relacionar, ironia, pelo asfalto. Uma ousada e lógica ideia para trazer em menor tempo as coisas que a China produz e levar o que a gente faz passando pela imensidão do Pantanal e o frio andino em 2.396 quilômetros, sem ter que ir à Terra do Fogo ou pelo canal do Panamá.

A Rota Bioceânica, partindo de Santos, seguirá pelas planícies do Paraguai, pelos pampas argentinos e pelo Deserto do Atacama, até as profundezas do imenso Pacífico chileno.

O sonho da integração dos povos dos dois oceanos é antigo e ainda muito latente. Impossível circular nas ruas de Santiago do Chile sem, em algum momento, sentir a mágoa desses irmãos, que extraem minerais, cultivam frutas, produzem vinhos, oferecem sua neve e nos querem bem. Há um sentimento de que não lhes damos a devida atenção. A cordilheira é barreira física e cultural, é certo.

Mas tudo poderá mudar. A Rota Bioceânica está chegando, para alegria e comunhão dos tantos povos que habitam este imenso continente e lutam para produzir cada vez mais e transportar riquezas, apesar das barreiras naturais.

Diria, no entanto, meu sobrinho-neto Enzo quando pequeno: “Vai dar merda!”. Tento entender o porquê. Um velho amigo portuário, com sua real sabedoria forjada na beira do cais, traduz: “O Porto vai travar!”. Afinal a perspectiva de aumento no volume de carga, para o bem do Brasil, é tão grande quanto nossa necessidade de abrirmos caminhos.

Planos, outorgas, concessões são muito bem-vindos. O Governo Federal sabe que não podemos perder o navio da globalização. STS 10, STS 53, STS sei lá o que. Boas perspectivas se as cargas conseguirem chegar. Mas ‘se’.

A entrada de Santos melhorou, graças a ações estaduais e municipais. Ainda falta a parte federal de um segundo acesso ao Porto, lembra meu velho amigo.

Penso, porém, que o que falta mesmo é todo mundo sentar junto, planejando e fazendo o que é preciso.

Quem sabe daí surge, de fato e com urgência, a terceira via que os 10 mil caminhões possam efetivamente percorrer e, assim, concretizar todos os nossos sonhos. Já há um projeto estadual, batizado de Linha Verde, como convém à moda, ligando o não concluído Rodoanel à Rodovia Cônego Domênico Rangoni, na Margem Esquerda do Porto. 

Uma terceira via é uma das bandeiras prioritárias do Conselho do Santos Export, liderado por Ricardo Molitzas. Afinal, não foi à toa que Pedro, às turras com seu intestino, percorreu serra acima no lombo de um cavalo para libertar e forjar o Brasil.

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