The long and winding road
A longa e sinuosa estrada…
Essa é uma das obras-primas musicais dos Beatles. Mas essa expressão também pode ser aplicada aos acessos entre o planalto e a Baixada Santista, sobretudo ao Porto de Santos.
Desde a primeira estrada pavimentada, a Calçada do Lorena, inaugurada em 1792; passando pelo Caminho do Mar, de 1920, celebrizado na música “As curvas da Estrada de Santos”, de Roberto Carlos; ousando com a Via Anchieta, em 1947; ousando ainda mais com a pista ascendente da Rodovia dos Imigrantes, em 1976; as curvas foram diminuindo em quantidade e ângulo de curvatura, tornando-se cada vez mais seguras para quem segue as leis de trânsito e as orientações dos responsáveis por sua gestão.
O mesmo vale para as ferrovias, como a São Paulo Railway (SPR), inaugurada em 1867, e a Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), que chegou ao porto em 1937.
Exceção feita à Calçada do Lorena e ao Caminho do Mar, as demais vias foram sendo modernizadas e permanecem em operação.
Sua importância na ligação entre as cidades do planalto e do litoral centro do Estado de São Paulo é inequívoca. Porém, há que se ressaltar que o Porto de Santos sempre foi um fator determinante de suas implantações, passando por todos os ciclos econômicos do Brasil, com ênfase nos de açúcar e café, além de concentrar parte significativa do fluxo das imigrações ocorridas entre os séculos 19 e 20, responsáveis pelo desenvolvimento agroindustrial do Estado de São Paulo.
Um problema comum a essas ligações rodoferroviárias sempre foi vencer o desnível da Serra do Mar, a “Muralha”. Hoje, esse tipo de obra de Engenharia não representa tantos desafios técnicos, pois a evolução tecnológica permite soluções cada vez mais arrojadas e rápidas.
Mas existem outras “curvas” que foram se tornando cada vez mais sinuosas e perigosas, no que se refere a novos projetos: a burocracia estatal e as restrições e licenciamentos ambientais, que podem tornar a “viagem” muito cara, até proibitiva.
Há muito já se cogitava a construção de uma nova ligação rodoviária entre o planalto e a Baixada Santista, ao menos desde 1989.
As obras da pista descendente da Imigrantes já estavam em curso, quando ocorreram os congestionamentos da Anchieta, no réveillon de 2000, que fizeram pessoas “comemorarem” a passagem do ano na estrada, levando cerca de sete horas para chegar ao litoral.
Ela foi inaugurada em 2002, mas com restrição para ônibus e caminhões.
Seu projeto, ao que consta, reduziu em cerca de 70% os impactos ambientais gerados na construção da pista ascendente, com destaque para seus longos viadutos e túneis, e sistemas de drenagem diferenciados.
Assim, o único acesso rodoviário de cargas ao Porto de Santos continuou a ser a pista descente da Anchieta, compartilhada com ônibus e veículos de passeio. Como agravante, as características geométricas da Anchieta, basicamente as mesmas de 1947, inibem o trânsito regular de veículos longos e cargas especiais.
Recentemente, após longas negociações, foram definidos dias e horários para o trânsito de veículos longos, mas os riscos permanecem para veículos leves e ônibus.
Outro agravante são as operações subida e descida, que frequentemente prejudicam os habitantes da Baixada Santista.
Considerando uma cronologia simplória da construção de rodovias e seus impactos na movimentação de cargas no Porto de Santos, tem-se:
1946: 1,2 milhão de t;
1947 (inauguração da Via Anchieta): 5,5 milhões de t;
1948: 9,2 milhões de t;
2001: 48,2 milhões de toneladas;
2002 (inauguração da pista descendente da Imigrantes, que absorveu parte do tráfego da pista descendente da Anchieta): 53,5 milhões de t; e
2003: 60,1 milhões de t.
Desde então, não houve alteração significativa nos acessos às duas margens do Porto de Santos, enquanto a movimentação de cargas atingiu 173,3 milhões de t em 2023.
A expansão terrestre do porto, a automação das operações, o aprofundamento do canal para -17 m e a potencial implantação de atividades de porto-indústria tendem a ampliar ainda mais essa movimentação, cuja previsão é de 240 milhões de t em 2040. Os acessos terrestres têm que ser preparados para atender essa demanda!
É uma questão estratégica para as cidades e para o principal complexo portuário do Brasil!
É certo que a capacidade dos acessos ferroviários foi e será significativamente ampliada, por conta da operação da FIPS e da renovação das concessões ferroviárias que dão acesso ao porto. Mas os constantes recordes de movimentação de carga do Porto de Santos demonstram que a demanda por transporte rodoviário permanecerá crescente.
Também é importante lembrar que as cargas de maior valor agregado vêm do planalto, via contêineres e das carretas longas e lentas utilizadas para grandes pesos e dimensões.
Propostas para novo acesso rodoferroviário de cargas entre o planalto e o litoral não faltam:
Em 2013, houve o Projeto ViaMar, que propunha uma ligação a partir do Rodoanel, em Suzano, até a Rodovia Domenico Rangoni, na área continental de Santos. Ele previa inclusive um túnel escavado sob o Canal do Estuário, conectando a estrada à Via Anchieta. Era um traçado bem parecido com o da ponte proposta pela Ecovias.
Esse projeto previa três níveis, destinados aos tráfegos rodoviário, ferroviário e por esteiras ou afins. Não evoluiu.
Em 2023 houve a proposta da “Linha-Verde”, também rodoferroviária, com um traçado similar ao do Projeto ViaMar. Ele previa inclusive condução autônoma. Não evoluiu, tampouco.
Agora, há a proposta de que a nova ligação seja uma terceira pista da Imigrantes. Ela é considerada mais favorável em função de licenciamentos ambientais anteriores, e da infraestrutura existente, que proporcionariam em tese condições mais favoráveis à sua aprovação e execução.
Lembrando da pista descendente da Imigrantes: um projeto iniciado em 1989 só foi concluído em 2002. Consta que a licitação inicial, que incluía obras complementares na Baixada Santista, resultou deserta. O objeto da contratação foi reduzido, para viabilizar a concorrência pública. Com isso, ainda há obras complementares sendo executadas, vinte anos após sua inauguração.
Aí, até dá para considerar “razoável” quando representantes do Governo do Estado de São Paulo preveem aproximadamente sete anos para construir uma nova pista entre o planalto e a Baixada.
O importante é que qualquer que seja a solução adotada, ela não pode absolutamente resultar em novos gargalos logísticos, caso os fluxos na Baixada utilizem as pistas da Imigrantes, Anchieta e Domênico Rangoni atuais.
A Prefeitura de Santos pleiteia a construção do Túnel do Maciço Central como alternativa de acesso à sua porção insular via Rodovia dos Imigrantes. Essa solução potencializaria a redução do fluxo de veículos urbanos pela Anchieta, dando um “fôlego” para os veículos rodoviários de carga destinados ao porto. Essa obra deve ser incorporada a qualquer projeto de ligação planalto-Baixada. Aliás, independe disso, pois o ideal é que seja executada em curto prazo, já com reflexos positivos.
Para não haver um novo afunilamento na chegada à Baixada, o ideal é que a chegada de uma nova pista ocorra pela margem esquerda do Canal de Piaçaguera, ou seja, pela área continental de Santos.
No campo das hipóteses, um traçado semelhante ao da ligação Suzano-Santos continental seria adequado. Mas também pode ser uma terceira pista da Imigrantes, só que desviando para a área continental de Santos, via duplicação da Domênico Rangoni. A principal dificuldade, em tese, seria a execução de obras no trecho urbano de Cubatão.
Uma ou as duas alternativas potencializarão a expansão de atividades logísticas e industriais em Cubatão, área continental de Santos e Guarujá, municípios que possuem áreas disponíveis para tanto, além de proximidade com o Porto de Santos.
A Engenharia dispõe de condições para superar qualquer restrição técnica existente. Mas persiste a questão do arcabouço legal vigente, que parece ignorar a importância da logística para o desenvolvimento socioeconômico do País. Em vez fomentar e agilizar a construção e ampliação de rodovias, ferrovias, hidrovias e dutovias e a geração de empregos, ele é pródigo em “desvios”, “pedágios”, “lombadas”, “barreiras”, “sinalizações dúbias” e “comboios” legais e regulatórios, sempre sujeitos a “deslizamentos”, “buracos” e “bloqueios” no trajeto.
Analogias “rodoviárias” à parte, mesmo que haja produção local, a demanda por novos acessos rodoviários permanecerá. Ela já é crítica atualmente, considerando que um simples acidente ou obstrução de pista por motivo de desbarrancamentos pode interromper o fluxo do único acesso rodoviário de cargas ao Porto de Santos também afetando as cidades que o circundam. Mesmo sem esses extremos, os congestionamentos têm sido cada vez mais frequentes.
Isso preocupa efetivamente o Governo Federal e o Governo do Estado de São Paulo?
Seus mandatários são unânimes em afirmar que sim, e anúncios estão sendo feitos. No caso do Governo do Estado, estudos já teriam sido iniciados.
Mas o que eles podem fazer efetivamente para que outros atores influentes – determinantes, na verdade – tenham a mesma consciência e imprescindível urgência?
“We can work it out”?
Essa é a pergunta de R$ 7 bilhões, no caso da nova pista descendente em discussão.
Para variar, estamos atrasados na tomada de decisão, no planejamento e na execução.
Não consta que tal cenário seja comum em países considerados desenvolvidos, onde a logística é considerada estratégica para seu desenvolvimento socioeconômico sustentado.
Estradas que precisam vencer 700 m de desnível, como é o caso da Serra do Mar, precisam ser um pouco mais longas e sinuosas. Mas que sejam só para motoristas e maquinistas, sem que precisem passar horas trafegando nelas, gritando “Help”!