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Adilson Luiz Gonçalves

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Uma questão estratégica

O agronegócio continua e continuará um item fundamental em nossa carteira de produtos de exportação.

A estimativa para 2023 é de novo recorde de produção de grãos, podendo ultrapassar 300 milhões de toneladas! O setor pecuário também vai muito bem, com o Brasil sendo o maior exportador de carne bovina do mundo.

O Governo Federal, após reunião conjunta dos ministérios dos Transportes, da Agricultura e de Portos e Aeroportos, anunciou investimentos da ordem de R$ 2,7 bilhões para as rodovias que servem ao escoamento de produtos como soja, milho, açúcar e outros cereais, tanto para os portos do Sudeste, em especial Santos (SP) e Vitória (ES); como os do chamado Arco Norte, mais especificamente os portos de Santarém e Vila do Conde (PA) e Itaqui (MA).

Poderia ser considerada uma soma significativa! No entanto, quando lembramos que as estimativas de custos de execução das ligações secas entre Santos Ilha-Continental, via ponte, e entre Santos-Guarujá, seja via túnel subaquático, variam de R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões, a percepção muda. Mas já é um começo, lembrando que ainda estamos no início de uma gestão.

O interesse estratégico em assegurar condições de infraestrutura adequadas à logística que interliga áreas produtoras ao sistema portuário nacional também é demonstrado.

Esse interesse, aliás, vem sendo tema de inúmeros planos nacionais: Plano Nacional de Logística (PNL), Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), Plano Nacional de Logística Integrada (PNLI) e por aí vai.

O Brasil é pródigo na elaboração de planos, mas ainda encontramos problemas no que se refere a colocá-los em prática, por mais objetivos, racionais e sustentáveis que sejam. E muitos fatores têm contribuído para isso, tais como questões político-partidárias e/ou ideológicas, burocracia estatal, arcabouço legal, restrições ambientais rigorosas e corrupção, apenas para citar alguns.

Esse contexto possibilita uma analogia com os meios de transporte: o Brasil tem potencial produtivo e intelectual para ser um trem de alta velocidade, mas seu desempenho está limitado pela infraestrutura viária existente e, pior, trafega com o “freio de mão” puxado. É difícil!

Mesmo assim, os produtores do agronegócio e os operadores logísticos têm tirado “leite de pedra”.

Nesse sentido, mais uma vez, a iniciativa do Governo Federal, encarada como um primeiro passo de uma gestão, é bem-vinda, desde que seja, de fato, um início de uma maratona de investimentos na infraestrutura e logística nacionais, seja com investimentos públicos ou incentivando a iniciativa privada a empreender. Afinal, é preciso investir muito na infraestrutura nacional! E o BNDES é um ator fundamental nesse processo, fundamental!

O PNL 2035, versão de 2021, identificou as principais oportunidades para o desenvolvimento da rede nacional, a serem priorizadas nos estudos de planos setoriais. Em seu Cenário 9, foram indicados os investimentos necessários em infraestrutura, a saber:

    • Aeroportos: R$ 18.952.496.875
    • Ferrovias: R$ 168.590.904.839
    • Hidrovias: R$ 3.618.257.775
    • Portos: R$ 59.508.740.781
  • Rodovias: R$ 158.187.671.533
  • Total: R$ 408.858.071.805

O orçamento previsto para a área de atuação transporte, em 2023, é da ordem de R$ 26,26 bilhões. Ou seja, considerando que esse valor fosse exclusivamente destinado a investimentos em infraestrutura (o que não é fato, além do que outros ministérios também dispõem de orçamentos afins), seriam necessários no mínimo 15 anos para realizá-los. E isso sem contar com licenciamentos demorados, que envolvem a equalização de questões ambientais e culturais (povos e comunidades tradicionais). E mesmo que finalmente ocorram, ainda estão sujeitos a judicializações – isso também é comum em processos licitatórios -, sem falar em outras variáveis, quase constantes, menos republicanas, que o Brasil ainda precisa superar.

No Brasil, investir em infraestrutura e desenvolvimento, por mais sustentáveis que sejam, ainda é uma “via crucis”, com fatores protelando ou desestimulando empreendimentos que geram progresso, empregos e recursos para programas sociais e ambientais. Da mesma forma que tratar do assunto de forma exclusivamente econômica pode acarretar prejuízos sociais e ambientais, radicalismos ambientais tendem a provocar consequências similares. Já dizia Aristóteles: “Virtus in medium est” (a virtude está no meio). No caso, o meio pressupõe equilíbrio que, no moderno conceito de sustentabilidade, deve ser aplicado aos fatores ambientais, sociais e econômicos, lembrando que gerar empregos tende a reduzir riscos de tensões sociais, além de propiciar condições para o desenvolvimento e realização pessoal.

Portanto, é preciso ter visão holística sobre esses três fatores, sem exageros, para que interesses, crenças e paixões de alguns não prejudiquem milhões. Isso inclui profunda e racional conscientização sobre ações e suas consequências.

Ainda sobre o PNL 2035, trata-se de um trabalho relevante, elaborado pela Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL), agora INFRA S.A.. E teve como principal foco, no Cenário 9, o transporte de cargas entre as fontes produtoras, sobretudo inerentes ao agronegócio, majoritariamente no interior do País, e os portos e aeroportos, com ênfase nos primeiros.

Isso vale, igualmente, quanto aos investimentos anunciados pelo Governo Federal – R$ 2,7 bilhões, cerca de 10% do orçamento relativo a transportes, para 2023, apenas para ter um parâmetro comparativo, mesmo que grosseiro.

Investir em vias de escoamento, melhorando e expandindo redes, tem resultados positivos quanto a tempo de percurso, economia de combustível, redução de emissão de poluentes e redução de fretes, com impactos positivos na produtividade e competitividade dos produtos, interna e externamente. Mas também são necessários investimentos em tecnologias que reduzam as emissões poluentes e os custos logísticos, além de melhorarem a qualidade da malha viária nacional, reduzindo despesas com manutenção de pavimentos e linhas. Também é necessário implantar ou incrementar o transporte hidroviário e o dutoviário, onde eles sejam efetivamente vantajosos, o que implica em obras de retificação e transposição de vias navegáveis.

Na Europa isso é uma opção estratégica bem aceita e sucedida.

Consta que um representante brasileiro, numa visita técnica, teria perguntado a um especialista europeu sobre o impacto ambiental de hidrovias naquele continente. O especialista, algo surpreso com a pergunta, respondeu que, pela melhor eficiência energética desse modo de transporte, o impacto ambiental era muito inferior ao do transporte rodoferroviário. Mas os europeus são um povo muito atrasado, em questões ambientais, não é? Isso também vale para os investimentos em expansão de portos como os de Rotterdam e Antuérpia, inclusive mar adentro. Os licenciamentos ambientais demorados e judicializações por lá também são uma constante, não?

Ironias à parte, é preciso pensar em diversificar nossa carteira de exportações, incluindo produtos de maior valor agregado e alta tecnologia, que podem ser associados ao agronegócio, que tende a manter seu protagonismo, mas precisa ter foco em produtos industrializados e patentes associadas.

Somos altamente competitivos no agronegócio! Podemos também o ser em produtos industrializados?

Tanto no caso do agronegócio como na produção industrial, os custos logísticos são relevantes, incluindo os fretes. Isso explica porque países desenvolvidos concentram atividades industriais próximas a portos, inclusive com regimes tributários, tarifários e aduaneiros diferenciados, atraentes a empreendimentos privados.

Também é importante lembrar que, no caso específico do Porto de Santos, a renovação de concessões ferroviárias assegurou investimentos privados relevantes. A criação da Ferrovia Interna do Portos de Santos (FIPS) levará a investimentos privados que permitirão a compatibilização de capacidades operacionais com as malhas com as quais se conecta. Mas há desafios a serem superados. A ligação seca entre as margens do Canal do Estuário ainda permanece indefinida, embora tanto o Governo Federal como o Estadual a considerem relevante e em pauta. E as rodovias que acessam o porto, que são concessões estaduais, também requerem atenção. A equalização dos acessos rodoviários envolve sintonia entre governos e investimentos públicos e privados, sendo que qualquer ampliação ou novo acesso envolve ao menos duas barreiras complexas: o desnível entre o planalto e o litoral e a legislação ambiental vigente.

Nesse contexto, a proposta de uma nova ligação rodoferroviária, a “Linha Verde”, entre a cidade de Suzano (SP) e a Área Continental de Santos, área greenfield com potencial para a implantação de atividades econômicas sustentáveis, tendo o Porto de Santos como trunfo logístico, é o que se tem de novidade. Ligação similar já havia sido proposta pela iniciativa privada, na primeira metade da década de 2010 (Projeto ViaMar). O tema foi retomado pela gestão estadual anterior e, ao que consta, o atual governador do Estado a vê com interesse. Oremos…

Será que precisamos de um novo Plano Nacional de Desenvolvimento?

Bem, apenas por esse nome, alguns já o abominarão, pela referência.

Recentemente, um congressista brasileiro propôs aos ministérios da Agricultura e da Fazenda um Plano Nacional de Industrialização. De fato, o tema industrialização/reindustrialização ganhou força no Ocidente durante a pandemia do Covid-19, sobretudo em função da dependência da produção chinesa. A globalização mostrou um de seus aspectos mais preocupantes. É preciso “correr atrás da bola”!

Porém, não basta mais um plano: é fundamental que todos os planos existentes ou a serem elaborados sejam efetivamente integrados, para serem, de fato, estratégicos, de Estado, acima de questões político-partidárias e/ou ideológicas. É preciso que, com base neles, haja investimentos públicos e/ou favorecimento de investimentos privados em infraestrutura, logística e industrialização em nosso País, incluindo formação acadêmica e técnica, atração e retenção de inteligências, pesquisa científica, inovação tecnológica, definição de vocações e mercados potenciais.

Isso é um projeto que envolve os três níveis de governo e a iniciativa privada, e tem implicações diretas na equalização de questões ambientais, sociais e econômicas, em nome do desenvolvimento sustentado do Brasil.

 

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