Verdade e vida ameaçadas
A internet ameaça a verdade. Há hoje uma enxurrada de notícias sobre inovações. São tantas as novidades que pouco consigo entender, diante de muitas siglas e anglicismos. Só que a euforia das techs explodiu às custas de muitos empregos. Pelo visto, o metaverso ficou para depois. E o chat GPT, a bola da vez, quebrou-me as pernas quando estava escrevendo sobre o risco à verdade. Elon Musk e mais de mil especialistas caíram na consciência. Seja por razões mercadológicas ou não. Lamento Einstein e sua turma não terem tido a mesma crise na criação da energia nuclear que propiciou a bomba atômica.
No manifesto público, em outras palavras, disseram: Vamos parar as pesquisas por seis meses até entendermos – nós e os governos – o monstro que estamos criando. Ufa!, um lampejo de lucidez!
Do jeito que as coisas vão caminhando, isso tudo ameaça minha vida e a do mundo todo. A estrela da nova constelação, a Inteligência Artificial, que intimamente chamam de IA, faz coisas inacreditáveis, ou melhor, ‘acreditáveis’. Agora sabe-se lá perigosas também. E para esses meninos prodígios dizerem isso, é realmente preocupante. Não me atrevo nem a tentar imaginar o que a IA, através de uma Alexa, pode determinar ao mundo. A ficção cansou de mostrar situações em que a Inteligência Humana perdeu o controle sobre a criatura.
Está em risco a vida. Mas para não ser tão trágico, digo que está em risco ao menos a verdade. Um podcast europeu citou dois exemplos esta semana. Duas fotos montadas que circularam na web, uma de Trump sendo preso, outra de Putin ajoelhando-se diante do chinês Xi.
A internet, ao mesmo tempo em que traz muita informação útil, põe em risco a verdade, tantos são os esforços para influenciar a opinião pública, que não é a opinião da maioria mas sim a opinião que prevalece. E isso se faz hoje sobejamente com tantos posts. Aí vão surgindo no mundo figuras políticas olimpianas, aprendizes de ditadores de variadas matizes que se mostram como donos da verdade. A deles, pelo menos.
Influenciar as pessoas é algo que sempre existiu, mas nunca de maneira tão descarada, intensa e eficaz. Porque antes os meios eram limitados. Na Grécia antiga, só havia a Acta Diurna, um cartaz com notícias oficiais afixado à porta do palácio. O resto era boca a boca. Na União Soviética, de totalitarismo pleno, só havia dois jornais, o Pravda e o Izvestia. Um editado pelo governo, o outro pelo Partido Comunista. Diziam os inconformados que, no Pravda, não havia Izvestia e, no Izvestia, não havia Pravda. Isso porque ‘pravda’ em russo é verdade e ‘izvestia’ em tradução livre significa notícia. Tentando reagir a essa comunicação de mão única, os opositores se manifestavam através de samzdats, simples panfletos que eram passados de mão em mão.
Hoje é tudo muito mais fácil. Temos as imagens. E quem duvida de uma imagem? Há uma ameaça maior que a covid. A ameaça à verdade. No modelo liberal, sempre acreditamos que o confronto de ideias e opiniões depurava a verdade. Agora esse confronto está ameaçado. Pois não temos a garantia de que aquelas ideias e opiniões são autênticas, sinceras e identificáveis. Pior, são imagens! E contra imagens não há argumentos, infelizmente.
Esses posts agem como agulhas hipodérmicas. Injetam em nossas veias a ‘verdade’. São technoverdades, para não dizer fakenews, com tal freqüência e intensidade que entram em nossas mentes e chegam em nossos corações. E vamos nos transformando, por ironia, nos próprios robôs que nos infectaram a mando de alguém da Inteligência Natural que criou os algoritmos da IA, roubou nossos endereços e nos convenceu que Trump foi preso, Putin se ajoelhou e definitivamente Papai Noel existe.