sábado, 23 de novembro de 2024
Dolar Com.
Euro Com.
Libra Com.
Yuan Com.

O prático é o profissional responsável por orientar a navegação dos navios em rios, baías, estuários e canais

Nacional

Presidente da Praticagem do Brasil quer segurança e alta performance

11 de junho de 2022 às 8:00
Tales Silveira Enviar e-mail para o Autor

Ao comemorar 214 anos da atividade, o presidente da Praticagem do Brasil afirma que é preciso que as entidades públicas e privadas do setor invistam na segurança dos portos brasileiros

 O presidente da Praticagem do Brasil, Ricardo Falcão, defendeu que o aumento da lucratividade dos portos só acontecerá quando os agentes do setor portuário investirem em segurança e planejamento. “A partir do ponto que garantimos a segurança, o próximo passo é aumentar a performance do porto. Isso aumenta as chances de buscar mais cargas que iriam para outros portos. Ou seja, a segurança na navegação e no planejamento do setor traz como consequência o aumento de performance”, disse.

Em comemoração ao 12 de junho, dia que marca 214 anos de praticagem regulamentada no País e 47 anos do Conselho Nacional de Praticagem, o BE News realizou uma entrevista exclusiva com o presidente da Praticagem Brasil sobre os gargalos de produtividade do setor e quais as melhorias devem ser buscadas para os portos brasileiros.

Ricardo Falcão falou ainda sobre a evolução e o grau de competência adquirido na praticagem brasileira. Além disso, fez um apelo para que todas as entidades públicas e privadas do setor conheçam o centro de simulações e de manobras de navios em Brasília – inaugurado em dezembro do ano passado. Confira:

Como o senhor enxerga a evolução da Praticagem no Brasil? E como o setor se encontra hoje?

Foram vários tipos de regulamentações ao longo dos anos. O prático já foi um setor dentro da capitania. Era o capitão dos portos que determinava o preço e dizia quantos práticos eram necessários e como o serviço deveria ser feito. Isso até 1961, ano em que a Praticagem passou a ser 100% privada. Uma das coisas mais importantes que temos que ver é que a praticagem não está buscando o padrão das outras praticagens do mundo. É justamente o contrário. 

O contrário?

Há muitos anos a Marinha teve o cuidado de manter a regulação em constante sintonia com o que a organização marítima internacional diz sobre a praticagem. É bom deixar claro que a Marinha toma conta, dentre outras coisas, do IMO (International Maritime Organization). Ou seja, tudo que afeta a segurança e valores mais importantes de uma sociedade, é a Marinha que toma conta. São coisas que devemos lembrar. Voltando à Praticagem, a nossa performance é internacional e reconhecida como de primeiro mundo. Avançamos tanto na lei que onde conseguimos chegar em 1997/1998, a Europa só atingiu em 2017. Lá foram 20 anos de discussão, porque, quando eles tiveram a criação da Comunidade Econômica Europeia – que posteriormente tornou-se a União Europeia -, houve uma tentativa por parte deles de tentar mudar diversos parâmetros. Depois de todo esse tempo, eles chegaram à conclusão de que o melhor desempenho só seria atingido seguindo os mesmos comportamentos por nós praticado. Ou seja, o Brasil é referência. Para se ter uma ideia, o primeiro programa de treinamento de práticos do mundo foi implementado pelo Brasil em 2004. E ele é copiado mundo afora.

 

“A segurança na navegação e no planejamento do setor traz como consequência o aumento de performance”

Mas como se deu esse desenvolvimento da praticagem para chegarmos a tal grau? 

Quando tivemos a LESTA (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário), em 1997/1998, houve uma grande reunião entre todos os armadores, práticos, terminais e players para definir certas questões. A Praticagem, por exemplo, se comprometeu em ter o trabalhador classificado como trabalhador avulso. Porque trabalhamos como um profissional que presta serviço dentro de um sistema de cooperativa. Também foi determinado a nós que buscássemos operar de acordo com padrões determinados pelas nações marítimas de primeira grandeza. Trazendo performance e segurança. Então, esse nível vem exatamente daí. Nós concordamos em operar dessa forma. Com isso, passamos a ter acordos de longo prazo, com preço fixo e sem surpresas. E todos os serviços sendo com padrões internacionais de segurança. Sabemos que não tem bonzinhos. Quando se estuda o comércio marítimo, é preciso entender que existe uma lei consuetudinária (não escrita) que determina que o afretador designa o porto, ele tem que ser, por definição, um safe port. Para que o porto seja considerado assim, é preciso que ele seja capaz de garantir que o navio designado para lá seja capaz de entrar, operar e sair sem acidentes. Qualquer problema com rebocador ou com qualidade deficiente de praticagem, o seguro não cobre. Então, não é questão de aumento de seguro, mas sim de não poder enviar mais carga para um porto que não é safe  port. Claro que tudo se discute em relação a padrões. 

Como?

Existem discussões para trazer melhorias na operação. E tudo isso exige uma curva de aprendizagem que a praticagem está disposta a buscar e oferecer. A partir do ponto que garantimos a segurança, o próximo passo é aumentar a performance do porto. Isso aumenta as chances de buscar mais cargas que iriam para outros portos. Ou seja, a segurança na navegação e no planejamento do setor traz como consequência o aumento de performance. Mas também tem o outro lado que é também importantíssimo. 

Qual?

Trazendo o exemplo da Amazônia, uma das características da região é que as populações são explodidas para dentro dos igarapés. Para fazer visitas, é preciso ir de barco. Lembro de uma das viagens que fiz para lá. Primeiramente não consegui entender como uma família cheia de crianças consegue viver com uma bolsa família de R$ 300. Até o momento que percebi que eles bebem dessa água. Comem peixe, camarão de lá. O açaí e as bananeiras são inundados por essas águas. E nesse momento em que estava vendo essa realidade, percebi um petroleiro passando lá no rio principal. Aqui pude sentir a responsabilidade da Marinha: ela atende os bilionários donos de navio, mas a responsabilidade real do almirante é com essas comunidades. Se cair óleo na água, e eles não puderem mais beber, pescar e comer, será uma catástrofe. Portanto, a praticagem afeta em todos os graus a população brasileira, desde os mais ricos até essas pequenas comunidades que precisam de águas limpas para ter seus sustentos. Por isso, buscamos melhorias, inclusive, na estrutura. Como na bacia amazônica. Lá temos uma questão muito grande de tentar buscar um calado maior justamente para torná-la uma interlândia que vai até ao Acre, Rondônia, Roraima, norte do Mato Grosso, Tocantins, Pará, Amazonas, Macapá etc. Ou seja, uma região gigantesca. Precisamos torná-la competitiva.  

E como aumentar performance e segurança para os portos brasileiros?  

Acho que é sempre bom podermos conversar com o setor como um todo. Não existe um sistema 100% perfeito. Mas às vezes recebemos críticas de atores que nem conhecem o sistema. Somente criticam sem saber porque as regras foram definidas desta ou daquela maneira. Querem respostas a perguntas que nem são capazes de responder. Toda essa questão passa por um entendimento regulatório para o setor inteiro. O Tribunal de Contas da União já chegou ao entendimento que os terminais, os armadores, o frete e o THC [Terminal Handling Charge] deveriam estar sendo regulados. Mas ainda não concluiu que a praticagem deve ser regulada. Acho que isso deve vir para o sistema como um todo. Essa propalada liberdade econômica trata somente dos que são gigantescos. É só verticalização. Eles são donos de tudo. O que podemos fazer é discutir uma regulação para o setor como um todo. O frete não pode estar 500% mais caro em dólar de um dia para o outro. A conta não fecha. Regular significa conhecer e não intervir. É evitar práticas desleais de mercado. Para isso é preciso regulação. Para que um grande player não entre e pratique preços abaixo do próprio custo somente para quebrar os outros, é preciso ter algo estabelecido para que defenda os menores.    

Voltando à questão de segurança e performance, a concessão do canal de acesso do Complexo Portuário de Paranaguá e Antonina, no Paraná (APPA) tem como objetivo trazer esses dois pontos para os usuários do porto. Esse caminho de buscar a Praticagem trará ganhos para o porto?

Tive a sorte de entrar no circuito de praticagem muito cedo. São 17 anos vendo essa discussão em todo o mundo. Todos os países, ao buscar trazer melhorias para os seus portos, buscavam obter impressões em todos os setores envolvidos. Discussões sérias sobre o assunto. Pude ver o quanto esses projetos começaram agradecendo à Praticagem que participava dos projetos desde o primeiro dia. Posso dizer que, aqui no Brasil, estamos atrasados. O expert de segurança e navegação, nós que fazemos isso todo o santo dia, o Brasil tem. Para se ter uma ideia, eu já parei de contar, mas garanto que tenho mais de dois milhões de milhas navegáveis no Rio Amazonas. É uma quantidade absurda. Digo isso para mostrar que consigo falar sobre cada detalhe deste rio. E quero passar esse conhecimento. Mas a empresa, quando começa o projeto, faz todo um caminho inverso. Compra a área mais barata, que muitas vezes está em uma curva e reclama da necessidade de um rebocador potente, de uma corrente muito forte, de uma janela de operação ruim e por aí vai. Muitas vezes seria muito melhor ter comprado o terreno mais caro, pouquíssimos metros antes que o retorno do investimento seria muito melhor. Bastava uma consulta à Praticagem.

Então, é possível perceber que tantos os agentes públicos e privados não estão dando tanto ouvidos à Praticagem.

Ainda não. Estamos preparando a nossa ferramenta máster que é o simulador e o certificando. Para isso é necessária uma burocracia. Mas gostaria de avisar para o setor que estaremos de portas abertas para quem quiser, desde o início, fazer e buscar melhorias para um terminal, ou desenvolver um estudo de concessão. Não deixe o projeto já ter nascido errado. Traga o seu projeto para a Praticagem. Isso implicará em ganho de performance, segurança, operação e, claro, retornos financeiros para todos os envolvidos. 

Compartilhe:
TAGS navegação performance Praticagem segurança