Fronteira Amazônia-Cerrado: de acordo com o Relatório Temático, variações no clima regional vão comprometer a viabilidade de 74% das atuais terras agrícolas até 2060. Foto: Michel Gunter/WWF
Nacional
Relatório destaca benefícios da biodiversidade para o agronegócio
Mais recente publicação da BPBES busca alinhar interesses da conservação ambiental e da produção rural no Brasil, mas também faz alertas
Júnior Batista
Foi lançado na terça-feira, dia 16, no Museu do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o Sumário para Tomadores de Decisão do Relatório Temático sobre Agricultura, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos. O documento é a mais recente publicação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) busca alinhar os interesses da conservação ambiental e da produção rural no Brasil, mostrando como o agronegócio – incluindo agricultura, pecuária e silvicultura – se beneficia e depende da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.
Versão resumida do Relatório Temático, o Sumário foi elaborado por 35 pesquisadores que sintetizaram o conteúdo principal com linguagem simplificada e em formato didático. O documento visa influenciar gestores e lideranças das esferas pública e privada na tomada de decisões com foco na sustentabilidade e no equilíbrio da tríade agricultura, biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
Benefícios gerados pela natureza que sustentam a vida no planeta, os serviços ecossistêmicos são essenciais para garantir a capacidade da produção agrícola. Água limpa, regulação do clima, manutenção da fertilidade e da estrutura do solo, polinização de culturas e controle biológico de pragas e doenças são alguns exemplos.
O Relatório Temático, coordenado por Rachel Bardy Prado, pesquisadora da Embrapa Solos (RJ), e Gerhard Ernst Overbeck, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é um diagnóstico minucioso que compila informações científicas e casos exitosos acerca das interações entre os usos do solo e a biodiversidade no Brasil, sob a ótica do bem-estar humano e levando em conta os saberes tradicionais.
O estudo mobilizou, ao longo de três anos, 100 profissionais de inúmeras áreas, pertencentes a mais de 40 instituições distribuídas por todos os biomas brasileiros, sendo que aproximadamente um quarto dos autores é da Embrapa. Além da síntese de conhecimento sobre a temática, o texto traz propostas para um melhor manejo do capital natural no meio rural nacional.
Alertas
No topo do ranking das nações megadiversas e detentor de um vasto e rico território que abriga 20% das espécies do planeta, o Brasil também tem solo fértil, água abundante e clima favorável para a produção de alimentos. Considerado por muitos o “celeiro do mundo”, o país é um dos maiores produtores e exportadores de produtos agropecuários, como grãos, carnes, frutas e fibras.
Gerhard Ernst Overbeck alerta, no entanto, que há uma série de consequências negativas decorrentes das atividades do setor, como a contaminação da água por causa do uso de diversos insumos, o que pode contribuir para a escassez hídrica. “Vamos ter uma série de problemas até para a própria produção agrícola, se essa tendência se mantiver. Talvez isso tenha ficado mais evidente nos últimos anos em conexão com as mudanças climáticas, que são outro vetor de mudança muito forte e têm a ver com o uso da terra, principalmente no Brasil. As emissões devido ao desmatamento na Amazônia são um grande driver das mudanças climáticas e os modelos e cenários disponíveis indicam que a própria agricultura será impactada muito negativamente pelas mudanças climáticas. É o primeiro setor a ser afetado”, disse.
Rachel Bardy Prado também chama atenção para o impacto negativo que as mudanças climáticas podem causar na agricultura. “Modelos projetados estimam, por exemplo, que na fronteira Amazônia-Cerrado as variações no clima regional vão comprometer a viabilidade de 74% das atuais terras agrícolas até 2060”.
A pesquisadora reforça que a escassez de recursos naturais em algumas partes do país e os efeitos sobre o clima colocam em xeque a própria abundância da agricultura brasileira. A pesquisadora aponta que as principais cadeias de valor de alimentos estão susceptíveis às mudanças climáticas, e certas regiões poderão sofrer quedas de produtividade e alterações na aptidão para determinadas culturas.
Segundo os pesquisadores, o simples cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação (norma federal, instituída em 2012) evitaria, entre 2020 e 2050, a perda de 32 Mha (milhões de hectares) de vegetação nativa no país. Além disso, “o aumento na produtividade das pastagens brasileiras permite atender a demanda futura de áreas para a produção de carne, culturas agrícolas, produtos madeireiros e biocombustíveis, sem a necessidade de converter mais hectare algum de vegetação nativa e ainda liberando terra para restauração em larga escala, por exemplo, na Mata Atlântica”, diz o texto.