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Ritual de presença é importante na paternidade
Pai tem que criar o tempo, diz o pediatra e psicanalista Fausto Flor Carvalho, autor do livro Pai sem sacrifício. “Proatividade é um termo muito usado no meio empresarial, geralmente somos proativos para tudo, mas menos para os filhos e para a casa. Precisamos de um tempo intencional, existem janelas da alma, é preciso estar atento e oferecer espaço para criar conexões com os filhos”, ele revela. Confira entrevista para a coluna:
Como ter uma participação ativa na vida dos filhos?
Criar um filho, acompanhar, ensinar não é simples. Crianças e adolescentes estão atentos o tempo todo e sentem quando o pai é ausente. Mesmo que a rotina de trabalho seja intensa, é possível driblar os desafios cotidianos e construir uma relação de confiança mútua.
Por que começou a estudar o papel do pai?
Meu filho com 8 anos escreveu uma redação na escola, usou duas frases para falar do irmão, umas dez para falar da mãe e uma dizendo: “gosto do meu pai porque ele trabalha muito e traz bastante dinheiro para casa. Isso para mim foi um choque. Comecei a estudar o papel do pai e percebi que eu, como pediatra, também precisava aprender mais sobre o tema.
Como surgiu a ideia do livro?
Peguei uma história antiga e bem conhecida e a partir dai produzi o conteúdo. Fui para o texto da Bíblia, o Livro do Gênesis, que mostrava as atitudes de Abraão e de seu filho Isaque, e como eles caminhavam juntos. Fui trazendo para o homem moderno para reforçar a importância da presença.
Os pais de agora mudaram e estão mais presentes, certo?
Tenho 25 anos de Pediatria e comprovo que nos últimos cinco anos os pais estão comparecendo. Na história de Abraão há quatro mil anos, ele dá um banquete quando Isaque foi desmamado. Nesse momento, o pai trazia a criança para perto para ensinar as atividades da sobrevivência. Com a mudança tecnológica e social tão grande dos últimos tempos o pai delega para a escola esse papel. Ainda bem que essa geração está mais atenta e isso se refletirá no futuro, mas ainda é preciso melhorar muito.
Como arranjar tempo?
Eu percebo que em todo lugar em que faço palestras e converso com os pais, todos geralmente falam que as prioridades são Deus, a família e o trabalho, pela ordem. Aí eu pergunto quanto tempo ele gasta com Deus, família e trabalho e não é bem assim. É preciso criar esse tempo.
Como foi seu exemplo de pai?
Meu pai era ferroviário, trabalhava com turnos. Todo sábado em que ele não estivesse de plantão na parte da manhã era sagrado que era dia de passearmos. Quando eu comecei a escrever o livro, lembrei dessa história e vi que não fazia isso com meus filhos.
O que mudou?
A partir daí separei uma hora por semana para o Rafael e uma para o Vinícius. O Rafael é superesportista, essa hora era para ele pedalar, correr, jogar basquete e futebol. A hora do
Vinícius era para ir na praça, tomar sorvete, comprar doce. Os resultados surpreenderam. O Rafael era um aluno nota 7, 7,5, estava bom e não se destacava. Os filhos são muito diferentes, é importante manter programas diferentes também.
E o resultado?
Depois de uns seis meses que eu comecei a fazer isso, ele passou a ser um aluno de 9, 9.5. Meu filho mais velho faz Medicina, saiu do terceiro colegial e passou em duas faculdades, está indo muito bem. O mais novo era um aluno muito bom e tímido, melhorou a autoestima, ficou mais sociável. Fez bem para os dois, é um reforço, a identidade da criança passa muito pelo que o pai fala.
É mais difícil lidar com as crianças de hoje com tantos estímulos externos?
Sim, isso interfere bastante. Saiu um estudo no Japão esse ano, em que eles pegaram sete mil mães, acompanharam a gestação e depois viram as crianças com um ano de vida. Então aplicaram um questionário para ver quanto tempo de tela usavam; repetiram com dois e com quatro anos e aplicaram testes de inteligência. Quanto maior o tempo de tela, pior o resultado nos testes.
Como lidar com a tecnologia?
A tecnologia tem um grande impacto, nos aproxima na distância, mas distancia muitas vezes de quem está próximo. Notamos muito isso na clínica. Eu fico preocupado porque os pais terceirizam para pessoas que nem conhecem direito ou têm referências. Hoje terceirizam até para influenciadores digitais.
O que mais faz falta para as crianças?
Eu fiz parte do Congresso Brasileiro de Pediatria, e na mesa estava uma neuropediatra que atua com a parte de desenvolvimento. Ela destacou a necessidade de expor a criança ao meio ambiente, em contato com a árvore, com a areia. Os pais podem facilitar esse contato com a natureza num parque perto de casa: tirar o sapato junto com a criança pisar na areia, manter essa exposição ao mundo que vai trazer segurança para a criança aprender quem ela é e se sentir mais confortável e equilibrada.
Como a mãe deve incentivar a presença do pai?
Gosto muito de um autor Tim Elmore quando comenta que, diante da vida, temos duas possiblidades: ou nos comportamos como anfitrião ou hóspede. Isso é muito notório no casamento, normalmente a mulher assume o primeiro papel, ela cuida da casa, dos filhos, trabalha nos bastidores. E o marido tem a tendência de achar que é um hóspede, que vai chegar em casa, tomar um banho, assistir seu canal preferido para ver o futebol.
E como mudar essa dinâmica?
A mulher deve dar esse espaço para o pai para que ela também tenha seu momento de lazer, de sair com as amigas, de estudar, enfim deixar que ele se vire com a casa, com os filhos, mas trazer essa responsabilidade do pai de forma positiva. Deixa o pai trocar a fralda, dar a mamadeira, pode não ficar do seu jeito, mas vale a pena, a criança vai sobreviver. Há estudos que mostram que há menos violência contra a mulher e contra a criança quando os pais participam da criação dos filhos.
Qual a sua mensagem para os pais?
O pai muitas vezes trabalha demais para ter um carro melhor, mas para a criança não importa se é um fusquinha ou uma BMW, sempre será o carro do pai e um passeio com o pai. Precisamos simplificar mais as coisas. Tente manter o vínculo com seu filho. Millôr Fernandes tem uma frase que eu cito muito: pais e filhos não são feitos para serem amigos, mas na vida adulta a grande conquista é chegar como amigos que cultivaram uma relação de proximidade e respeito.