Estilo BE
Sobre vinhos, textos e vida
Mandei mensagem pelo Insta para Isabelle Moreira Lima pedindo uma entrevista. Ela respondeu: sou jornalista, é comigo mesmo? Eu falei que sim, que gostava muito dos textos dela na Revista Gama, na coluna da Folha e no blog Saca Essa Rolha, ela fala de vinho com descontração, naturalidade e conhecimento. “Escrevo sem pompa, talvez seja por isso. Minha referência é a crítica e jornalista britânica Jancis Robinson”, comenta. Conversar com essa cearense bonita, batalhadora e intensa em tudo que faz foi uma delícia, exatamente como eu esperava. Confira:
Como começou sua trajetória?
Nasci no Ceará, sempre quis cursar Jornalismo e comecei meu estágio em uma TV, fazendo buraco de rua e coisas assim. Mas eu queria trabalhar em veículos maiores e resolvi tentar São Paulo. Eu me inscrevi em programas de treinamento de vários jornais e não passei em nada. Quando estava quase desanimando, em 2003, fui chamada como trainee da Folha. Depois de três meses fiquei como frila fixa, cobrindo um pouco de tudo, inclusive Economia. Fiquei um tempo na Mercado Aberto, coluna do Guilherme Barros. Minha história com a Folha tem muitas idas e voltas.
E depois da Folha?
Saí da Folha e fui para o G1, onde fiquei por dois anos em Política e Economia, lidando com pressão o tempo todo, agilidade era o mais importante. Não era bem o que eu queria, mas o aprendizado foi grande. De lá trabalhei em um jornal de Economia, o hoje extinto Brasil Econômico, onde fiquei por mais dois anos.
Quando partiu para Cultura e Gastronomia?
Meu marido [o escritor Chico Mattoso] ganhou uma bolsa nos Estados Unidos e fomos para lá. Tentei fazer frilas nas minhas áreas, mas não tinha muita oportunidade pois já eram cobertas pelos correspondentes fixos. Percebi que havia espaço em Cultura e Gastronomia e comecei a escrever sobre esses temas, com que sempre senti afinidade. Na volta, estive um tempo na Folha escrevendo sobre TV, era a nova era de ouro, com a ascensão das séries e o começo do streaming.
Quando foi para o Estadão?
Aqui eu falo com muito orgulho. Estava na licença maternidade, com um bebê de seis meses, e mesmo assim fui indicada por uma amiga, Heloisa Lupinacci, que era colunista de cerveja e editora assistente do Paladar. Ela me apresentou à então editora Patrícia Ferraz, que me contratou no ato. Elas fizeram uma aposta alta e têm minha gratidão pra sempre.
Quanto entrou no mundo dos vinhos?
Foi no susto. A Patrícia me convidou para fazer a cobertura de vinhos no Paladar. Claro que fiquei feliz, só que sabia muito pouco, não era especialista. Fiz cursos, comprei livros e livros, estudava sem parar. O conhecimento deu segurança para encontrar o meu estilo, mas sofri muitas críticas e pressão dos entendidos.
Por que?
Com 35 anos na época, para o mundo do vinho era muito jovem, além de ser mulher. Devo ter incomodado. Foi difícil, mas foi aprendendo. Acho que minha “graduação” foram dois cadernos especiais que ficaram maravilhosos, consegui o respeito do setor. Do Ceará eu trouxe o humor que sempre me ajuda em várias situações.
Gosto de suas frases e do jeito que escreve sobre vinhos, também na coluna que começou na Folha. A vida anda muito corrida?
Muito, principalmente com dois filhos de 6 e 9 anos, mas felizmente meu marido é um parceiro de verdade. Além do blog (newsletter) e a coluna de vinhos na Folha, estou na revista Gama desde o projeto inicial, em 2018, e sou editora executiva atualmente, são temas amplos e a abordagem é bem diferente.
Qual é o seu vinho preferido?
Gosto demais de Garnacha, acho que essa uva pode trazer diferentes perfis, mas os vinhos são sempre deliciosos. E entre as brancas, Riesling, porque traduz muito bem cada terroir, além de ter uma mineralidade bem doida.
E os vinhos orgânicos?
Devem crescer cada vez mais, bem como os naturais, orgânicos e biodinâmicos, que atraem os jovens primeiro por se vestirem em garrafas e rótulos coloridos e lindos e depois pelas histórias que carregam: são livres de convenções, experimentam com uvas menosprezadas em regiões desconhecidas, feitos por pequenos produtores que vivem da terra e, logo, cuidam bem dela.
Como saber qual é o vinho que tem a nossa cara?
Provando com atenção. Assim você vai começar a entender que gosta de acidez, ou gosta de tanino mais macio, ou gosta de tanino mais agressivo, gosta de corpo leve, encorpado, etc. Experiências, quando são completas, envolvem mais que os cinco sentidos: elas funcionam quase como um reset para o cérebro e podem ser capazes de dar um alívio e uma ideia de “estou vivendo também, não apenas trabalhando”. Algumas vezes nos fazem viajar pelo mundo; em outras, nos fazem viajar no tempo.
Poderia dar três dicas de vinhos para a coluna?
1 – LOXAREL PENEDÈS XAREL.LO ÂNFORA 2019
Espanha, Penedès
https://bellecave.com.br/collections/penedes/products/loxarel-penedes-xarel-lo-anfora-2019
Cheguei a escrever na newsletter sobre esse, que rendeu um post só pra ele. É feito com uma uva comum dos Cava, mas aqui ela está sozinha e é vinificada em ânfora de barro. A agricultura é biodinâmica. O vinho é superdiferente de tudo, mineral, traz uma nota de capim, amêndoa e cêra. É uma delícia
2 – Trimbach Riesling 2018
https://vinhoszahilrio.com.br/vinhos/trimbach-riesling/
Uma uva clássica, que faz vinhos deliciosos na Alemanha e na Alsácia, e um produtor clássico desta região francesa. Não dá pra ser muito mais feliz que com uma garrafa dessas.
3 – Quinta do Pessegueiro DOC 2018
Na última semana, abri uma garrafa desse vinho da safra de 2015 para comemorar a nova coluna da Folha e a sensação foi a de ter tomado um vinho puro, cheio de fruta, que chega de uma mina natural. Superequilibrado e delicioso.
https://www.worldwine.com.br/v-po-quinta-do-pessegueiro-tt-doc-18-750-027950/p
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