Deliberação do TCU demonstrou que existem muitas dúvidas por parte dos ministros quanto à concessão do Porto de Santos.
Porto de Santos
TCU adia votação da desestatização do Porto de Santos
Decisão já era esperada após o governo eleito anunciar que iria rever modelo proposto pelo Ministério da Infraestrutura
O Tribunal de Contas da União (TCU) adiou a votação do processo de desestatização do Porto de Santos (SP). O adiamento veio após o pedido de vista conjunto dos ministros Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler e Vital do Rêgo. O pedido tem duração de 45 dias e pode ser novamente pautado a partir de fevereiro.
Segundo o ministro Walton Alencar, que encabeçou o adiamento, o motivo do pedido de vista se deu pela necessidade de mais estudos sobre o túnel submerso que ligará as cidades de Santos e Guarujá. O edital prevê que a concessão portuária destinará R$2,1 bilhões dos R$ 6 bilhões para construção do porto seco.
“A realização de uma grande obra pública com Capex negativo de 70% vindas da construção do túnel que irá viabilizar a região de forma positiva. Nada que objetar aos argumentos técnicos favoráveis a essa obra. Mas acredito que é preciso um pouco mais de estudos, embora estaria propenso a adotar o mesmo posicionamento do relator neste tema”, disse.
Outro argumento apresentado por Alencar trata da “conta vinculada” onde são depositados recursos para gerenciamento de riscos financeiros do contrato. O ministro, que também é relator dos processos de desestatização do porto de Itajaí (SC) e São Sebastião (SP), afirmou que é preciso analisar a metodologia de forma ampla.
“Sou também o relator do Porto de Itajaí e São Sebastião. Aqui se encontram duas questões fundamentais. Uma delas trata de uma inovação, que diz respeito à conta vinculada, que consiste em uma metodologia de ação que traz elementos novos à concepção de toda a estrutura do empreendimento que ocorrerá no futuro. Essa questão, que é a razão porque ainda não os trouxe a julgamento, é tratada no Porto de Santos. Precisamos analisar essa metodologia de forma abrangente”, afirmou.
Para Benjamin Zymler o modelo proposto não segue os padrões internacionais que não privatizam a autoridade portuária. Além disso, o ministro afirmou que a gestão portuária trouxe lucros excepcionais, fato que questiona a necessidade de privatização da autoridade.
“Fui ao Porto de Santos e eles me mostraram a evolução dos números em relação ao que era no passado. Uma lucratividade extraordinária e exponencial. E a pergunta que ficou é, diante desse desempenho, por que privatizar? Fora que o modelo vai de encontro com a maior parte dos países que mantêm o poder da autoridade privada no estado”, explicou.
Já o ministro Vital do Rêgo afirmou que, apesar do relatório do ministro Bruno Dantas ter atendido às expectativas, já iria pedir vistas do processo. Isso porque existem muitas dúvidas quanto à concessão do Porto de Santos.
“Embora o relatório do ministro Bruno Dantas atendesse a todas as minhas expectativas, em pouco tempo de discussão no tribunal encontramos muitas dúvidas. Desde a concepção metodológica do projeto, como a questão do Capex e da construção do túnel. Temos muito mais dúvidas e incertezas que o pedido de vistas vem a calhar”, falou.
Adiamento esperado
O adiamento do processo de desestatização do cais santista já era esperado. O Grupo de Trabalhos (GT) de Infraestrutura do governo eleito já se manifestou contrário ao modelo de desestatização proposto pelo Ministério da Infraestrutura.
A principal discordância está no fato de privatizar a autoridade portuária. Há um entendimento de que a modelagem pode trazer riscos ao estado uma vez que retira o poder do estado em decidir sobre o planejamento do maior porto da América Latina.
Voto do relator
Antes do pedido de vista, o relator do processo, ministro Bruno Dantas, chegou a ler seu voto fazendo determinações e recomendações à proposta. A principal determinação foi de que o ministério e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) prevejam uma regulação para evitar concentrações de mercado da futura concessionária.
“Apresentei uma determinação ao MInfra e a Antaq que, previamente a publicação do edital prevejam uma regulação robusta para evitar que a prática de integração vertical resulte em concentração de mercado e em práticas abusivas que prejudiquem a livre concorrência e os interesses nacionais”, disse.
O relator também fez uma recomendação de que armadores possam participar do certame somente em caso de não haver interessados na concessão do cais santista. A recomendação vai de acordo com a nota técnica da Secretaria de Portos e Ferrovias do Tribunal de Contas da União (SeinfraPortoFerrovia-TCU), publicada em novembro.
“Adicionei uma recomendação na linha que a Seinfra de que essa regulação em consideração seja consubstanciada na possível vedação de que as empresas que estejam sob controle societário identificadas na nota técnica do Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] venham a participar do certame, exceto se a licitação restar fracassada”, falou.
Outra recomendação dada na relatoria seria de que o Ministério da Infraestrutura promovesse a venda de outras autoridades portuárias antes da Santos Port Authority (SPA). O argumento é de que é preciso fazer mais estudos sobre o modelo antes de empregá-lo dentro do Porto de Santos.
Segundo Dantas, a recomendação veio após reuniões feitas com o setor onde todos os agentes demonstraram receios quanto à alienação das ações estatais à uma empresa privada. Entre elas a própria coordenadora do GT de Infraestrutura do governo eleito e ex-ministra do Planejamento e ex-presidente da Caixa, Miriam Belchior.
“Sequer temos uma primeira avaliação dos riscos e problemas que derivam dessa privatização. Inseri uma recomendação para que o ministério da Infraestrutura, antes de alienar as suas ações na Autoridade Portuária de Santos, promovesse a venda de outras autoridades portuárias para fazer uma análise ampla e abrangente dos riscos e problemas que apareceriam”, comentou.