Opinião
Vivemos como nossos pais?
Diariamente, sou um dos primeiros moradores que utiliza o elevador em meu edifício, inclusive aos domingos.
Nesse dia, porém, o simples ato de entrar no elevador e apertar o “T” ganha um gosto especial. É dia em que o Porteiro deixa no suporte alguns jornais e uma conhecida revista semanal.
Esse papo de elevador funciona para mim como o reforço semanal de um tema que me acompanha grande parte do tempo: como vem mudando, rápida e profundamente nossa forma de viver e trabalhar. E quanto poderíamos fazer melhor do que estamos fazendo, com um pouquinho só de boa vontade. De humildade, de abertura para a forma de pensar do outro.
Talvez seja uma certa dose de nostalgia pessoal, acentuada nessa época do ano em que revemos tantas coisas, mas, como viver é melhor que sonhar, eu convido aos que estão na faixa dos cinquenta, sessenta como eu, a recordar e viver o cheiro do jornal impresso, a curiosidade antecipada de descobrir a manchete que estamparia a capa da tal revista. E a foto?
Aos mais jovens, convido a procurar no Google o que são uma TV com Seletor de Canais, um mimeógrafo, (quem gostava do cheiro de álcool levante a mão), uma “Olivetti – Linea 38” e imaginar como foi “viver analógico”.
Mesmo você, que nasceu digital, já deve sofrer um certo saudosismo: do disquete, ao armazenamento em “Nuvem” em menos de quarenta anos.
A ciência e a tecnologia nunca evoluíram tanto em tão pouco tempo. O volume de dados armazenado em um “mainframe” – que ocupava uma sala enorme – é menor do que o que cabe no relógio que pode estar no seu pulso.
Não sou contra a tecnologia e tudo o que ela traz de bom. Sou fã e uso. Pelo contrário, ainda que ela não sirva à humanidade como um todo, é impossível negar que milhares de vidas são salvas, que pode-se viver com mais qualidade e que a conexão entre pessoas que vivem em diferentes locais e culturas é uma realidade disponível ao toque na tela de um smartphone.
O que me incomoda não é a evolução da tecnologia. É não evoluirmos na mesma velocidade como seres humanos.
O que me chama a atenção é o que NÃO fazemos com o tempo que nos sobra cada vez que a automatização, o computador e a Inteligência Artificial fazem parte de nosso trabalho.
Por que não usamos esse tempo para adquirir novas competências, aprender coisas novas, construirmos relacionamentos melhores? Por que não viramos o pescoço para prestar atenção à pessoa ao nosso lado, ao invés de voltar o rosto para a tela iluminada?
Se o acesso à tecnologia – cada vez mais barata – nos deixa em condições mais igualitárias, por que não assumimos de vez que somos iguais de verdade, independentemente do gênero, cor da pele, condição socioeconômica ou opções de qualquer natureza?
Com atos, não com discursos. É de Ralph Waldo Emerson que sinto falta: “Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz.”.
Só a essência de quem somos de verdade é que nos diferencia. É por dentro, não por fora. Valores que temos, dos quais não abrimos mão e as ações que tomamos em consequência, é que nos definem.
Quem me acompanha nesses Artigos semanais e gosta de estudar a formação da cultura organizacional vai lembrar que o Psicólogo Edgar Schein chamou isso de Âncoras de Carreira.
Quer mais? Investimos tempo pesquisando e escrevendo sobre as características que definem cada uma das diferenças entre as gerações (pergunte para o ChatGPT: são seis, desde a década de 1930 até a atual), mas nos preocupamos pouquíssimo sobre como fazê-las conviver. A tecnologia está nos ajudando a viver mais, logo, trabalharemos mais tempo juntos. É preciso resolver como vamos produzir resultados juntos, apesar das diferenças. É o que conta.
Muita discussão sobre a forma e pouca sobre o conteúdo, que afeta nossas vidas pessoais, mas também as organizações. Os comportamentos nascem em casa, consolidam-se na sociedade e transbordam para dentro das empresas.
COMPORTAMENTO – essa é a palavra-chave – que nos desarme de conceitos e preconceitos e nos ensine que será mais fácil fazer das organizações e do mundo, um lugar melhor se formos capazes de conviver. Pessoalmente acho que passou o tempo em que isso era uma opção. Já é uma questão de sobrevivência para analógicos, digitais e 50+ ou menos.
Sim, independentemente de nossas diferenças, há mais de comum entre nós do que imaginamos, por isso -na essência – vivemos como nossos pais.
Como termina essa história? Não sei, mas sei que ela será tanto melhor quanto for nossa capacidade de escrevê-la juntos. Eu aposto em Milton Nascimento e Beto Guedes: “Sei que nada será como antes, amanhã”.
Hudson Carvalho é Consultor em Gestão de Pessoas e Estratégia Empresarial, Diretor Executivo da Elabore Online – Resultados Através das Pessoas e Diretor da WISDOM – Gestão Organizacional (Desenvolvemos Pessoas e Processos) – Baixada Santista e ABCD