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Estilo BE
Viver mais e melhor é uma construção
Você quer chegar bem aos 90 anos e além? A geriatra carioca Louise Montesanti explica que as pessoas estão vivendo mais e procuram informações e rotinas saudáveis, mas muitas continuam abusando de ultraprocessados, não se cuidam e levam uma vida sedentária. Segundo ela, além da atividade física, um dos maiores segredos para envelhecer com qualidade é manter bons vínculos afetivos. Confira entrevista e suas dicas para os leitores da Estilo BE.
Por que é tão difícil incorporar boas práticas no cotidiano dos velhos?
As pessoas mudam por dois motivos: acham importante ou se acham capazes de realizar as mudanças. Cada vez mais tem se falado dos benefícios da atividade física para a saúde, mas falta treinamento dos profissionais de saúde, incluindo os médicos, para organizar junto com os pacientes essa autoeficácia. Na formação médica somos extremamente prescritivos e diretivos. Falamos que tem que fazer, mas somos pouco companheiros do paciente para estabelecer metas e fazer um planejamento de cuidados. Uma pessoa que não faz nada não vai sair do consultório fazendo tudo, aquele momento terapêutico é a possibilidade de dar um primeiro passo para criar uma rotina, e na continuidade do cuidado ampliar para chegar à meta desejada.
É mais difícil diagnosticar a depressão nos velhos?
Há uma diferença grande entre depressão e tristeza. Tristeza é um dos sintomas de depressão. Muitas vezes vemos nas pessoas mais maduras que nunca tiveram episódios depressivos antes, que a doença se manifesta numa diminuição do prazer de fazer as coisas de antes. Menos características melancólicas e de tristezas e mais uma apatia, falta de vontade de fazer coisas novas, pessimismo, dificuldade de memória. O diagnóstico precoce ajuda no tratamento correto e favorece o envelhecimento bem sucedido.
A mulher tem envelhecido melhor do que o homem?
No geral sim, elas têm uma expectativa de vida maior e menos adoecimentos de ordem externa, como hábitos relacionados ao tabagismo e ao álcool, além de doenças cardiovasculares. Mas há outras questões. A mulher sempre teve a cultura de cuidado de saúde, fazer check-ups ginecológicos. No homem entra a questão cultural em que o propósito é ser bem sucedido profissionalmente. Geralmente, quando o homem se aposenta não pensou em um propósito de vida. A mulher também pode ter esse propósito profissional, mas se alimenta de outros ganhos, de outras histórias: ter bons relacionamentos com os filhos, família, amigos, comunidade. A mulher já tem essa interface mais ampla.
As quedas afetam a saúde. Como prevenir?
Há muito que falar sobre isso, mas resumindo destacaria a prática da atividade física, que traz mais massa muscular e num evento de queda protege o osso para não quebrar. Também está relacionada com força e velocidade, aumentando a chance de conseguir evitar a queda quando sofre um tropeço ou um escorregão. Por isso é importante ter uma avaliação física. O geriatra deve fazer uma avaliação ampla para ver massa muscular, força e rapidez, e perceber se o paciente está perdendo essas habilidades. Alguns sintomas podem ser tratados com suplementação de proteína.
Há outros riscos?
A maior parte das quedas e que leva às fraturas acontece dentro do domicílio. Então, é essencial ter um ambiente iluminado, sem tapetes e pisos escorregadios, pets que podem fazer com que o paciente tropece. Outra coisa é ter clareza que os órgãos do sentido estão funcionando bem. Quem enxerga bem, quem ouve bem, consegue se prevenir de uma eventual queda. Por último, uma avaliação criteriosa dos medicamentos. Muitos remédios para pressão, para próstata, para incontinência urinária, memória, antidepressivos e para o coração podem estar relacionados com efeitos colaterais que provocam quedas.
A atividade sexual reduzida no envelhecimento, por conta própria ou por falta de opções, traz prejuízos?
A atividade sexual faz parte do círculo da vida das pessoas. Dentro do envelhecimento, a atividades sexual vai ter importância que teve a vida toda. Se a pessoa sempre teve uma atividade prazerosa, vai continuar assim no envelhecimento. Há particularidades de redução de lubrificação para a mulher e diminuição da potência para o homem, mas são dificuldades físicas facilmente contornadas e com medicação satisfatória, para quem tem interesse. A falta de desejo está mais relacionada à vida e à sexualidade de cada um. Casais parceiros com uma vida sexual boa e diálogo, mesmo com restrições, conseguem achar soluções.
Por que as mulheres têm mais dificuldade no envelhecer?
A dificuldade é por conta dessa carga enorme que a sociedade coloca em cima da estética e dos padrões femininos. O homem fica lindo grisalho e a mulher parece uma bruxa, segundo os comentários. Tem esse crivo muito forte da sociedade. Os signos do envelhecimento como cabelo branco, rugas e flacidez são padrões estéticos dilatados nas mulheres. Elas se sentem muito mais em dívida com o próprio envelhecimento, fica impossível manter um padrão estético irreal.
Qual seria o seu conselho?
O conselho para tirar esse peso é para não se balizarem pela mídia, por discursos de pessoas que não estão vivenciando esse momento.
Estar ao lado de mulheres da mesma idade e que podem te acolher com sororidade, discutir questões ligadas ao climatério, as rugas, a falta de lubrificação vaginal, compartilhar ajuda muito. Procurar modelos e trocas francas com pessoas que estão tendo um envelhecimento real. Ajuda ter outros capitais, como afetivo e intelectual, além do estético.
Qual a importância de bons relacionamentos na velhice?
Posso citar um estudo da Universidade de Harvard, que continua até hoje, e que acompanha homens desde jovens até o envelhecimento. Hoje muitos ainda vivos têm mais de 90 anos. Eles olharam para os que envelheceram bem e com boa saúde para ver o que tinha determinado essa condição. E não foi a riqueza, estilo de vida ou ter menos problemas de saúde. O principal era ter bons relacionamentos sociais e familiares a partir dos 50 anos. É bonito constatar que manter esses vínculos positivos após a aposentadoria é um preditivo de bom envelhecimento.