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Povia quer desestatizações este ano

Nacional

Povia quer desestatização de portos neste ano

13 de junho de 2022 às 6:40
Leopoldo Figueiredo Enviar e-mail para o Autor

Em entrevista exclusiva ao BE News, secretário nacional de Portos considera “perfeitamente factível” fazer os leilões de privatização de Santos (SP), São Sebastião (SP) e Itajaí (SC) até dezembro

O novo secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, do Ministério da Infraestrutura, Mario Povia, já tem definido alguns de seus projetos para a pasta. Ele falou sobre eles em entrevista exclusiva ao BE News, como parte da comemoração das 100 edições do jornal, completadas hoje. Povia revelou que o regramento da BR do Mar, o programa federal de incentivo à navegação de cabotagem (ao longo da costa), deve sair em até 40 dias. E a BR dos Rios, voltada à navegação interior, já está em seu radar. Mas, sem dúvida, as desestatizações portuárias são prioridade. Segundo o secretário, em relação aos processos envolvendo os portos de Itajaí (SC), São Sebastião (SP) e Santos (SP), algumas revisões podem ser necessárias. Mas, no que depender de Povia e sua equipe, esses três leilões saem neste ano, garantiu. Confira mais detalhes na entrevista a seguir.

Secretário, o sr. assume uma das pastas mais estratégicas do Ministério da Infraestrutura, responsável por boa parte das concessões realizadas pela pasta. E se vê com a responsabilidade de dar sequência ao programa de desestatizações portuárias, que apresenta um cronograma bem apertado. É possível cumprir o prometido pelo ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas e por seu sucessor, o ministro Marcelo Sampaio, e desestatizar os portos de Itajaí (SC), São Sebastião (SP) e Santos (SP) ainda neste ano? 

Respondendo a sua pergunta objetivamente, sim, é perfeitamente factível nós cumprirmos o cronograma e, este ano, conseguimos levar a efeito a desestatização dos três portos. O que ocorre é que nós entramos em uma esfera de incerteza. Não é um procedimento que depende exclusivamente da pasta ministerial.  Nós temos o órgão de controle externo (o Tribunal de Contas da União, o TCU), que vai avaliar isso. Nós temos o Poder Judiciário, que sempre pode ser chamado por uma medida liminar, pedir para refazer uma etapa ou suspender um procedimento. Mas eu diria a você que, em condições normais de temperatura e pressão, nós conseguiremos cumprir essa meta ainda em 2022.

Seu antecessor no cargo, secretário Diogo Piloni, havia dito que, diante da evolução dos trabalhos na Secretaria de Portos, o processo de desestatização de São Sebastião seguiria para o TCU em maio e os de Itajaí e Santos neste mês. Com a mudança no comando da secretaria, qual o novo cronograma?

Talvez tenhamos uma correção de rota de semanas, mas nada muito significativo.

Pelo que o sr. já pode conhecer dos três processos de desestatização, haverá necessidade de mudança em algum critério ou regramento?

A equipe é muito zelosa. A gente já tem aí um procedimento full, tratado nos portos do Espírito Santo, com a desestatização da Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo). Isso evidentemente traz uma curva de aprendizado. Já passa a ser um procedimento referencial para os demais. E a equipe é muito boa. Mas eu acredito muito nos estudos produzidos, na qualidade dos estudos. Talvez a gente tenha de adentrar um pouco mais no detalhe, pois qualquer diligência do Tribunal de Contas nos deixa muito no risco de perdermos o prazo. Talvez um, dois dias a mais, uma semana mais aqui, para a gente fazer uma checagem, fazer uma varredura no procedimento, ver se não tem uma planilha errada, talvez possa valer a pena para a gente não perder lá na frente. Essa é a cautela que, provavelmente, nós vamos tomar. A gente vai fazer aqui uma força-tarefa, digamos assim, para dar uma revisada nesses documentos. Eu pretendo também fazer parte disso. Quero dar uma olhada mais em detalhe, sobre como está o procedimento, para nos certificarmos de que não vamos ter nenhuma surpresa adiante, pelo menos naquilo que estiver no nosso radar, na nossa possibilidade de fixar contornos.

O fato desse processo  ser feito por uma equipe capitaneada por um ex-diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o órgão regulador do setor,  ajuda?

É sempre uma visão a mais, uma peneira a mais. É claro que a gente carrega conosco uma experiência, uma visão. O fato de eu também estar vindo de Docas agora, com uma visão mais operacional, de cais, isso tudo agrega algum valor. E a gente tem sempre a possibilidade de, não de mudar nada, a essa altura não se muda nada, mas talvez  de chamar a atenção para um pequeno detalhe, a inserção de um parágrafo, de uma observação, ou apenas um esclarecimento de dúvidas que poderiam vir a ser suscitadas pelo órgão de controle. Enfim, a ideia é sempre contribuir e jamais retardar o processo.

Secretário, o sr. também assume a pasta quando ela está prestes a concluir o regulamento da BR do Mar. Como está esse processo hoje?

Nós temos uma proposta de decreto em vias de ser encaminhado à Presidência da República – é aquele dispositivo da lei que demanda um decreto regulamentador. Nós temos uma portaria também que já está uma proposta de texto definitivo. E também as regulamentações no âmbito da Antaq parece que já estão bem azeitadas aqui com as equipes técnicas, tanto da secretaria como da agência reguladora. Eu quero crer que, talvez nos próximos 30, 40 dias, a gente esteja com essa página virada e, efetivamente, com isso andando. Há uma questão ainda para alinhavar com o Ministério da Economia, que envolve a questão do conceito dos contratos de longo prazo. Afinal, que longo prazo seria esse? Seriam cinco anos, dez anos? Mas é uma aresta que a gente deve aparar e virar essa página. Mas o importante é não deixar a equipe na zona de conforto. Não é porque publicou a lei que tá tudo em ordem. Vencemos aquela etapa de publicar a lei, que é uma etapa importantíssima, mas enquanto a gente não regulamenta, a gente não dá eficácia, que é ao fim e ao cabo o que importa. Eu estou bastante otimista com a navegação de cabotagem. Eu acho que, com essa regulamentação, a gente vai ter realmente uma possibilidade de dar um incremento à frota e, por consequência, trazer muita carga que tá hoje na rodovia e trazer para o aquaviário.

E quando começamos a perceber os primeiros resultados, os impactos da BR do Mar? A partir de 2024? Algo em 2023?

Eu diria que já em 2022 alguma coisa deve acontecer. Por exemplo, essas empresas que querem fazer investimento – a EBN-I (Empresa Brasileira de Investimento na Navegação). Para elas, praticamente tem um efeito imediato. Você já coloca empresas já focadas nisso, colocando recursos nisso e conversando com interessados, com o mercado.

A equipe do Ministério chegou a ser procurada por esses grupos?

Sim, já houve alguns contatos, alguns pedidos de esclarecimento e até algumas contribuições mais informais, para deixar o texto mais razoável, dentro do que se espera de uma dinâmica, um modus operandi para viabilizar isso. Eu penso também que a questão envolvendo as operações especiais, isso vai ter um efeito prático imediato. Imagino que empresas já vão começar a estruturar talvez algumas operações que, hoje, estão usando o modal rodoviário e para tentar migrar isso para o aquaviário. Imagino também que aquele processo de homologação, de qualificação dessas empresas na BR do Mar, isso também, de imediato, já deve ter aí demandas. Isso tudo agora, no segundo semestre de 2022, já começa. Agora, é evidente que nós temos um gap e para  gente a gente começar a enxergar isso, os efeitos disso, materializando isso em aumento de frota e aumento de capacidade, isso realmente, provavelmente, no decorrer de 23.

Outro projeto que sempre o sr. defendeu, especialmente quando diretor da Antaq, foi o desenvolvimento da navegação interior, tema do programa BR dos Rios. Como está a elaboração desse projeto?

As expectativas para a BR dos Rios são as melhores possíveis. Nós temos aí uma questão que vai nos exigir muita inspiração, que é desenhar modelos a la carte para as questões de como viabilizar um modal que não seja, em um primeiro momento, financiado por tarifa. A gente não quer, em um primeiro momento, tarifar a carga, pedagiar a carga na hidrovia. Até porque o que se deseja é estimular, em um primeiro momento. É possível que a gente trabalhe no modelo de parceria público-privada nesse primeiro momento, para financiar administrativamente. Talvez tenhamos de recorrer a um desenho de modelo onde a gente coloque na gestão alguém que já esteja ali, operando cargas. Alguém que tem a sua carga naquela hidrovia, ou alguém que esteja fazendo operações naquela hidrovia, ou alguém que realize obras naquela hidrovia, alguém “íntimo” daquele ambiente, para, em um primeiro momento, trabalharmos uma espécie de Evtea (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Administrativa), desenhando aí obras necessárias em curto e médio prazo.

Mas até onde iria essa parceria? Seria uma concessão?

A concessão, ela é desenhada para ser autogerida ou sustentável do ponto de vista econômico. Quando essa equação não fecha – e a principal receita de uma concessão é a tarifa -, você tem que lançar mão de uma outra forma de financiamento. Então esse concessionário estaria mais voltado para ser um parceiro-público-privado do que um concessionário em sentido estrito. Então, a ideia é, em um primeiro momento, tornar essas hidrovias navegáveis o ano inteiro, ou seja em regime de cheia e de seca, tornar essas hidrovias navegáveis durante o dia e durante à noite, dar segurança do ponto de vista safety e do ponto de vista security. Ou seja, termos segurança à navegação e conversar com a Marinha sobre a melhor maneira de sinalizar isso. E fazer obras em margem, dragar isso e ter um canal confortável para navegação, e também um sistema de comunicação, um sistema de patrulhamento que proteja a carga, principalmente na Região Norte – nós temos problemas agudos, lá, hoje, com segurança. Nós temos que trabalhar isso também. E aí também começamos a pensar o planejamento, embarcações-tipo, estimular estaleiros a produzir embarcações-tipo, chatas, comboios padrão.

Outros órgãos vão trabalhar com a Secretaria de Portos nesse projeto?

Vamos trabalhar com a Marinha no desenvolvimento disso. Trabalhar com a Antaq, que é o poder concedente, em um plano geral de outorgas, que contemple aí várias alternativas, desde uma concessão pura até uma parceria público-privada. Talvez trabalhar com um conselho. A gente estava pensando em montar o Conahidro, mais ou menos como tem o Conaportos, que reúne as autoridades do setor portuário. Conversar com a Agência Nacional de Águas e ver como funciona essa questão de outorgas, se vale a pena entrarmos em uma outorga de águas? Qual o bônus e qual o ônus? E também com o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Outra questão: qual o trecho?

Como?

Como vamos separar uma hidrovia. Se a gente desejar realmente explorar isso em trechos. o que faz sentido? Faz sentido também trabalhar isso de uma forma multimodal? Colocar um trecho de ferrovia com trecho de hidrovia, um trecho de rodovia com trecho de hidrovia. Enfim, é pensar de uma maneira fora do quadrado, que é o que o ministro Marcelo tem nos demandado, para a gente trabalhar nos limites das possibilidades. Não pensar de uma maneira muito ortodoxa. Buscarmos alternativas, sempre, é claro, dentro dos contornos da legalidade, algo que não precise de uma alteração legislativa muito densa, alguém que a gente possa levar para o Tribunal de Contas e construir juntos. E a gente conta muito, nesse trabalho, repito, com a Antaq, com o Dnit, com as equipes aqui da secretaria e, evidentemente, com o Parlamento. É bem possível que a gente tenha de fazer aí um outro ajuste legal ou, talvez, buscar uma rubrica orçamentária para financiar isso. Nós temos, inclusive, até algumas rubricas da privatização da Eletrobras. Tem alguma coisa destinada ao transporte. Talvez trabalhar com alguma coisa do Fundo de Marinha Mercante. Enfim, tem muita coisa para desenvolver. A nossa ideia é alguma coisa soltar este ano – pelo menos tentar montar o Conahidro, tentar montar uma agenda de trabalho. A gente sabe que isso não é muito fácil, isso não tá na prateleira e a gente vai ter que construir isso junto. Mas acho que nesses sete meses, vai dar para produzir alguma coisa e tentar deixar um legado. E contar sempre que o nosso sucessor venha com boa vontade, venha querendo dar continuidade, entendendo a infraestrutura como uma pauta de estado, independente de políticas ou de ideologias. É nesse sentido em que a gente está trabalhando, para que a gente possa dar uma continuidade de alguma forma.

O senhor acabou descrevendo uma linha de ação para a implantação da BR dos Rios, no mínimo, complexa. Sua ideia é entregar algumas ações nesses meses e deixar as demais preparadas para um eventual sucesso? É essa sua estratégia?

Não. A estratégia ainda não está montada. O que eu falei contigo é um grande brainstorm. Nós temos de analisar e essa será uma análise em conjunto – eu preciso da Antaq nessa agenda. Não pode ser apenas uma agenda interna da secretaria. Temos que ver o que a agência pensa em termos de timing, como ela está preparada para trabalhar esse plano de outorgas. E nós temos um caso bem adiantado aqui, na Lagoa Mirim (RS), – não posso chamar de projeto piloto porque aqui é muito específico daquela região, mas é algo no qual a gente já pode utilizar alguns conceitos que a gente tá pensando. Nesse momento, o ótimo é inimigo do bom. A gente precisa ir avançando em algumas questões. Por exemplo, me parece que o Conahidro é um consenso e a gente não precisa ter uma legislação, não precisa estar com a BR dos Rios pronta para criar o Conahidro. Dá para a gente avançar por aí. Ele vai ser necessário. E paralelamente, estamos trabalhando na estratégia da BR dos Rios. A estratégia em si, talvez a gente tenha em uns 20 a 30 dias, quando a gente sentar e  entender melhor qual vai ser a dinâmica, o que a gente poderá trabalhar primeiro. Ou, de repente, abrir várias frentes. Isso a gente tem de avaliar, ver o custo e o benefício e as dificuldades que vamos encontrar. De toda a forma, a gente pretende é avançar pelo menos no conceito, chegar a um entendimento. A gente precisa conversar muito com o pessoal que opera hoje, saber dos anseios, das potencialidades. Eu acredito muito no empreendedor que tá lá na ponta, gente que já vem desbravando isso, que já vem movimentando muita carga sem ter uma uma infraestrutura adequada. Então ouvindo esse pessoal, talvez a gente chegue aí a algumas conclusões.

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