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Todo dia é dia de despedida

Atualizado em: 2 de setembro de 2023 às 11:28
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor

 

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Você já se perguntou: e se eu morrer hoje? Estou vivendo a minha vida como eu queria? Difícil, não é? Esse é um tema geralmente puxado para baixo do tapete, mas deveria ser encarado com naturalidade para se viver melhor. Quando eu soube que Shirly Glikas, terapeuta xamânica e mestra em Reiki Usui e Tibetano, era doula da morte, fiquei curiosa em conhecer seu trabalho. Até então só conhecia doula da vida, profissional que ajuda nos partos. Nesta entrevista, ela revela a importância de lidar com as pequenas mortes do cotidiano, olhar para a finitude com sabedoria e fechar ciclos que já não fazem sentido. 

 

Qual é a sua formação?

Sou formada em Moda e Fotografia, queria ir para a área das artes. Comecei meu processo de autoconhecimento muito cedo, e quando percebi que poderia ajudar as pessoas a lidar com seus lutos eu encontrei meu caminho como doula. 

 

O que faz uma doula da morte?

Minha missão é ensinar a fechar ciclos, términos de relacionamentos, mudança de casa, de escola, de filhos entrando na adolescência. Temos que viver todos esses lutos, sacralizar e ritualizar a dor dessas mortes simbólicas. Quando você consegue se desapegar, vive a morte natural sem tanto sofrimento Só vamos levar daqui o que temos de conteúdo de vida.

 

Quando começou o interesse pelo tema?

A primeira vez que eu senti necessidade de falar sobre a morte foi quando meu marido, que é médico, estava com uma paciente na UTI e ficou muito desorientado. Eu pensei que era preciso prepará-lo para a minha morte. Fui procurar uma amiga que trabalha com foco em trabalhos paliativos para conversar e entender como eu poderia ajudar e me apaixonei pelo tema.

 

Onde foi a formação inicial?

No grupo Amortser, de Porto Alegre, criado por uma enfermeira que trabalha com foco geriátrico e com a morte. Todos têm dificuldade de lidar com a morte,  ela incomoda. Trouxe para meu núcleo familiar a palavra morte. Tenho dois filhos grandes e uma pequena e eles aceitam, brincam. Já deixei avisado tudo como quero ser enterrada, cuidada, quero que respeitem minha vontade. 

 

Não falar sobre a morte atrapalha?

Quando o tema não é falado, as pessoas perdem o tempo da despedida. Muitas vezes o paciente diz que quer morrer e que está cansado, mas a família finge que não vai acontecer. Não falam e não deixam seu ente querido mostrar o que está sentindo e o que gostaria. Quando você se conscientiza da nossa finitude, e é esse o meu trabalho, o que precisa ser feito flui. Quando há uma conscientização de que já se preencheu de vida, a pessoa vai embora mais tranquila.

 

Qual seu conselho?

É bom se preparar, fazer perguntas sobre nosso dia, sobre nossa vida. Será que estou me relacionando com amigos de verdade, que me preenchem? Acredito que todos os dias, independente dos desafios, das discussões e das nossas reflexões, temos que deitar e pensar que o dia valeu a pena. Quando aceito e curo meu passado, vou me preparando para o futuro. Eu vivo cada fechamento de ciclo, não quero voltar em tempo nenhum. 

 

No trato com familiares, amigos, terminais, como lidar? 

Se está próximo de alguém partindo, viva as últimas memórias com ele. É preciso abrir  o leque para as pessoas poderem falar sobre a morte delas. Paliativos não é só para seu fim de vida. Doenças também precisam de cura. Cura não é não ter nada; é viver de forma saudável com o que se tem.  

 

O envelhecimento é também um luto?

As pessoas não querem envelhecer. A pessoa de 50, 60 vive como 30, 40, mas pulou alguma coisa do caminho e não vai acolher a sabedoria dos seus aprendizados. A velhice ainda é muito desrespeitada, assusta porque nos aproxima da morte. Se não entendemos nossa idade, nossas limitações, as mudanças que chegam com a idade, não vivemos por inteiro.

 

Por que tanto medo da morte?

 Não temos medo da morte, temos medo de morrer, de perder a memória, de esquecer, do processo de fim de vida, de não deixar legados. A morte em si não é dolorida. Por isso é importante viver as mortes simbólicas para já ir vivendo aquela dor. Há mortes que rasgam o peito, mas abrem espaço para a luz entrar pela fresta. 

 

Como é o seu trabalho?

Faço atendimentos individuais, familiares, em empresas, atuo com conversas, práticas, meditações. Às vezes há um processo de pré luto, como no caso de demências, que precisa ser trabalhado enquanto é tempo. Se eu não começar a despedida, depois a pessoa já não está lá. É importante se permitir viver o luto, a dor, honre isso. O movimento tem que partir da pessoa, quando ela dá a permissão está pronta para acompanhar o que vier.

 

Menopausa é morte?

Para algumas mulheres sim, é o fim do mundo. Quando você caminha no feminino aprendemos que há o momento de dar luz a projetos e que há o momento de dar luz a você. Devemos viver o ciclo da maneira que ele está se apresentando. Por que não ir desacelerando quando seu corpo pede? A conscientização da finitude também traz isso. Resgatar pedaços que ficaram para trás, dançar, cantar, fazer teatro, fazer algo que me traga para a essência, refletir sobre o que se quer de verdade. 

 

E os arrependimentos que a vida traz?

Bronnie Ware é uma enfermeira que revelou os cinco maiores arrependimentos no final de vida. São eles: ter trabalhado demais, não ter me feito feliz quanto deveria, não ter ficado com amigos o suficiente, ter agradado mais os outros do que a mim e não ter tido coragem de falar dos sentimentos, bons ou ruins. Nos relacionamentos, as pessoas não sabem se comunicar, não querem magoar e guardam tudo. É tão importante falar eu te amo como você me aborrece. Hoje as pessoas estão sempre correndo, não valorizam o momento, é chique dizer que não tem tempo para almoçar. Desculpe, eu sempre tenho. 

 

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TAGS Reiki Usui Shirly Glikas terapeuta xamânica