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Cutrim foi o co-organizador do livro digital Manifesto ESG Portuário (crédito: Divulgação)

Sustentabilidade

“É possível ser sustentável e aumentar a rentabilidade”

20 de junho de 2022 às 6:58
Bárbara Farias Enviar e-mail para o Autor

Afirmação é de Sérgio Cutrim, co-organizador e um dos autores do livro digital “Manifesto ESG Portuário” e professor da Universidade Federal do Maranhão

O que é ESG? E ESG no setor portuário? Essas questões nortearam a elaboração do livro “Manifesto ESG Portuário”. Lançado pelo Grupo de Pesquisa LabPortos, no último dia 8, o livro tem por objetivo esclarecer o conceito ESG e sensibilizar a cadeia portuária para os princípios voltados à sustentabilidade, ao social e à governança (valores que, em inglês, formam a sigla ESG). O texto foi publicado pela Editora da Universidade Federal do Maranhão em formato digital e é gratuito. O “Manifesto ESG Portuário” é de autoria de um grupo de profissionais do setor portuário. É organizado pelo Prof. Dr. Sérgio Cutrim e pelo Prof. Dr. Leo T. Robles (UFMA), ambos autores juntamente com os coautores Profa. Dra. Darliane Cunha (UFMA), Prof. Msc Diego Lima Matos (IFMA), Dra. Flávia Nico (Secretaria Nacional de Portos), MSc Luane Lemos (Porto do Itaqui) e Msc Luciana Guerise (Associação de Terminais Privados ATP). Em entrevista ao jornal BE News, o fundador e coordenador do Grupo de Pesquisa LabPortos e da Especialização em Logística Portuária, Sérgio Cutrim, que também é professor da Universidade Federal do Maranhão, disse que, por meio deste livro, o grupo continuará com a “missão de conectar o setor portuário com a academia”.

Em “Manifesto ESG Portuário”, o senhor diz que o objetivo deste trabalho é sensibilizar o setor portuário para a agenda ESG, à adesão aos princípios dessa estratégia voltados ao ambiental, ao social e à gestão corporativa. Considerando que este é o primeiro livro voltado à área, por que vocês sentiram a necessidade de publicá-lo?

Existe uma demanda por informação qualificada sobre o que é o ESG e mais ainda sobre o ESG no setor portuário. Este tema vem evoluindo muito nas últimas décadas, passando pela filantropia, responsabilidade social corporativa, desenvolvimento sustentável, triple bottomline (aspecto ambiental, econômico e social), e agora, com o aumento dos riscos climáticos, surgiu esta adaptação e evolução para o modelo ESG. Nós estamos contribuindo para preencher esta lacuna, melhorando o debate técnico e científico e incentivando as organizações do setor a aderirem a este modelo.

Os portos são a conexão de um país com a economia global. E para serem competitivos no comércio exterior, os portos e as empresas privadas que atuam na cadeia fazem vultosos investimentos em infraestrutura operacional e logística para ter capacidade de carga, armazenagem, movimentação e transporte de excelência e eficiência. Considerando a complexidade deste setor e os altos investimentos demandados com foco em oferta de serviço e metas de lucro, é possível conciliar negócios, sustentabilidade e uma gestão que equilibre economia e preservação ambiental?

Existia um mito de que as ações de sustentabilidade eram apenas um centro de custo, talvez no passado. Isto não representa mais a realidade. Nas organizações modernas não existe uma estratégia organizacional e uma estratégia de sustentabilidade, de forma apartada e estanque. É possível que as organizações adotem uma estratégia de sustentabilidade e ao mesmo tempo aumentem a sua rentabilidade. Há alguns anos, se perguntássemos qual a missão de um porto, a resposta seria movimentar carga. Em uma visão moderna, contemporânea e inovadora, os portos têm como missão desenvolver a economia regional por meio de conexões com as cadeias de suprimentos internacionais, mantendo a sua lucratividade. Um porto pode vender movimentação de carga, energia elétrica para abastecer navios atracados, energia para complexos industriais portuários, créditos de carbono, oportunidades para startups, consultoria, educação e muito mais. Um porto pode fazer isto de forma isolada, porém, será mais fácil e eficiente se também utilizar outras formas, como parcerias, fundações, institutos, associações e projetos de inovação aberta. Diversas pesquisas já comprovam que, na média, as organizações que são sustentáveis têm uma rentabilidade maior do que as que não são. Então, sim, é possível ser sustentável e aumentar a rentabilidade.

Quanto à questão socioeconômica do setor na relação porto-cidade, o mercado de trabalho portuário já demandou diversas categorias profissionais e postos de trabalho, mas, com a automação e a inovação tecnológica nas operações, na logística e no setor administrativo, consequentemente, as ofertas de emprego reduziram drasticamente ao longo dos anos. E a barreira de recolocação nesse mercado tem dois aspectos. O primeiro é a redução, quase extinção, de vagas voltadas aos trabalhadores de baixa qualificação no serviço operacional, que é o caso dos avulsos. O segundo é a oferta de vagas que exigem qualificação e a falta de profissionais qualificados. Considerando o conceito ESG, o quanto a cadeia portuária precisa e pode avançar para agregar o social na relação porto-cidade, mitigando os impactos negativos na cadeia socioeconômica?

As questões social e de governança continuam sendo as grandes oportunidades de desenvolvimento sustentável, pois já existe todo um arcabouço regulatório, institucional e de prática das empresas em relação à questão ambiental. O risco climático já está quantificado e está na agenda das grandes lideranças. Sobre o tema social, especificamente sobre o tema mercado de trabalho, os portos podem adotar um papel de direcionador de desenvolvimento. Existem portos no Brasil que só possuem projetos e ações de qualificação para os seus próprios colaboradores. Porém, existem portos que executam projetos de qualificação para diversos stakeholders, inclusive para as comunidades do entorno das instalações portuárias. Posso citar dois exemplos, a Vale e o Governo do Estado do Maranhão implantaram no Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (Iema), o primeiro curso de vulcanização do Brasil, o Porto do Itaqui criou no seu programa de inovação  o projeto de Residência Portuária, primeiro projeto no Brasil que concede bolsas para os alunos de fomento à pesquisa, incentivo à inovação e preparação de profissionais maranhenses para o mercado de trabalho nos setores marítimo, portuário e logístico. A migração de oferta de empregos operacionais para empregos mais qualificados sempre ocorreu e vai continuar ocorrendo. A questão é, o que os portos podem fazer para ajudar na transição deste mercado de trabalho?

Além do mercado de trabalho, há outras iniciativas no social em que o setor poderá aplicar o conceito ESG?

Existem muitas, é quase impossível listar todas as alternativas aqui, mas vou citar algumas: construção da matriz de materialidade; publicação de relatórios de sustentabilidade com o padrão da GRI (Global ReportingInitiative); criação de fóruns de governança envolvendo toda a comunidade portuária; programas de diversidade, equidade e inclusão; programas de compliance; criação de incubadoras e aceleradora de startups; obtenção de selos e certificações de sustentabilidade e gestão ambiental; políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação; criação de política de sustentabilidade; inserção da sustentabilidade no planejamento estratégico; criação de métricas de sustentabilidade; inclusão das métricas na remuneração variável dos colaboradores;  criação de programas de inovação aberta; programas de transição energética para energias renováveis; criação de um plano de gestão e engajamento de stakeholders;melhorias na comunicação com a sociedade de forma mais pró ativa; integração dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) na estratégia, etc.

Sobre o terceiro pilar da estratégia ESG, o conceito de governança corporativa seria o mais complexo a ser implementado nas empresas públicas e privadas? Por quê?

A governança é a grande diferença do triple bottomline para o ESG.Ela é mais difícil porque envolve aspectos que não são resolvidos com a publicação de uma norma ou portaria. Está relacionado com a cultura organizacional. A ‘nova governança’ é um direcionador para uma nova cultura organizacional, atemporal, de forma perene e que contribui para a relação porto-cidade. Ela pode ser estratificada em micro governança e macro governança. A micro governança diz respeito ao modelo de gestão da organização, ao conjunto de processos, estruturas, forma de organização, conjunto de indicadores, sistemas de remuneração atrelado aos princípios da sustentabilidade e regras de controle, incentivo e relacionamento entre os shareholders (acionistas). A macro governança diz respeito ao modelo de relacionamento da organização com os stakeholders (grupos de interesse como sindicatos, comunidades, estudantes, etc…)

 

Onde seria mais difícil a adesão ao conceito, na gestão de uma empresa privada ou pública? E por quê?

Acredito que a dificuldade não está em se a organização é uma empresa pública ou privada. A diferença está no modelo de gestão e no contexto. O setor privado tem a vantagem da velocidade na tomada de decisão e de maior liberdade de atuação. O setor público tem a vantagem do melhor alinhamento das questões sociais com a estratégia.

O “Manifesto ESG Portuário” para uma das mais complexas cadeias produtivas que é o setor portuário é um documento que pode se tornar um divisor de águas neste mercado?

 Sim, da mesma forma que a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) publicou, em 2011, sob a gestão do diretor geral, Fernando Fialho, o livro “O Porto Verde”, de forma inovadora, nós fizemos a publicação deste livro que é seminal na área portuária. E é apenas a primeira de uma série de produtos que iremos ofertar para a sociedade e a comunidade portuária.

Quais são as suas considerações finais para o setor e aos leitores?

A sustentabilidade pode ser vista como um princípio e uma competência.Como princípio, deve fazer parte de todos os aspectos da nossa vida, familiar, com a comunidade, com os amigos, etc. Como competência, deve ser perseguida por todos os profissionais, independentemente da área de atuação, se é da área ambiental ou de operações ou financeira. Deve estar na lista de prioridades de aprendizagem e experiências.

Onde os leitores podem obter o livro “Manifesto ESG Portuário”?

O livro segue a missão do Grupo de Pesquisa LabPortos: conectar o setor portuário com a academia. Por isso disponibilizamos de forma gratuita e digital no link: https://rebrand.ly/manifestoesgportuario.

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