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A menina tímida que venceu os desafios

Atualizado em: 21 de outubro de 2023 às 10:33
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor

A economista e doutora em Arquitetura e Urbanismo Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, estava em casa no domingo quente (15), em Brasília, quando soube por um grupo de WhatsApp do seu nome na Lista Forbes das 100 Mulheres Doutoras do Agro. 

Foi o melhor presente que poderia ter recebido no Dia do Professor, profissão que abraça com paixão nas aulas virtuais para mais de 500 alunos dos cursos de Gestão do Agronegócio, de Gestão de Recursos Humanos e de Processos Gerenciais, nas disciplinas de Fundamentos de Logística e Transporte e de Comportamento Organizacional, na Faculdade CNA.

Naquele momento foi difícil segurar a emoção e as lembranças de sua trajetória com tantos desafios. Nascida e criada em Brasília, é filha de Geralda e José Lopes, da cidade de Piancó, Interior da Paraíba, que escolheram a capital do país para abrigar seus sonhos e a família.

“Meus pais são primos legítimos, minhas avós maternas e paternas são irmãs. Eles já se gostavam. Minha mãe veio primeiro para Brasília e meu pai estava trabalhando no Rio de Janeiro, quando ela soube que ele ia ficar noivo. A mãe não aceitou e de um telefone orelhão disse que ele ia se casar com ela. E ele veio e não saíram mais daqui, estão juntos há 47 anos. Meu avô materno veio como candango para ajudar na obra da construção de Brasília e trouxe a família, e jamais mais voltaram”, conta.

Elisangela também relembrou durante a entrevista, entre lágrimas, uma presença muito especial na sua vida: a avó Severina Pereira, que na verdade era irmã das suas duas avós. “Ela perdeu sete filhos, o último na véspera de viajar para Brasília, mas veio para cá com toda essa dor. Ajudava meus pais e outros sobrinhos lavando e passando suas roupas. Começou a cuidar de mim desde pequena, e ficou comigo até os meus 39 anos. Quando resolvi fazer faculdade meu pai foi contra, queria que eu fosse missionária da igreja. Minha avó o enfrentou e me disse que me ajudaria com as passagens de ônibus e as mensalidades”.

Escolher a profissão foi pura sorte. “Como vim de uma família muito humilde, não conhecia as opções. Na época, minha prima Maria Graziella era aluna de Pedagogia em uma faculdade particular de Brasília e me incentivou a fazer o vestibular lá. Já tinha me formado no nível médio, em técnica em Administração e resolvi cursar Economia”. Eu precisava trabalhar, aliás, faço isso desde meus 13 anos. Iniciei minha vida profissional, nos negócios da família, primeiro nas lojas de calçados e fabrica de chinelos do meu tio Vicente e depois como feirante, junto à minha mãe”. 

No segundo semestre da faculdade, uma amiga da família (Luzinete) lhe conseguiu uma vaga de estágio no GEIPOT (Grupo de Integração para a Política de Transportes), e ela não pensou duas vezes. Poderia ter sido bancária se tivesse passado na seleção do Banco Itaú, mas seu caminho era outro. A saída coincidiu com a extinção do Grupo, mas em 2001 foi selecionada para uma vaga temporária na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), onde atuou até 2006. O destino mais uma vez estava a seu favor: Dona Telma, chefe do RH, conhecia seu trabalho desde o estágio na GEIPOT e já separou seu nome.

Foi a amiga Nathercia Guimarães, Teca,  que sugeriu que fizesse o mestrado. Elisangela confessa que nem sabia o que era. “Como eu fui a primeira neta graduada da família, achava que o ensino terminava com a faculdade. Passei pelo processo de seleção, e as dificuldades surgiram, porque  trabalhava 8 horas por dia e não tinha muito tempo, mas fui fazendo os créditos, e era uma aluna aplicada. Saí da ANTT e fiquei um ano com a bolsa do mestrado, que era bem pouco perto das minhas responsabilidades”.

Nesse período, exerceu a função de pesquisadora voluntária do Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru/UNB). E se encontrou: “Minha dissertação de mestrado era sobre transporte escolar rural. Era um projeto que até hoje garante aos alunos do campo e das áreas mais remotas, como quilombolas e ribeirinhos, o direito de acessarem a escola. Quando eu vejo um ônibus desses, sinto que a minha parcela de contribuição para um mundo melhor já foi realizada”.

Foi também Teca que sugeriu a vaga na CNA. “Fui aprovada na seleção e estou aqui há 14 anos. Um novo mundo se abriu quando começou a dar aulas na Faculdade CNA: “Resolvi fazer o doutorado pensando no meu futuro acadêmico. Gosto muito de estudar e costumo falar aos meus alunos que sou um case de sucesso de que a educação transforma as pessoas. Meus pais não tiveram essa oportunidade. Na minha colação de grau, meu pai disse que estava muito orgulhoso. E as frases que aprendi com minha avó Severina sempre me ajudaram a enfrentar as dificuldades e jamais desistir. Ela dizia: quem guarda tem e quem procura trabalho é trabalhador”.

Trabalho nunca faltou. Como assessora técnica da Comissão de Logística e da Infraestrutura da CNA, é responsável por essa área e qualquer tema relacionado com rodovia, ferrovia, portos, aeroportos, armazenagem, telecomunicações e energia. A menina tímida encontrou seu lugar.

Para ela, ainda há muito a ser feito quando se fala em logística e infraestrutura do Brasil como um todo. “O país ainda tem necessidade maturar sua infraestrutura. As regiões mais desenvolvidas, Sul e Sudeste, bem próximas dos portos, possuem maior densidade de infraestrutura de transporte, como rodovias, ferrovias e rios navegáveis, como o Tietê Paraná. Quando se trata das regiões de novas fronteira agrícolas, representadas pelos estados do Mato Grosso e Matopiba (acrônimo de Maranhão, Tocantins, Piaui e Bahia), onde está a maior produção de grãos do país, essa infraestrutura é muito mais espaçada e não consegue atender a demanda de transporte, resultando em aumento do custo logístico”.

Muitos dizem que o Brasil é rodoviarista, mas Elisangela aponta outra direção: “As nossas estradas estão em péssimas condições, como já foi provado nos estudos da CNT. Pouco mais de um décimo das nossas rodovias é pavimentada. Temos que continuar fazendo manutenção das nossas estradas e aumentar a oferta de modos de transporte com maior capacidade de carga, que produzam economias de escala. Isso envolve regulamentos que produzam segurança jurídica para que a iniciativa privada possa investir”.

Cita, ainda, a necessidade de investimento no transporte aquaviário e ferroviário: “De tudo que é movimentado em ferrovia, 18% é agro, o resto é minério de ferro, é muito pouco. Quanto as hidrovias, ainda não temos, somente rios que navegamos por alguns períodos do ano. Sofremos para ser eficientes, por isso o nosso custo é 30 a 40% por maior que os nossos concorrentes”.

Elisangela confessa que ama Brasília, mas mesmo gostando do Parque da Cidade, do Eixão do Lazer, do Lago e vários monumentos de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, seu lugar preferido é a casa dos pais: “Fica a 25 km da minha casa, mas vou para lá todo final de semana. Tem mangueira, pé de graviola, jardim com plantas, minha cachorra. É onde encontro meus irmãos, Elisabeth e Felipe e curto a grande paixão da minha vida, Maria Julia, minha sobrinha de dez anos. É o lugar que eu me sinto segura ao ver que todos estão bem”.

Gosta de rock e viajar é seu hobby: “Quero explorar o mundo, eu tenho sede pelo novo, de conhecer as culturas dos países. Adoro museu, arquitetura, paisagem urbana e história. Meu sonho é visitar as pirâmides de Gizé, no Egito e a Grande Muralha, da China. Minha viagem mais inusitada e inesperada foi ao campo de concentração de  Auschwitz, na Polônia, uma experiência que levo para a vida. Lá está a frase atribuída a criança desconhecida: amanhã fico triste, amanhã. Hoje não. Hoje fico alegre (…) e procuro lembrar disso todos os dias. Naquele lugar, pela primeira vez visitei uma estrutura logística que me trouxe pesar. Falo do fim de uma linha de trem, hoje desativada, que conduziu milhares de judeus à morte, durante o holocausto”.

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