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Imagens do Porto ou da vida?
O arquiteto e fotógrafo Marcos Piffer já publicou 27 livros com foco nas cidades e no meio ambiente do Brasil, mas “O Porto de Santos no século XXI” e o recente “Porto de Santos” trazem a marca de uma história familiar muito especial.
O carinho pelo tema tem nome e sobrenome: Carlos Alberto Piffer. “Meu pai trabalhou no porto a vida inteira, ele entrou na Cia Docas em 1956 para ser o engenheiro responsável na Ilha Barnabé, onde ficou por seis anos. Depois veio para a margem de cá do Porto e foi crescendo na empresa até chegar a diretor de tráfego, isso em uma época em que nem se sonhava com Informática”.
Piffer comenta que o pai era o homem de confiança, chamado para ocorrências inclusive de madrugada, sábados, domingos e feriados. “Pegou fogo no Ais Giorgis? Chama o dr. Piffer. Ele era muito querido, tratava a todos com carinho e respeito, era o cara da logística. Só voltava para casa com o problema resolvido. Aquilo era a vida do meu pai, ele gostava tanto do porto que nos finais de semana muitas vezes nos colocava no carro e íamos passear por lá”.
Quando o pai se aposentou, com 83 anos, ainda foi trabalhar como consultor até seis anos antes de falecer, atuando na Mesquita e na Deicmar. Por toda essa trajetória, quando recebeu o pedido de fazer um livro de fotos sobre o Porto de Santos e com textos e imagens históricas, ele sabia o caminho, e pensou em homenagear o pai abrindo o livro com imagens feitas por ele nos anos 1950 e 1960.
“Meu pai foi um fotógrafo amador muito bom, ele e o irmão pesquisavam sobre fotografia já nos anos 40, revelavam filmes dentro do armário da minha vó e ela ficava brava porque sujavam.
As nossas fotos familiares são de uma qualidade incrível. Como ele gostava muito de fotografia, levava a pequena câmera para o trabalho e documentava o que via. Lembrei dessas fotos e fui buscar os negativos guardados em uma caixa de sapatos. Minha filha Anita que estava fazendo Arquitetura na época ajudou a garimpar e organizar”.
O material precioso foi surgindo e Piffer conseguiu identificar fotos que contavam histórias, não eram apenas imagens fragmentadas. Encontrou fotografias que mostravam o passo a passo de uma queda de guindastes destravados pela falta de cuidado, um petroleiro que pela primeira vez descarregou com três dutos, a salvatagem de uma barcaça que passou na frente de um navio e afundou, a instalação da segunda linha subaquática ligando a Ilha Barnabé ao Saboó, as pessoas, as roupas, era tudo muito interessante e um registro dos anos 50 e 60 no porto”.
Piffer sentou com o pai e foi só começar a gravar, estava tudo na memória. “Selecionei dez histórias para abrir o livro, usei sete. Foi um processo emocionante revelar esse legado tão rico. O livro ficou maravilhoso e ele muito feliz por colaborar. O porto muda muito, outro dia encontrei uma linha férrea gigante que já está toda interna e eu não conhecia. Nosso porto é inesgotável, tem uma geografia diferente de qualquer outro lugar do mundo. Temos aquela extensão toda passando pelos bairros, Ponta da Praia, o Valongo, a Alemoa, o Saboó…”.
Quando foi fazer fotos do porto pela primeira vez para o seu primeiro livro “Santos – Roteiro lírico e poético”, o pai conseguiu um crachá para que ele pudesse circular à vontade. Hoje os tempos são outros e muito burocráticos, e Piffer acredita que isso distanciou o porto da comunidade, e que é importante resgatar essa ligação mais próxima.
Escolher Arquitetura foi uma forma de ficar mais perto da fotografia e de projetos sociais. Até tentou trabalhar durante dois anos como arquiteto a convite de um dos professores da FAUS e venceu um concurso do BNH como melhor projeto de Habitação de interesse social, mas resolveu ficar com o chamado da verdadeira vocação.
E as novidades não param. Ele já está buscando patrocínio para um livro pronto com fotos de São Sebastião e tem o que considera seu melhor trabalho: a tese de doutorado. “Acabei de terminar o doutorado, aos 61 anos. Eu me formei pela sagrada FAUS, que hoje nem existe mais, virou um curso de Arquitetura qualquer. Foi a melhor escola particular de arquitetura deste país, fui aluno do Cristiano Mascaro e de Maurício Nogueira Lima, entre outros”.
Para concluir a tese, foram quatro anos. O tema são os objetos que ele coletava na praia, ao entardecer e nas madrugadas. “Coletei 3.700 objetos ligados à infância (desses 10% estão guardados em sacos no seu estúdio). Fiz uma edição de apenas 12 exemplares e estou tentando realizar uma exposição pelo Sesc, mas ainda não tive resposta. Nessas imagens eu falo de crianças, de meio ambiente, de plástico na natureza, de desigualdade social. É de uma complexidade grande, por isso considero meu melhor trabalho”.
Marcos bem que tentou morar em São Paulo por duas vezes, mas resolveu ficar em Santos e nunca se arrependeu. “Tem gente que acha que eu estaria melhor se tivesse saído. Talvez estivesse melhor financeiramente, mas acho isso uma bobagem. Fora daqui não teria a tranquilidade que eu preciso para criar e pensar minhas coisas. Eu procuro simplicidade na vida”.
Para ele, o fotógrafo é quem empresta os olhos: “Eu vivo vendo coisas e mostrando para as pessoas. Não ando com a câmera sempre comigo, mas penso a fotografia 24 horas por dia e gosto mesmo é de fotografar as coisas banais da vida. Agora, depois de dois anos de muitas viagens, falei para minha esposa Mônica que gostaria de descansar. Mas sei que o chamado da fotografia continua, em março irei participar de uma expedição para subir o Monte Roraima. Eu olho algo e penso: puxa, eu preciso ter essa imagem para mim. Parece meio egoísta, mas depois eu sei que vou compartilhar”.
(Os livros podem ser encontrados nas grandes livrarias. Contato do autor: (13) 99711-9889)