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No silêncio, o encontro

Atualizado em: 7 de janeiro de 2024 às 13:09
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor

O silêncio faz parte da vida da eutonista, escritora e professora de mindfulness Andréa Perdigão. Autora do livro de entrevistas “Sobre o silêncio”, com depoimentos de Fernanda Montenegro, Ferreira Gullar e Arnaldo Antunes, entre outros, ela durante a pandemia passou por uma experiência difícil com uma vizinha abusiva, violenta e intimidadora que resultou na obra “Insana”. Nesta entrevista, ela alerta para a importância do silêncio como um lugar de pausa no cotidiano. “É na zona de silêncio que saímos de padrões fixados e buscamos o que importa verdadeiramente para nós”, ela ensina. Confira

O que é o silêncio para você?

Silêncio é o espaço onde se conecta com nossos desejos, nossos anseios, nossa grandeza, nossos encontros. É o espaço onde a vida acontece. Quando o silêncio é atravessado o tempo inteiro por um som violento e agressivo, adoece. Em termos de meditação, se não fosse por ela não sei o que teria sido de mim, mesmo no meio do caos é possível acessar uma certa zona de silêncio em mim em qualquer lugar, como por exemplo dentro de um carro. 

 

Como o silêncio é percebido?

A percepção do silêncio é semelhante à percepção corporal, ambas acontecem de maneira inconsciente. Nós só percebemos o silêncio quando o barulho acaba. Silêncio não é uma ausência (do som, do ruído ou da fala), mas sim um estado de presença, o espaço da escuta da alma, e é isso o que sobra quando não há som algum. Estar em silêncio não é estar mudo e calado necessariamente, mas pode, sim, significar estar presente, com sentidos aguçados e escuta atenta. 

 

Por que é tão difícil valorizar o silêncio?

Geralmente estamos permanentemente ligados a uma série de mídias, conectados, atualizados, e quem não estiver antenado e à disposição de toda essa parafernália é quase considerado um ser humano de outro planeta, ou um profissional pré-histórico. O ruído de tantas regras está transformando a “espontaneidade” num comportamento em extinção e o excesso de informação nos chega na mesma velocidade em que as descartamos, ao mesmo tempo em que todos os aparelhos (que tanto ajudam a nossa vida por um lado) nos constrangem a sermos cada vez mais rápidos em nossas ações e nossos aprendizados.

 

Mudou o seu olhar para o silêncio depois da experiência que viveu e retratou no livro “Insana”?

Só fortaleceu a importância do silêncio na experiência que vivi durante meses. De alguma maneira eu já sabia que o silêncio está impregnado de tudo que nos acontece. Está impregnado das emoções, das solidões. Percebi que um nível de silêncio no ambiente em que moramos é fundamental. E também existe uma diferença fundamental entre um ruído e um ruído com violência.

 

Na narrativa do livro “Insana”, você saiu de sua casa para buscar o silêncio?

Todos merecem ter um lugar para onde retornar e encontrar um pouco de silêncio. Essa zona de silêncio você pode preencher com o que você quiser e a falta disso é desorganizadora. Quando eu saí da minha casa, tentando fugir da situação, não fui só em busca de silêncio, fui em busca de me afastar de um grau de doença mental e violência que estavam me intoxicando. 

 

Início de ano é tempo para exercitar mais o silêncio?

Depois de um período conturbado de final de ano, onde todo mundo corre contra o tempo e as pessoas acrescentam mil funções e ampliam o estresse que já existe o ano inteiro, o silêncio é uma ferramenta poderosa para nossa autoconexão, é um tempo para  encontrar a zona que nos conecta com a gente. 

 

O silêncio pode ser assustador?

O espaço para a pausa foi abolido da nossa existência. O nada, assim como o silêncio, angustiam. Na hiper-realidade em que estamos mergulhados, na qual não faltam distorções de percepções e valores, o silêncio é sinônimo de incomunicabilidade, mudez, de falta de atitude, fraqueza ou depressão. Não conseguimos diferenciar mais aquilo em que efetivamente acreditamos daquilo que nos é imposto como verdade.  Guiados pelo senso comum, o espaço da diversidade fica restrito, e com ele vai-se embora a tolerância. 

 

Com tanta exposição, como ficar bem?

Não é bom atuar somente para fora no mundo da performance, da eficiência, das metas, da (negação do envelhecimento) juventude, da estética. Há uma histeria para mostrar para o mundo que você é feliz, que está ótimo, que tem pensamento positivo, que tem um sorriso no rosto. Isso é cruel. E como está você mesmo? 

 

Silêncio pode trazer tristeza?

Para aqueles que se aventuram a atravessar esse primeiro momento, uma outra zona se abre, onde a ansiedade, a dor, a solidão ou o pensamento compulsivo dão lugar a um estado de consciência expandida. É uma zona mais neutra, onde podemos viver e experimentar o nada e desse nada ser criativo, por que não?

 

A experiência do silêncio é diferente para cada um?

O silêncio total não existe. Podemos medir o grau de ruído, a intensidade de um som, e quanto menor tal intensidade, maior será o silêncio. Mas se olharmos o silêncio como o fundo, ele varia de uma pessoa para outra e de uma experiência para outra. Não há diálogo sem alternância de silêncios. Uma pessoa fala e a outra escuta, depois isso se inverte. Para escutar ao outro é preciso silêncio – silêncio de voz e de pensamentos. O silêncio é peça fundamental para a qualidade da comunicação entre as pessoas. Há uma verdadeira epidemia de surdez humana, pessoas que não se escutam verdadeiramente.

 

O que traz o silêncio?

Silêncio é a busca do repouso atento da alma, é preciso entrar nele para limparmos o entulho mental e energético que nos habita e tanta vezes consome, para que o frescor da experiência seja restaurado e a verdade de cada ação possa existir.  Se habituados a pensar sempre de um mesmo jeito, podemos esperar sempre a mesmas coisas das pessoas, da vida, do desenrolar dos acontecimentos, amarrando gentes e atitudes numa repetição sem nenhuma criatividade nem esperança. Viver acomodado nos engessa. 

 

Meditar é um exercício de silêncio?

Meditar é um exercício que busca alargar esses momentos, expandir essas frestas, gerar um estado interno mais disponível para as eternidades, e, mais uma vez, não necessitamos de condições isoladas do mundo ou perfeitas para que isso se dê. Inserir silêncio no mundo de dentro para fora é uma atitude de amor, é ampliar nossa escuta através do esvaziamento do pensamento, limpando-o do excesso de atividade, um belo treino de desapego ao nosso entulho mental. 

 

Qual a sua dica para exercitar o silêncio?

Reserve um tempo diariamente, nem que seja um minuto, para fechar os olhos e apenas sentir a sua presença. Apenas respire, sinta a sua respiração, ou então sinta alguma parte do seu corpo, como as suas mãos, por exemplo. Um minuto para apenas sentir. Esqueça o celular, a televisão, qualquer compromisso, e tente neste momento não ouvir nenhuma música. Veja como esse minuto pode trazer a sua sensação de presença de volta rapidamente. 

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