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E tudo começou em Paranaguá

Atualizado em: 24 de fevereiro de 2024 às 11:05
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor

Certa vez, as três filhas – na época adolescentes – da advogada Jacqueline Andréa Wendpap queriam muito ir ao Rock In Rio. Como ela agendou compromisso no Rio de Janeiro para o mesmo período, não teve dúvidas. Levou as três para o trabalho e, à noite, foram ao show. No dia seguinte, voltaram todas para Curitiba e Jacqueline foi direto para uma reunião no Porto de Paranaguá.

Fazer com que as meninas participassem, quando fosse possível, do seu trabalho e o entendessem foi a forma que ela encontrou para driblar a falta de tempo e a culpa. “O que me ajudou foi minha mãe, que sempre trabalhou e é o meu exemplo da mulher que vai à luta”.Em outra ocasião, saiu de Curitiba logo cedo com o coração apertado para uma audiência em Ribeirão Preto (SP), deixando a filha caçula com a perninha vermelha. Mal o avião pousou em Congonhas, o marido ligou e disse que estava saindo do médico e que ela precisava voltar. A pequena estava com uma infeção no osso da perna. “Foi um conflito, mas priorizei a minha filha, claro. Consegui localizar um advogado para me substituir na audiência e peguei um voo de volta”.

A família continua sendo prioridade. Além do marido e das filhas, tem três netos que tenta ver sempre que possível: Gabriel, Vitória e Nicholas, respectivamente com 5 anos, 2 anos e meio e um ano e meio.  “Sempre arranjo tempo para ficar com eles, não falto em aniversários. A tecnologia ajuda, minha neta pede para falar comigo por vídeo diariamente. Meu atual marido tem três netos também, dividimos as atenções com todos”.

Jacqueline nasceu em Toledo, no Paraná, é formada pela Universidade Federal do Paraná e fez MBA em Negociação na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Atualmente faz consultorias para projetos portuários, é diretora executiva do Instituto Praticagem do Brasil e presidente do Conselho de Administração da Portos do Rio Grande do Sul.

Experiência no setor, tem de sobra. Em Curitiba, abriu, em 1986, o escritório Wendpap e Advogados Associados. Contratava só mulheres. Atendeu em todo o Brasil nas áreas do direito portuário, marítimo, regulatório, concorrencial, cível, trabalhista e administrativo, durante 25 anos. Participou da implantação de vários sindicatos de operadores portuários e OGMOs (Órgãos Gestores de Mão de Obra) no país e da criação da Federação Nacional dos Operadores Portuários (atual Fenop). Contribuiu na criação e implantação da Lei dos Portos (Lei nº 8.630/93) e de outras importantes para o setor.

De 1992 a 1994, foi secretária municipal jurídica da Prefeitura de Paranaguá, a convite do prefeito Carlos Tortato, ex-presidente do Sindicato dos Conferentes do município. Pediu demissão e ficou como advogada da Fenop. 

Muito trabalho, estresse, filhas pequenas e viagens provocaram, em 2000, um problema sério de saúde, que mudou sua vida: “Fui parar na UTI durante sete dias sem diagnóstico, até hemorragia interna eu tive. Como fui melhorando, acho que foi um burnout absoluto. Por conta disso, resolvi tomar uma atitude diferente e, aos poucos, fui me desligando, avisando aos clientes com contratos mais complexos que deixaria o escritório com a minha sócia”.

Nos primeiros dois anos, afastou-se de tudo. “Eu sabia que precisava descansar e reordenar minha vida, podia não ter uma segunda chance. Durante algum tempo, ainda tive consequências da estafa total. Aprendi a não fazer nada e voltei às consultorias devagar”.

Em 2013, aceitou o convite para assumir como diretora Jurídica da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina, onde ficou até 2017. “Eu não sabia o tamanho do desafio. Havia um endividamento brutal do Porto, uma indústria de ações trabalhistas. Consegui formar uma boa equipe, reduzir o endividamento e equacionar outros, deixando frutos”.

Com as filhas morando fora e o marido em Brasília, percebeu que não queria mais ficar sozinha em uma casa enorme em Curitiba. Como nada é por acaso, aceitou o convite para assessorar Francisval Mendes, então diretor geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, em Brasília.  Na sequência, permaneceu seis meses no Porto de Santos a pedido do ex-presidente Casemiro Tércio Carvalho, para ajudar na questão da desestatização. Depois, voltou para a Antaq, no mesmo cargo, até a saída de Francisval, em 2020.

Ficou como assessora do senador Lucas Barreto durante seis meses até ser chamada para dirigir o Instituto Praticagem do Brasil, na capital federal. E está entusiasmada: “O Instituto tem várias propostas. No braço técnico, práticos podem fazer treinamento em dois simuladores de manobras de alta tecnologia, além da parte prática do Curso de Atualização para Práticos (ATPR), obrigatório pela Marinha. O Instituto também tem realizado o curso para os operadores das estações de praticagem, chamadas de atalaias”.

Para o público externo, diz, os simuladores permitem avaliar a eficiência e segurança de projetos aquaviários e portuários em simulações que precisam contar com a participação de práticos. Em 2024, por enquanto, estão previstos um estudo da Lagoa dos Patos e outro envolvendo todos os portos brasileiros.

Para ela, hoje o setor entende muito melhor o trabalho da praticagem e sua importância: “Existe uma máxima, na navegação, que o silêncio é o som da segurança. Ninguém fala sobre a questão técnica da praticagem porque o serviço brasileiro é de excelência no mundo. E, não fossem os investimentos próprios da atividade em estudos, tecnologias e treinamento, não teríamos a mesma eficiência e produtividade em nossos portos”.

Desde 2017 em Brasília, está feliz da vida: “Detesto frio, amo Brasília, fiz amizades muito verdadeiras e me sinto acolhida. Meu marido fica aqui e na fazenda, no interior de Minas. Quando estou sozinha, os amigos chamam para caminhar, almoçar, é uma delícia morar aqui”. 

Olhar para o passado traz aconchego: “Minha história de vida é de superação, bem brasileira, como foi a de meus pais, que fizeram faculdade já com os filhos grandes, e de tantos de nós. Eu só poderia ter feito faculdade se tivesse entrado na Federal, não tinha dinheiro para fazer cursinho e estudei com as apostilas da minha irmã. Fiquei em quarto lugar no vestibular. Tenho orgulho da minha trajetória”.

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