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João Lara Mesquita: o defensor dos oceanos

24 de setembro de 2024 às 1:41
Ivani Cardoso Enviar e-mail para o Autor

Criador do site Mar sem fim fala em entrevista exclusiva sobre sua história e sua luta pelo meio ambiente

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

João Lara Mesquita era pequeno quando começou a velejar com o pai, Ruy Mesquita, nas saídas para pescarias. Lembra da região entre São Paulo e Rio de Janeiro como uma pujante Mata Atlântica e, de tempos em tempos, aparecia uma praia paradisíaca isolada. Tirando o Rio, Santos e o pequeno núcleo de São Sebastião, o resto era nada.

Quando se deu conta da enorme mudança das últimas décadas e ficou horrorizado com a destruição do Litoral. “Como conseguimos tanta agressão? É um modelo de ocupação estúpida e difícil de aceitar. Claro que nas grandes cidades fica difícil escapar dos prédios, mas por que fazer isso em toda a costa brasileira como continua acontecendo?

A indignação se transformou em ação. Apaixonado pelo mar, onde reconhece ter passado os melhores momentos de sua vida, passou a navegar por toda costa e percebeu que estava acontecendo a mesma coisa no Nordeste quase inteiro e em outras regiões. “Fiquei pensando como eu poderia unir o prazer de velejar e trazer um bem, era o momento de mostrar essa realidade desconhecida. Eu vi que mesmo gente que estava sempre no mar, não respeitava, quando depois de um campeonato de velas em Ilhabela a raia ficou repleta de garrafas plásticas e latas de cerveja”.

Começou a buscar informações sobre o mar e descobriu que os cientistas diziam que o maior problema era a ignorância do mundo sobre os oceanos. “E estão certos. Não aprendemos na escola sobre o tema. O brasileiro associa o mar ao espaço de lazer e não pensa do ponto de vista ecológico. Fico triste quando vejo que cada vez que cai uma árvore na Amazônia repercute no Brasil e no mundo inteiro, mas se jogarem uma bomba no oceano ninguém vai comentar”.

Então começou sua cruzada para divulgar a cultura do mar. De 2005 a 2007 fez a primeira série para a TV Cultura navegando do Oiapoque ao Chuí, em etapas com paradas para editar o material, e revelando um triste cenário de destruição. “A viagem durou dois anos, mas eu fui perfeccionista para tentar conhecer todos as enseadas, todos os rios que desaguam na costa, sofri vários encalhes”.

Adotar uma estratégia foi a chave: “Quando eu ia para o Amapá, por exemplo, que tem uma costa de manguezal do começo ao fim, entrevistei os melhores especialistas em mangue; na Costa do Ceara, com dunas e falésias, fui entrevistar nas universidades quem entendia do assunto”.

Nessa primeira série (todos os documentários estão no site), foram mais de 70 horas de documentários sobre o litoral brasileiro e cerca de 50 depoimentos de especialista. “Aprendi tecnicamente para passar informações detalhadas e precisas”.

Para quem resolveu com 17 anos que desejava ser maestro e foi fazer formação acadêmica nos Estados Unidos, a mudança de rumo surpreendeu. “Percebi que não tinha talento e voltei para o Brasil. Não sou jornalista, mas a profissão é meio atávica por conta da minha família (Grupo O Estado de S.Paulo)”.

Para falar de questões ambientais, o que faz desde os tempos da Rádio Eldorado, João pesquisa diariamente fontes confiáveis sobre questões do mar em sites, teses, notícias e livros, principalmente do Exterior. Se deixarem, esquece da vida. Os temas das notícias no site são muitos: erosão das praias, destruição dos manguezais em benefícios de construções, animais marinhos, embarcações, naufrágios, desperdício mundial e consumismo, geleiras do Alasca, clima, poluição, plásticos e até, pasmem, o sexo dos pinguins.

Por conta de um câncer raro que apareceu em 2015, parou com as viagens, vendeu o veleiro e se dedicou ao tratamento, mas quando sarou logo em seguida veio a pandemia. “Nessa fase, muitas pessoas mudaram para outras cidades e, aqui no Sudeste, muitas foram morar em barcos. Quando eu fui procurar veleiro como eu gostaria, não havia ou então o preço era absurdo. Continuo procurando, mas ainda está difícil”.

Assim que der quer voltar a velejar. Ao longo das viagens pela costa brasileira de veleiro, fez uma rede de amigos por todo o litoral que mandam notícias e denúncias para o site. “Tive que abrir o leque de assuntos, se mantivesse só na questão do aquecimento global e da biodiversidade ficaria uma coisa muito chata. Como eu amo o mar desde sempre, li muitos escritores como Jack London, Mark Twain e outros. Pesquiso batalhas navais antigas, os primeiros navegadores, faço resenhas desses estudos”.

Mas o foco não é o passado, é o futuro que traz pesadelos. “Há situações preocupantes no Litoral Norte, a mudança física que acontece nas praias é muito rápida. Em um ano mudou tudo completamente e o mais urgente é tentar frear essa ocupação insustentável que estamos promovendo. A maioria das pessoas não percebe o que estou vendo. Quem não tem a visão do passado acha as praias lindas. Por isso encontrei uma brecha, não tem jornalista interessado em mar, zona costeira, preferem o pantanal, a zona de serrado.

Depois de 20 anos, o site continua seu porto principal. “Ele começou para que eu pudesse aproveitar e postar o material imenso que não saiu nos documentários, mas teve um crescimento que me espantou. Na pandemia, no ano de 2022, tive 600 mil visualizações por mês pelo Google Analytics e cheguei a 2 milhões no final do ano. Tenho orgulho do trabalho, até o Ministério Público do Sudeste usa o site como fonte de informação.

Esperança de mudar a realidade João ainda tem. “Se não tiver é melhor fechar a porta e ir embora, mas não e fácil. Um dia precisava responder uma entrevista sobre qual seria o pior problema que eu vejo na costa brasileira. Ficou nítido: é a especulação imobiliária, tem uma força tremenda, tem por trás a indústria da construção e a do turismo. Muitos prefeitos de municípios costeiros pequenos não têm informação para lutar contra a invasão de mangues, restingas, regiões que deveriam ser preservadas”.

E quando pergunto se não sofre pressões de empresários pelas denúncias, diz que não, mas por outro lado não consegue mais patrocínio para o portal. “Persisto independente, mas está difícil. Rodei o mercado aqui em São Paulo, bati em portas de várias empresas que têm envolvimento com a questão ambiental e não tive retorno, mas nem por isso vou desistir do meu trabalho”.

Para conferir:

https://marsemfim.com.br

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