De 6 X 1 para 4 X 3, parece uma tabuada, não? Mas essa “jornada” vai muito além

“No sétimo dia, Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou”

Gênesis 2:2

 

Ao fazer esse texto, quebro duas regras que adoto ao trazer semanalmente assuntos para nossa reflexão. Primeiro, fazer referência a texto religioso. Aqui o faço apenas pois foi o pensamento que me ocorreu quando ouvi falar desse tema pela primeira vez. A segunda é trazer um tema do momento, que se esgota ou se modifica após a fase crítica das discussões. Prefiro temas os quais, independentemente do tempo ou lugar, afetam a todos nós. Para provocar o pensamento crítico.

Mas essa proposta de emenda constitucional (PEC), que altera o Inciso XIII do Artigo 7 da Constituição Federal de 1988, tem tal impacto que não pode deixar de ser vista neste exato momento.

Vamos lá. Antes de mais nada, é preciso dizer que os números 6 X 1 (seis dias de trabalho e um de descanso) ou 4 X 3 (quatro dias de trabalho e três de descanso) funcionam bem para fazer o “marketing” do assunto, mas não são precisos. O que existe de fato é que a jornada de trabalho legalmente permitida hoje, no País, é a de 44h semanais.

Também é concreto que existe o DSR – Descanso Semanal Remunerado, que é assim definido na Legislação: “Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferencialmente aos domingos e …”.

Na prática, a PEC pretende reduzir a jornada semanal de trabalho para 36 horas, quando propõe que a Constituição seja reescrita assim: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, …”

Intui-se, pelo texto, que estaríamos falando de uma jornada diária de 9 horas de trabalho, se houver “a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;” ou (como oito vezes quatro são 32) que faltariam 4 horas a serem feitas num quinto dia. Aritmeticamente são as duas formas de fechar uma jornada de 36h.

A matemática parece tornar simples uma questão complexa.

Quem lida com o mundo do trabalho sabe que há um número muito maior de escalas de trabalho, como a 12 x 36, como fazem muitos profissionais de saúde e policiais, por exemplo, e os turnos ininterruptos de revezamento (de 8 horas cada, usuais nas indústrias, ou de 6 horas, como fazemos em nossos portos).

É um enorme desafio tentar acomodar múltiplas realidades, dos diversos tipos de negócios e regionalidades que existem, num único formato. Alguns dirão: “Essa mudança é para ser aplicada apenas onde é possível. Os demais permanecem como estão.”. Não funciona assim. Ou alguém tem dúvida de que esses “demais” também pleitearão reduções proporcionais, adequadas a suas realidades?

Se a determinados setores da economia e representações de trabalhadores, eles sentem que há espaço, dentro de suas realidades, para redução na jornada, porque não negociarem caso a caso, ao invés de alterarmos a Constituição?

Tivemos um grande avanço na Reforma Trabalhista de 2017, que foi a prevalência do Negociado sobre o Legislado. Será uma pena e uma enorme perda se voltarmos atrás nesse ponto.

Outro aspecto que temos que considerar é o custo dessa redução. Quem paga? Se tomarmos como base apenas a diminuição de jornada proposta, de 44 para 36 horas semanais, falaremos de um número quase 19% menor em termos de horas trabalhadas. Em outras palavras: uma pequena empresa, com, digamos, cinco empregados, teria – na prática – uma pessoa a menos trabalhando. Precisaria adicionar mais uma pessoa e seu respectivo custo. O problema é que quase 98% das empresas brasileiras são micro, pequenas ou médias, a maioria delas operando no limite de seus custos.

Considerando que muitas dessas mesmas empresas estão no setor de serviços, vejo que migrariam para um modelo virtual de operações, reduzindo lojas e espaços físicos, ou, muito pior, retornariam à informalidade de onde recentemente saíram após a criação das MEI’s e do Simples Nacional. A consequência, tenho certeza de que você já visualizou: redução no número de postos de trabalho.

Dois parágrafos atrás, disse que a empresa que quisesse manter seu nível de produção, precisaria de mais gente para compensar a redução de jornada. Eu ouvi você dizer: “Não dá para manter o nível de trabalho com a mesma quantidade de pessoal?”. Daria, mas a questão não seria mais de produção, seria de produtividade, de fazer mais com menos. E aí vem outro desafio desse modelo que a PEC pretende implantar: a baixa produtividade do trabalhador brasileiro. Cito dados do professor José Pastore, presidente do Conselho do Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio/SP: “O trabalhador brasileiro leva uma hora para fazer o mesmo produto ou serviço que um norte-americano consegue realizar em 15 minutos e um alemão ou coreano em 20 minutos”.

E completa: “Em termos de riqueza, o Brasil produz em uma hora o equivalente a US$ 16,75, valor que corresponde apenas a 25% do que é produzido nos EUA (US$ 67). Comparado a outros países, como Noruega (US$ 75), Luxemburgo (US$ 73) e Suíça (US$ 70), o desempenho do País é ainda pior”.

São tristes e difíceis afirmações, mas temos que encará-las. Não quero acreditar que nossa produtividade seja baixa por questões de (mau) comportamento, porque sei que o que realmente falta é educação de base para enfrentar as realidades do mundo do trabalho, qualificação profissional para o melhor desempenho e atualização frequente e constante nas técnicas e processos de trabalho.

Essas questões estruturantes, porém, não se resolvem do dia para a noite. Veja o que era o PIB da Coréia do Sul, comparado com o do Brasil, na década de 1950 e o que é hoje. Éramos mais ricos e hoje somos mais pobres como Nação.

Sendo muito cru em minha análise, não vejo um país gerando mais riqueza com menos trabalho. Por hora, vejo mais valor na discussão, na exposição clara e franca de ideias do que no mérito do tema em si.

Gostaria de ver a energia que estamos gastando na discussão dessa PEC aplicada à questões que nos tornassem, de verdade, um país e uma sociedade melhores. Mas se ela porventura seguir, que seja por uma das justificativas que fazem sentido na proposta: “quem trabalha vai ter mais tempo (…), para os estudos, (…), vão aproveitar melhor o tempo”.

Atenção aos próximos capítulos.

Compartilhe:
TAGS