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terça, 07 de maio de 2024
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Celso Peel e Pedro Calmon Neto

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Considerações sobre a Convenção no. 185 da Organização Internacional do Trabalho e sua aplicação ao trabalho dos tripulantes estrangeiros

Como é sabido, o Brasil ratificou a Convenção no. 108 em 05/11/1963, denunciando-a em 21/01/2010, quando ratificou a Convenção no. 185, nos termos do seu artigo 13, o qual prevê denúncia imediata, ao ser adotada uma nova convenção que importe em sua revisão total ou parcial. 

 Ambas as convenções especificam a vinculação apenas aos seus Estados Partes, ou seja, não podem ser exigidas de um navio arvorando a bandeira de um Estado não Parte. 

 No ano de 2003, em substituição à Convenção OIT no. 108, foram editadas novas regras com mais garantias e, ao mesmo tempo, mais rígidas, para a expedição dos documentos de identidade da “Gente do Mar”, surgindo desta forma a Convenção OIT no. 185.

 O Brasil, em 21/01/2010, atento às novas normas protetivas, denunciou a Convenção OIT 108 da qual era signatário, ao ratificar a Convenção OIT 185.

 Nos termos do artigo 1, item 1, da Convenção OIT no. 185, “o termo marítimo e a locução gente do mar designam toda e qualquer pessoa empregada, contratada ou que trabalhe em qualquer função a bordo de uma embarcação, que não seja de guerra e que esteja dedicada habitualmente à navegação marítima”.

 Atendidos os requisitos específicos da convenção, a expedição do Documento de Identidade da Gente do Mar, também conhecido como SID ou Seaman’s Book, é garantida a todos os nacionais daquele país em que a convenção esteja em vigor.

 Em termos práticos, a convenção serve para que o tripulante estrangeiro de embarcação marítima de curso internacional possa desembarcar no território nacional, ou “descer à terra”, durante a permanência da embarcação no porto apresentando a sua SID ou Seaman’s Book [1], ou seja, sem a necessidade de portar visto.

 Em que pese a ratificação, pelo Brasil, da Convenção OIT no. 185, no ano de 2010, e a Polícia Federal ter começado a exigi-la a partir do ano de 2011, apenas em 05/11/2019 é que a Convenção foi promulgada pelo Brasil, através do Decreto n° 10.088/2019.

 Ocorre que, pouco tempo depois, surgiu a crise sanitária ocasionada pela pandemia de Covid-19 e muitos países se viram impedidos de expedir a SID com base na Convenção OIT no. 185, razão pela qual as autoridades migratórias, em caráter temporário, flexibilizaram o ingresso de tripulantes portadores da SID, ainda emitidas com base na Convenção OIT no. 108. No caso do Brasil, a flexibilização ocorreu através de portarias e MOC’s (Mensagens Oficiais Circulares), sendo que a última MOC expedida possui validade somente até 30/04/2023.

 Antes mesmo do fim desse prazo, a Coordenadoria Geral de Imigração da Polícia Federal em Brasília havia antecipado que não haveria mais prorrogação da flexibilização e que, a partir de 01/05/2023, passaria a exigir a SID de acordo com os termos da Convenção OIT no. 185.

 Desta forma, temos que, a princípio, salvo apresentação de visto próprio, somente marítimos portando a SID emitida por países que ratificaram a Convenção OIT no. 185  e nos moldes da convenção, conseguirão ingressar em território brasileiro, de forma regular.

 DA ENTRADA DO MARÍTIMO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO POR MEIO DE VISTO DE TRABALHO:

  A Lei n° 13.445, de 24 de maio de 2017 (Lei de Migração), em síntese, dispõe sobre os direitos e deveres do migrante e do visitante, regulando a sua entrada e estada no território nacional. No seu art. 5°, que trata sobre a situação documental do migrante e do visitante, considera que são documentos de viagem, dentre outros, o passaporte e a carteira de identidade de marítimo, a SID.

 O visto, por sua vez, dá ao seu titular a expectativa de ingresso em território nacional e pode ser concedido em caráter temporário para finalidade de trabalho (art. 14, I, “e” da Lei 13.445/2017). Ainda na referida Lei, é estabelecido que não se exigirá do marítimo o visto temporário de trabalho quando ingressar no Brasil em viagem de longo curso e apresentada a SID (art. 14, § 7°da Lei 13.445/2017).

 Quanto às viagens de longo curso, os preceitos da Convenção OIT no. 185 serão aplicados, mas para as viagens de cabotagem, aplica-se a Resolução Normativa CNIG n° 6 de 2017 – RN06.

 A RN06 disciplina a concessão de autorização de residência para fins de trabalho sem vínculo empregatício no Brasil, para atuação como marítimo a bordo de embarcação ou plataforma de bandeira estrangeira e, nos termos do art. 3°, trata sobre o pedido de autorização de residência para fins de concessão do visto temporário, com prazo de duração de até 02 (dois) anos, que pode ser renovado.

 Para essa hipótese de ingresso do marítimo no território nacional, sabe-se que a RN06 estabelece uma regra de proporcionalidade entre brasileiros e estrangeiros, visando proteger interesses de trabalhadores brasileiros quando a embarcação permanece em AJB por prazo superior a 90 dias contínuos.

 Assim sendo, para marítimos que ingressem no País, por meio de visto de trabalho emitido conforme a RN06, não é exigida a apresentação da SID para permanência ou trabalho a bordo dos navios admitidos temporariamente em AJB.

 Neste sentido, para os marítimos que laboram em águas jurisdicionais brasileiras, com visto de trabalho, emitidos sob a égide da RN06, nada será alterado com a entrada em vigor da Convenção OIT no. 185.

 DA ENTRADA DO MARÍTIMO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO POR MEIO DE APRESENTAÇÃO DE SID:

 Não obstante o tópico acima, é permitido o ingresso de marítimos com a SID, desde que o(s) país(es) que tenha(m) emitido a(s) SID(s) tenham ratificado e emitam os referidos documentos com base nos preceitos da Convenção OIT no. 185.

 Os seguintes países ratificaram [2] a Convenção OIT 185: Albania, Antígua e Barbuda, Azerbaijão, Bahamas, Bangladesh, Bósnia e Herzegovina, Brasil, Cazaquistão, Congo, Croácia, Espanha, França, Filipinas, Geórgia, Hungria, Ilhas Marshall, Índia, Indonésia, Iraque, Jordânia, Quênia, Kiribati, Luxemburgo, Madagascar, Maldivas, Montenegro, Myanmar, Nigéria, Paquistão, República da Coreia, República da Moldávia, Rússia, Sri Lanka, Tunísia, Turcomenistão, Tanzânia, Vanuatu e Yemen.

 Caso o marítimo não possua a SID de um dos países acima listados, só poderá ingressar em território nacional se possuir o visto necessário para tal. Para que possamos comparar, os países (52 no total) a seguir são signatários da Convenção OIT no. 108 e não ratificaram, ainda, a Convenção OIT no. 185, de forma que os marítimos que possuam SID destes países, não poderão utilizá-la para o ingresso no Brasil, são eles: Argélia, Angola, Barbados, Bielorrússia, Belize, Bulgária, Camarões, Canadá, Cuba, República Tcheca, Dinamarca, Djibouti, Dominica, Estônia, Fiji, Finlândia, Gana, Grécia, Granada, Guatemala, Guiné-Bissau, Guiana, Honduras. , Islândia, Irã, Irlanda. Itália, Quirguistão, Letônia, Libéria, Lituânia, Malta, Ilhas Maurício, México, Marrocos, Noruega, Panamá, Polônia, Portugal, Romênia, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Seychelles, Eslovênia, Ilhas Salomão, Suécia, Tajiquistão, Türkiye, Ucrânia, Uruguai, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.

 Destacamos, a título de exemplo, que dos 10 (dez) maiores países de registro de bandeira, sendo eles, Panamá, Ilhas Marshall, Libéria, Bahamas, Hong Kong, Malta, Singapura, China, Itália e Grécia [3], temos que Panamá, Libéria, Malta, Itália e Grécia não ratificaram a Convenção OIT no. 185, mas ratificaram a Convenção OIT no. 108, e Hong Kong, Singapura e China não ratificaram nenhuma das duas convenções.

  Para os marítimos que possuam SID dos países listados, bem como em relação a demais tripulantes de países que não tenham ratificado a Convenção OIT 185, é necessário solicitar a emissão de visto.

 Importante destacar que diversos países de Bandeira expedem o Seaman’s Book para marítimos, independentemente de sua nacionalidade, e, tal SID, ele poderá ser utilizado para o ingresso em território nacional, se o país tiver ratificado a Convenção OIT no. 185.

 Por último, importante mencionar que os navios de bandeira estrangeira que operem em águas jurisdicionais brasileiras, de forma temporária, regularmente inscritos na Autoridade Marítima (logo, possuidores do Atestado de Inscrição Temporária de Embarcação Estrangeira), com a entrada em vigor da Convenção OIT no. 185, não sofrerão qualquer impacto, visto que tais tripulantes possuem autorização para o trabalho com o respectivo visto temporário.

[1] SID – Seafarers’ Identity Document ou Seaman’s Book – Carteira de “Marítimo”, no Brasil o documento do aquaviário, expedido pela Autoridade Marítima e denominada CIR – Caderneta de Inscrição e Registro.

[2] Informação atualizada em 21/04/2023 – site: https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:11300:0::NO::P11300_INSTRUMENT_ID:312330

[3] Fonte: Review of Maritime Transport 2022 – www.unctad.org

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TAGS Convenção denúncia imediata Gente do Mar navegação marítima vistos de trabalho

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