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terça, 07 de maio de 2024
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Marcelo Sammarco e Marcus Sammarco

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Temas 881 e 885 do STF: relativização da coisa julgada e insegurança jurídica

O desenvolvimento do setor de infraestrutura brasileiro demanda investimentos privados em grande escala, especialmente mediante aporte de capital estrangeiro. A atratividade deste capital privado, por sua vez, está diretamente relacionada com o ambiente de negócios no país, com destaque para a estabilidade regulatória, o respeito aos contratos firmados e a imutabilidade de decisões judiciais transitadas em julgado, cujos fatores determinam o grau de risco para investimentos em projetos de infraestrutura. Não por acaso, o tema segurança jurídica é recorrente em fóruns, congressos e artigos dedicados ao segmento.

Enquanto representantes do setor defendem a estabilidade regulatória e a harmonia entre órgãos reguladores e de controle que interagem neste ambiente, a coisa julgada em relação às decisões judiciais era um tema bem definido, ancorado na Constituição Federal, e que trazia menos preocupação. 

No âmbito do direito constitucional, residem os chamados direitos e garantias individuais dos cidadãos, cláusulas pétreas que não podem ser modificadas nem mesmo por emendas constitucionais. Dentre estes, a Constituição Federal consagra a coisa julgada no inciso XXXVI do artigo 5º.

A coisa julgada, como direito fundamental e garantia constitucional, impede que o Poder Judiciário volte a julgar sobre matérias já decididas e transitadas em julgado, no intuito de estabelecer segurança jurídica às relações, evitando-se a perpetuação de conflitos, incluindo litígios que envolvam o próprio Estado e não apenas os cidadãos.

Ao contrário do que ocorre no âmbito das atividades administrativas e legislativas, onde prevalece a mutabilidade dos atos, as decisões judiciais se caracterizam pela imutabilidade, princípio fundamental para a pacificação de disputas, resignação e, consequentemente, segurança jurídica. Por respeito ao princípio consagrado, a legislação processual estabelece hipóteses restritas de rescisão de uma decisão judicial definitiva.

Entretanto, na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários 955.227 (Tema 881) e 949.297 (Tema 885), de relatoria dos Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, respectivamente, tendo causado polêmica ao flexibilizar essa garantia constitucional em matéria tributária, permitindo a anulação de decisões definitivas quando houver mudança de entendimento daquela Corte Suprema. No entendimento da maioria dos operadores do Direito, essa decisão tem como consequência a insegurança jurídica.

Em resumo, a decisão sobreveio a partir do interesse da União Federal em relação à cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Por essa decisão, os contribuintes que obtiveram decisões definitivas favoráveis que lhes garantiu o não pagamento do tributo, perdem esse direito a partir do momento em que houver um novo entendimento do STF divergindo daquelas decisões, de forma automática, ou seja, sem a necessidade sequer de ajuizamento pela União Federal de uma ação rescisória.

Ademais, a referida decisão se deu sem a modulação dos efeitos, isto é, o STF abriu mão da faculdade de estabelecer seus efeitos a partir de temas e julgamentos futuros, o que seria cabível para proteger a segurança jurídica quanto a atos jurídicos e decisões proferidos no passado, resguardando situações pretéritas. De fato, o direito deve olhar para o passado, mas decidir para o futuro, buscando sempre o aprimoramento das relações jurídicas como o norte das suas decisões. A mudança de entendimento é natural e faz parte do processo de aperfeiçoamento, tendo como objetivo o futuro, não sendo admissível alterar o passado.

As decisões judiciais são cabíveis e adequadas ao entendimento do momento em que são proferidas, sendo certo que o entendimento é passível de alterações ao longo do tempo, produzindo efeitos em relação às decisões futuras, mas sem atingir o que já foi decidido de forma definitiva.

No caso específico da cobrança da CSLL, a partir desta decisão, os efeitos da quebra da coisa julgada retroagem a 2007, ano da decisão que validou a cobrança do tributo, em julgamento de ação onde se discutiu a sua constitucionalidade. As empresas envolvidas nos processos que deram origem à discussão, conseguiram a declaração de inconstitucionalidade da cobrança nos anos 1990, que perdurou até o ano de 2007.

Diante disso, duas questões de extrema relevância devem ser consideradas quanto às consequências dessa decisão.

A primeira delas se refere ao impacto à saúde financeira das empresas em face da previsão de que a Receita Federal poderá reaver bilhões de reais que reforçarão o caixa da União Federal, com a cobrança dos tributos devidos. Isso pode levar muitas empresas ao enfrentamento de dificuldades financeiras e, certamente, impactará nas suas respectivas capacidades de investimento.

Em segundo lugar, deve-se atentar ao fato de que os efeitos da decisão do STF não se restringem à cobrança da CSLL, podendo ser aplicada a outros tributos, reforçando a insegurança jurídica. Caberá, a partir de agora, mais um ônus às empresas, que será o monitoramento da jurisprudência em matéria tributária para identificar alterações de entendimento, necessário a uma revisão de contingenciamento para garantir eventuais pendências de natureza fiscal.

Além das repercussões de natureza jurídica envolvendo especialmente a questão da garantia constitucional da coisa julgada, a decisão do STF no julgamento dos Temas 881 e 885 é mais um elemento que reforça a complexidade do sistema tributário brasileiro.

Trazendo o tema para o cenário da infraestrutura nacional, o novo posicionamento do STF carrega em si uma mensagem extremamente negativa para os investidores privados, na medida em que afeta o conceito de imutabilidade de decisões judiciais transitadas em julgado, acarretando incerteza e imprevisibilidade, elevando, por consequência, o grau de risco para investimentos no país. Sem dúvida, a relativização da coisa julgada estabelecida neste julgamento depõe contra o interesse nacional ao atingir seriamente o ambiente de negócios e de investimentos no desenvolvimento do país. 

 

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